Por ser um dos setores da economia que mais contribui para a emissão de gases de efeito estufa, a indústria petrolífera está sendo reestruturada, mas sem envolver os trabalhadores. FUP quer ter papel central no debate
[Por Alessandra Murteira, da imprensa da FUP]
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU), divulgou no dia 20 de março Relatório Síntese com um alerta grave: os últimos oito anos foram o período mais quente da história e as medidas até agora não são suficientes para reduzir as emissões de gases do efeito estufa.
Segundo o documento, só na última década, aumentou em 15 vezes o número de mortes nas áreas mais vulneráveis do planeta, em decorrência de eventos climáticos extremos (inundações, secas, tempestades). O estudo destaca que quase metade da população no mundo vive em regiões altamente impactadas pelas mudanças climáticas.
Assinado por 93 especialistas, o Relatório do IPCC reforça a “urgência” das nações tomarem “medidas mais ambiciosas” e alerta que “se agirmos agora, ainda podemos garantir um futuro sustentável habitável para todos”. Para isso, as emissões de gases de efeito estufa precisam cair 60% até 2035, quando a temperatura do planeta terá aumentado 1,5 grau Celsius, em comparação à Era Pré-Industrial.
O nível atual do aquecimento global já está em 1,1ºC. Ou seja, a humanidade está perdendo a corrida contra o tempo para evitar uma catástrofe climática.
Por ser um dos setores da economia que mais contribui para a emissão de gases de efeito estufa, a indústria petrolífera está com os dias contados? É possível reestruturar o setor a partir da transição energética? Qual o impacto que os trabalhadores terão?
Por mais urgentes que sejam essas questões, as trabalhadoras e os trabalhadores brasileiros ainda estão à margem do debate que vem sendo realizado em nível global, por meio de organizações mundiais, como a própria ONU, e fóruns internacionais, com participação de entidades sindicais.
“A categoria petroleira é uma das mais impactas e, por isso mesmo, precisa se apropriar da discussão, disputando com as empresas os rumos da transição energética para que ela seja negociada com os trabalhadores e ocorra de forma justa”, afirma Gérson Castellano, da Secretaria de Relações Internacionais e Setor Privado da FUP.
Ele chama atenção para o fato das empresas estarem mais à frente do debate do que os próprios governos, pois já se apropriaram da transição e estão pressionando para vender soluções, na busca por novos mercados e mais lucro, mas jogaram os trabalhadores para escanteio. “A transição está gerando poucos empregos e, ainda assim, precarizados. Por isso as entidades sindicais e organizações sociais vêm se articulado em fóruns internacionais para discutir uma transição justa”, explica Castellano.
Nos últimos três anos, ele representou o movimento sindical petroleiro do Brasil em diversos encontros e reuniões internacionais para discutir transição energética justa. Vários desses eventos foram realizados de forma virtual, durante a pandemia da Covid-19, e outros, presencial. Em novembro de 2022, por exemplo, a FUP esteve presente pela primeira vez a uma Conferência Mundial do Clima, a COP 27, realizada no Egito, onde participou de um debate sobre transição energética justa no setor de óleo e gás, atividade organizada pelo Instituto Clima e Sociedade (ICS).
Leia também: COP 27: FUP participa da elaboração de documento internacional sobre transição energética
FUP, Dieese e ICS constroem proposta para transição nas refinarias
O ICS, junto com o Dieese, são parceiros da FUP no “Projeto transição energética e trabalho no setor petróleo”, que teve início em setembro de 2022, com o objetivo de contribuir para a mobilização e formação dos trabalhadores petroleiros para que possam intervir nesse debate. Neste mês de março, o projeto realizou a primeira oficina presencial com diretores da FUP e dos seus sindicatos, na sede da entidade, no Rio de Janeiro.
A atividade ocorreu no dia 15, quando foi apresentado um cronograma de debates e estudos que prosseguem até fevereiro de 2024, tendo como base o setor de refino de petróleo, que já vem passando por transformações para se adaptar às exigências ambientais de redução de co2 na queima de combustíveis, e tende a ser um dos mais impactados pelo processo de transição energética na cadeia produtiva do setor.
Os estudos realizados irão envolver os trabalhadores na formulação de propostas para que a transição energética ocorra de forma justa, garantindo trabalho decente, desenvolvimento social e sustentabilidade econômica para as comunidades impactadas. O projeto contará com realização de oficinas, seminários, audiências públicas e a produção de materiais técnicos para assessorar a FUP nas negociações coletivas com as empresas petrolíferas e nos debates com parlamentares e com órgãos governamentais.
OIT discutiu eixos da transição justa, com participação da FUP
Os eixos para construção de uma transição energética justa no setor de óleo e gás foram tema recente de um debate técnico, articulado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), que envolveu representações sindicais, empresariais e governamentais. O encontro foi realizado entre os dias 28 de novembro e 02 de dezembro de 2022, na sede da entidade, em Genebra, na Suíça, com participação da FUP, que representou os petroleiros e petroquímicos brasileiros. Também estiverem presentes sindicalistas dos Estados Unidos, Nigéria, Colômbia, Irã, Noruega e Austrália.
Ao final do debate, foi produzido um documento consensual, com diversas recomendações da OIT para que os governos e as empresas petrolíferas implementem uma política de transição energética justa, com empregos decentes e valorização do diálogo com as organizações sindicais e sociais na promoção de relações de trabalho justas e igualitárias. Veja no final da matéria uma síntese do documento final da OIT feita pela Secretaria de Relações Internacionais e Setor Privado da FUP.
Representante do movimento sindical brasileiro no grupo de trabalho, Gerson Castellano ressalta o protagonismo da FUP na discussão sobre transição energética justa, destacando que a entidade se tornou um ator político relevante nesse debate. “Nos capacitamos, principalmente nos últimos três anos, participando de diversos fóruns internacionais realizados pela IndustriALL Global, CSI/ITUC, CSA, OIT, TUED, Internacional Progressista, AFL CIO, sindicatos de vários continentes, além de organizações de defesa do meio ambiente. Esse acúmulo precisa circular agora entre a categoria”, declara.
“Petrobrás precisa liderar a transição no Brasil, junto com os trabalhadores”
Ele reforça a importância de toda a organização sindical petroleira se apropriar do debate sobre a transição energética justa e despertar também o interesse dos trabalhadores nas bases. “A FUP e seus sindicatos têm o papel fundamental de pressionar a Petrobrás para liderar esse processo, envolvendo os trabalhadores nas decisões”, afirma.
Castellano ressalta que, além do expertise tecnológico – o Cenpes, por exemplo, é um dos centros de pesquisas mais relevantes da indústria mundial de petróleo – a Petrobrás precisa voltar a ser uma empresa integrada de energia, fortalecendo a PBio, que tem tudo para ser uma grande produtora de biocombustíveis, já que o principal modal de transportes no Brasil ainda é o rodoviário.
“Ainda vamos precisar de petróleo por muitas décadas, mas podemos produzir sem gerar queimas, utilizando, por exemplo, tecnologias para uma cadeia de produtos petroquímicos sem emissões de poluentes”, explica, ressaltando que tudo isso demanda grandes investimentos nas refinarias e parque petroquímico, o que reforça a importância da Petrobrás liderar esse processo.
Hidrogênio verde e soberania energética
Outra alternativa que vem sendo implementada pelas grandes petrolíferas são as eólicas offshore para produção do chamado hidrogênio verde, que corre o risco de virar uma nova commodity. O diretor da FUP reforça a necessidade dos trabalhadores e de outros setores da sociedade organizada se apropriarem desse debate e disputarem os rumos da transição, pois o que está em jogo é também a soberania energética.
“Precisamos ter cuidado para o Brasil não se tornar um exportador de hidrogênio verde para as grandes potências, em detrimento da nossa população, como já acontece com o petróleo, a soja, os minérios e outras commodities”, alerta Castellano.
Síntese das recomendações da OIT sobre futuro do trabalho e transição energética justa no setor de óleo e gás*
Reunião técnica sobre o futuro do trabalho no setor de óleo e gás* Elaborado pela Secretaria de Relações Internacionais da FUP, com base nos relatórios produzidos pelo grupo técnico da OIT