Reportagem do Sindipetro Unificado de São Paulo colheu relatos de uma série de trabalhadores sobre a AMS, que revelam a precarização e o desmonte do plano de saúde dos trabalhadores da maior estatal do país
[Da imprensa do Sindipetro SP]
*Todas as histórias utilizadas na reportagem são verídicas e fruto de depoimentos concedidos pelos trabalhadores. Alguns nomes são fictícios e outros não (de acordo com a preferência de quem enviou o relato).
No feed de notícias corporativas, no site da Petrobrás, uma das matérias veiculadas, em outubro de 2023, menciona em parte do cabeçalho o Dia do Orgulho Autista. Ela está vinculada, mais especificamente, a uma editoria específica de Saúde.
Da mesma forma no Workplace, rede social interna da companhia, posts sobre saúde mental são abundantes. Recentemente, por exemplo, a empresa promoveu uma pesquisa sobre o tema, da qual participaram mais de 10 mil empregados (cerca de um quarto do quadro total de funcionários diretos, estimados atualmente em 40 mil).
Também se tornou recorrente, nos últimos anos, a realização de eventos corporativos com discursos que promovem a saúde e o bem estar dos empregados. No entanto, no meio da “peãozada”, a realidade é um pouco diferente.
Rogério tem 15 anos de Petrobrás. Seu filho, hoje com três anos, enquadra-se dentro do espectro autista. Ele e sua esposa, entretanto, precisaram recorrer a um outro plano de saúde para obterem um atendimento adequado. Isso porque o tratamento que apresenta resultado mais satisfatório para crianças como o filho de Rogério, chamado de terapia ABA, não está disponível na Saúde Petrobrás (AMS).
História semelhante é vivenciada por Mariane, petroleira há 20 anos. Seu filho de 11 anos também possui transtorno do espectro autista. Cansada de procurar psicoterapeutas e psiquiatras para seu filho dentro do convênio, precisou recorrer à atendimento particular.
Já o caso do Iago, petroleiro há 18 anos, possui mais uma pitada de perversidade. Seu filho de 10 anos possui autismo com déficit cognitivo (está inscrito no PAE). Iago teve acesso a um médico especialista, pela AMS (à época), para acompanhar a condição da criança desde a primeira infância. No entanto, recentemente foi informado pelo médico de que seu filho teria o tratamento interrompido, devido a dificuldade do profissional em receber do convênio pelas consultas realizadas.
Iago precisou de psicólogo e terapeuta ocupacional para a criança. Ficou na mão. Iago precisou de psicólogo para si. Ficou frustrado. A oferta é mínima, e ao contactar os profissionais, há horários disponíveis apenas em datas “a perder de vista”. No particular, por outro lado, é possível conseguir consulta “já na mesma semana”.
Problema similar é vivenciado por Marcelo, que trabalha na Petrobrás há 20 anos. Dentistas, ortodontistas, ginecologistas e psicólogos, que antes ele tinha acesso para atender a sua família, agora não estão mais disponíveis. Há uma debandada de profissionais de qualidade, e os mesmos alegam uma grande burocracia e dificuldade para receberem, além dos valores defasados.
Os petroleiros e petroleiras citados acima, ainda moram em “grandes centros”. Breno, com 15 anos de casa, tem uma imensa dificuldade para encontrar atendimento em Americana, onde mora. Tentou contato com 40 profissionais que estavam listados no plano. Todos informaram que “não atendiam mais a Petrobrás”. As reclamações se repetem: tabela muito defasada, somada à burocracia e demora no pagamento. Para ter acesso a especialidades básicas, como cardiologia, pediatria, otorrinolaringologia, Breno precisa andar pelo menos 50 km para conseguir alguma coisa.
Essas são apenas algumas histórias e relatos, que apesar de individuais se assemelham e se repetem, evidenciando o sucateamento do plano de saúde. No entanto, nas mídias corporativas, ambiente de completa jurisdição da empresa, a saúde “vai às mil maravilhas”. Afinal, a preocupação é apenas com os índices, com o marketing e a propaganda. Essa é uma opinião compartilhada por todos os entrevistados pela reportagem.
No grupo da Saúde Petrobras, no Workplace, destaca-se uma peça publicitária que aponta a Petrobrás como uma empresa “comprometida em cuidar da saúde dos petroleiros e petroleiras”. Nessa mesma lógica, os discursos e posts dos gerentes são embalados de termos politicamente corretos e progressistas sobre o assunto. Palavras como “inclusão”, “respeito” , “empoderamento” , “acolhimento” transbordam. Falas cheias de pompa, e vazias de sentido. Em contrapartida, vários desses gerentes recorrem a planos particulares, para que suas famílias tenham acesso a um atendimento de saúde mais adequado e digno.
Saúde tem um valor incalculável e intangível; apesar disso, os gestores usam argumentos puramente corporativos, baseados em cálculos simples e mercadológicos, para justificar o torniquete que vem sendo arrochado cada vez mais sobre o nosso plano de saúde. Nesse sentido, uma das hashtags promovidas pela empresa parece, no mínimo, cínica, levando em consideração as práticas corporativas dos últimos anos: #somosgentequecuidadegente.
Ainda assim, até no ambiente das redes sociais corporativas, território controlado pela empresa, é possível verificar a insatisfação dos funcionários. Relatos dos trabalhadores, sentindo-se desamparados, não faltam, pelo contrário. Proliferam desde o “peão”, até o engenheiro.
O sindicato vem apontando a questão da saúde como uma ferida que está aberta entre os petroleiros e as petroleiras. “Quando o assunto é o plano de saúde, o sentimento evidente é de desamparo. Isso impacta diretamente na nossa qualidade de vida e saúde mental. Para deixar esse caldo ainda mais preocupante, um número crescente de denúncias e relatos de tentativas de suicídio, e até das vias de fato, tem chegado ao sindicato. é realmente alarmante”, aponta o dirigente Evandro Botteon.
Na atual negociação do Acordo Coletivo de Trabalho, o tema da saúde é um dos temas prioritários por parte das representações dos trabalhadores.