A reportagem do Sindipetro-SP ouviu o historiador Manuel Domingos Neto e a socióloga Esther Solano para entender o risco de ruptura institucional durante e após a disputa presidencial
[Por João Paulo Soares, especial para o Sindipetro-SP]
Faz exatamente um ano que o fuzil verborrágico do presidente Jair Bolsonaro (PL) começou a cuspir fogo contra as eleições de 2022. Desde então, além dos ataques às urnas eletrônicas, o atual chefe do Executivo passou a desqualificar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a agredir seus ministros e a ameaçar publicamente o cancelamento do pleito de outubro ou o não reconhecimento de seus resultados.
A mais recente manifestação autoritária aconteceu na terça-feira (7), durante evento no Palácio do Planalto. Posando de vítima, Bolsonaro voltou-se contra a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que manteve a cassação do deputado estadual bolsonarista Francisco Francischini (União Brasil-PR) por este ter espalhado notícias falsas sobre as urnas eletrônicas durante o primeiro turno nas eleições de 2018.
Após lembrar que ele também divulgou as mesmas mentiras que levaram à cassação do deputado paranaense, o presidente ameaçou: “Não vou viver como um rato. Tem que haver uma reação. Tenho a obrigação de agir”. Antes, já havia criticado o TSE por este supostamente não dar ouvidos aos questionamentos dos militares na Comissão de Transparência Eleitoral montada no final do ano passado. “Eu sou o chefe das Forças Armadas. Nós não vamos fazer papel de idiotas”, bradou.
Para muitos observadores, as ameaças recorrentes não deixam dúvida quanto à disposição de Bolsonaro e seus aliados em sabotar as eleições e o próximo governo.
“O presidente tem sido claro: não entregará normalmente a cadeira”, afirma o historiador Manuel Domingos Neto, especialista em questões militares e ex-presidente da ABED (Associação Brasileira de Estudos de Defesa). “Entre os responsáveis por sua eleição”, continua Domingos Neto, “estão os militares, que não gostam da ideia de um retorno da esquerda ao governo e estarão ao seu lado, já que a chamada ‘terceira via’ não se concretizou”.
O professor concorda com a avaliação de que não há clima nem disposição para um golpe nos moldes clássicos, como o de 1964. “Os oficiais de hoje”, analisa, “atuam politicamente formando o que eles chamam de ambiente psicossocial. Absorveram o neoconservadorismo estadunidense. Promovem a guerra cultural, submetem a sociedade a choques cognitivos. Buscam ‘cobertura legal’ para suas incursões políticas”.
A ‘cobertura legal’ para um golpe nas condições atuais poderia vir com o uso da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) como justificativa para o enfrentamento de uma eventual situação de caos social. O dispositivo está previsto na Constituição e pode ser acionado apenas pelo presidente da República, sem necessidade de consulta ao Congresso ou qualquer outra instituição. Ela concede aos militares a condição de atuar com poder de polícia até o “restabelecimento da normalidade”.
“Um cenário possível”, afirma Domingos Neto, “seria o presidente e seus apoiadores causarem grande confusão, com a colaboração aberta ou velada de policiais. Há grupos paramilitares se armando. São articulados e violentos. Sobrevindo a desordem, o caos, as corporações militares poderiam surgir para ‘salvar a pátria’. O descontrole sobre o acesso às armas de pequeno porte é preocupante. No Brasil, essa turma do ódio está pronta para exercitar a violência”.
Radicais e moderados
Na mesma linha vai a pesquisadora Esther Solano, doutora em Ciências Sociais e professora da Universidade de São Paulo (USP). Ela estuda os movimentos e as motivações dos grupos bolsonaristas desde 2017.
“Qual o objetivo do Bolsonaro a gente não sabe muito bem”, diz ela, “mas provavelmente seja justamente fazer uma confusão, criar o caos, a instabilidade. Grupos bolsonaristas estão se organizando para isso. Para uma ação [golpista] mais institucional, não sei se Bolsonaro teria fôlego. Mas para uma ação de confusão, acho que esses grupos teriam capacidade”.
Segundo Solano, cerca de 15% dos eleitores de Bolsonaro apoiam ações antidemocráticas. Foram os que prontamente responderam ao chamamento golpista do presidente no dia 7 de setembro do ano passado, os quais a pesquisadora classifica como a base hiper-radicalizada do bolsonarismo.
Em princípio, avalia a professora, os radicais não têm apoio da maioria bolsonarista mais moderada, que teria medo das consequências de uma ruptura – que resultaria em violência, caos e incertezas. “Então, toda a retórica sobre fraude nas urnas fica muito mais restrita à base radical. A base mais moderada se sente, entre aspas, acolhida por uma ordem institucional que garanta o funcionamento da economia e da política, principalmente da economia”.
Ao mesmo tempo, Solano lembra que os radicais têm grande capacidade de produção e disseminação de conteúdo em multiplataformas. “É como se fosse o núcleo que vai irradiando informações que não ficam só na base radical, (…) que acabam alimentando também os grupos mais moderados”.
Para o historiador Manuel Neto, com apoio ou não dos bolsonaristas “moderados”, os militares que hoje bancam Bolsonaro farão de tudo para manter a tutela sobre o próximo governo e as diretrizes de seu projeto regressista.
“Estou mais preocupado com o pós-eleição do que com a eleição, cujo resultado está praticamente configurado” afirma ele. “Com o aparelho de Estado apodrecido, tomado pela extrema-direita, a possibilidade de sabotagem é muito grande. Além disso, as instituições governamentais estão em pandarecos. Não será fácil para o próximo governo”.