Em artigo públicado esta semana, o Sindicato dos Engenheiros do Rio de Janeiro (Senge-RJ) questiona a gestão da Petrobrás pelo péssimo negócio realizado em fevereiro deste ano, quando vendeu 50% de sua participação na BSBios, empresa de produção de biodíesel, com usinas no Paraná e no Rio Grande do Sul, que pertencia à Petrobras Biocombustíviel (PBio), e coloca sob suspeita a negociação. “Valor de venda incoerente, desconsideração da real capacidade de produção dos ativos, comprador impedido pelo TCU e conflito de interesses são algumas evidências de que esta venda foi lesiva para a Petrobrás”, informa o Senge.
Leia a íntegra do artigo:
[Do Senge-RJ | Foto: BSBios/Divulgação]
BSBIOS é uma empresa brasileira produtora de biodiesel da qual a Petrobrás, através de sua subsidiária integral Petrobrás Biocombustível (PBIO), tinha participação de 50% do capital, em sociedade com a R.P. Biocombustíveis, do empresário Erasmo Carlos Battistella. A BSBIOS tem duas usinas em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, e outra em Marialva, no Paraná.
A Petrobrás anunciou em 21/12/2020 a venda de seus 50% na BSBIOS por R$ 300 milhões, valor inferior ao lucro obtido pela coligada em 2020, para a empresa privada RP Biocombustíveis [1 e 2].
A RP Biocombustíveis é uma sociedade que tem como acionista único o Sr. Erasmo Carlos Battistella. Este é o mesmo sobre o qual recaíram suspeitas de enriquecimento ilícito e sonegação fiscal na compra da participação da BSBIOS-Marialva pela Petrobrás Biocombustível [3].
A usina de Marialva, inaugurada em 14 de maio de 2010, foi adquirida pelo grupo gaúcho BSBIOS pertencente ao Sr. Erasmo Battistella em novembro de 2009 por R$ 35,7 milhões. Seis meses depois, metade da unidade foi vendida por R$ 55 milhões para Petrobrás Biocombustível. Uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União confirmou as suspeitas de sobrepreço na aquisição pela Petrobrás Biocombustível da participação na usina de biodiesel localizada em Marialva [4].
Por conta desse episódio, a Petrobrás Biocombustível é oficial e extraoficialmente proibida de engajar em negociações diretas com a RP Biocombustíveis para a venda de sua participação, e por esse motivo iniciou em dezembro de 2019 o procedimento público de venda do ativo [5]. Apesar da proibição, foi o mesmo Sr. Erasmo Battistella quem comprou os 50% da participação da Petrobrás Biocombustível na BSBIOS [2].
Além disso, a ANP divulgou no Diário Oficial da União (DOU) no dia 22/01/2021 (4) (um mês após a Petrobrás anunciar a venda) autorização para a BSBIOS operar a usina de Marialva com capacidade de produção de até 468 mil m³/ano (1.300m³/d) de biodiesel, o que corresponde a um aumento de 13% na capacidade produtiva da usina. Esta notícia foi amplamente divulgada pela imprensa especializada [6]. E, logo em seguida, em 01/03/2021, foi publicado no DOU autorização para a BSBIOS operar a usina de Passo Fundo com capacidade de produção de até 468 mil m³/ano (1.300m³/d) de biodiesel, o que representa também um acréscimo de 13% na capacidade de produção da usina [7]. A ampliação da capacidade das usinas de biodiesel da BSBIOS também foi anunciada no próprio site da empresa [8].
O que explicaria o fato de em pouco tempo após a venda pela PBIO de parte da BSBIOS para o grupo privado que antes era sócio, as usinas da BSBIOS já estarem autorizadas a operar com capacidade ampliada? A conclusão é lógica: os investimentos para a ampliação da capacidade das usinas já haviam sido realizados, mas não foram contabilizados pela Petrobrás Biocombustível na valoração dos ativos da BSBIOS, depreciando a parte que a Petrobrás Biocombustível detinha da BSBIOS e vendendo por menor valor ao próprio grupo que detinha a outra parte.
Este aumento de capacidade teria que ter sido informado para que fosse levado em consideração no preço final de alienação dos ativos da PBIO, o que não ocorreu! A prova de que o aumento de capacidade não foi considerado no preço desta venda é o próprio teaser de venda de 20/12/2019 (que informa uma capacidade 13% menor que a instalada no ato da venda) tal como o comunicado ao mercado da efetivação da venda da BSBIOS de 9/2/2021 (Marialva: com capacidade de produção de 414 mil m³/ano e Passo Fundo: 414 mil m³/ano), ou seja, sem contemplar os aumentos de capacidade que haviam sido solicitados formalmente à ANP ainda durante a parceria com a Petrobrás.
Até o momento da efetivação da venda, a Petrobrás possuía empregados em cargos de Conselhos e Diretorias da sua coligada BSBIOS, para justamente ter acesso a este tipo de informação crítica ao negócio. A Petrobrás mantinha, entre outros, a presidente do conselho de administração da BSBIOS, que acumulou o cargo de gerente de participações e gerente de desinvestimentos na Petrobrás Biocombustível, área esta que conduziu a venda da coligada desconsiderando o aumento de capacidade. Essa informação era do seu conhecimento (e ganhou bonificação por cumprir a meta de vender no prazo estipulado), tal como relacionava-se frequentemente com o Sr. Erasmo Battistella (dono da metade da BSBIOS, membro do CA, Diretor Executivo da BSBIOS e comprador da parte da Petrobras). Assim, houve conflito de interesses no exercício de cargo conforme disposto no inciso II do art. 5º da Lei 12.813: ‘exercer atividade que implique a prestação de serviços ou a manutenção de relação de negócio com pessoa física ou jurídica que tenha interesse em decisão do agente público ou de colegiado do qual este participe’.
Diante da recessão pela qual passa o país, em meio a uma crise mundial causada pelo COVID-19, por que a Petrobrás Biocombustível vendeu um ativo que rendeu um lucro de R$ 129 milhões em 2019 [9] e R$ 311 milhões em 2020, por um preço bem abaixo do que poderia ser obtido caso esperasse a crise passar? Por que depreciou o ativo com a desconsideração da real capacidade de produção instalada nas usinas da BSBIOS? Porque permitiu empregados de altos cargos atuarem em conflito de interesses? Por que realizou venda direta para o CNPJ proibido pelo TCU? Há respeito ao código de ética, compliance e conformidade?
Os gestores da Petrobrás Biocombustível não escolheram o cenário mais prudente, iniciaram e finalizaram as negociações antes da emissão dos pareceres técnicos conclusivos e sem uma avaliação real da capacidade instalada o que reduziu a valoração das plantas de biodiesel. Nas duas vendas, houve a inversão na lógica da negociação, uma vez que o interesse do vendedor (Petrobrás Biocombustível S.A.) deu lugar ao do comprador (Sr. Erasmo Carlos Battistella por meio de uma de suas empresas, a RP Biocombustíveis), adotando informações deste e desconsiderando os parâmetros utilizados pela Petrobrás e os pareceres das áreas técnicas desta Companhia gerando prejuízos para a Petrobrás.
Referências:
(1) https://acionista.com.br/petrobras-negociacao-venda-acoes-bsbios
(2) https://www.agenciapetrobras.com.br/Materia/ExibirMateria?p_materia=983343
(3) https://valor.globo.com/politica/coluna/tcu-prova-sobrepreco-em-mini-pasadena.ghtml
(4) https://auditoria.cgu.gov.br/download/9745.pdf
(5) https://www.agenciaPetrobrás.com.br/Materia/ExibirMateria?p_materia=981471
(6) https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/autorizacao-spc-anp-n-41-de-21-de-janeiro-de-2021-300200885
(6) https://www.biodieselbr.com/noticias/usinas/info/anp-autoriza-nova-ampliacao-na-capacidade-da-bsbios-de-marialva-pr-220121
(7) https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/autorizacao-spc-anp-n-118-de-26-de-fevereiro-de-2021-305693667
(7) https://www.biodieselbr.com/noticias/usinas/info/bsbios-completa-ampliacao-de-usina-de-passo-fundo-010321
(8) https://www.BSBIOS.com/noticias/BSBIOS-investe-no-aumento-da-producao-de-biodiesel/
(9) https://www.biodieselbr.com/noticias/usinas/info/bsbios-lucra-r-129-9-milhoes-em-2019-220420