Em entrevista ao Sindipetro-SP, Deyvid Bacelar aponta as expectativas em relação à nova gestão da Petrobrás e o papel do movimento sindical diante do novo governo
[Por Guilherme Weimann, do Sindipetro SP]
Os últimos seis anos representaram um dos períodos mais difíceis na história dos petroleiros. Foram mais de 40 mil postos de trabalho fechados, 3,9% de desvalorização salarial e uma série de ativos da Petrobrás privatizados. Um deles, inclusive, foi a Refinaria Landulpho Alves (Rlam), vendida ao grupo árabe Mubadala Capital e renomeada de Refinaria de Mataripe, em dezembro de 2021.
E foi justamente nessa refinaria, a primeira construída no Brasil, que o técnico em Segurança do Trabalho Deyvid Bacelar ingressou por concurso em 2006. No período da sua privatização, entretanto, o baiano natural de Feira de Santana já estava à frente da maior representação sindical da categoria no país, a Federação Única dos Petroleiros (FUP).
Justamente por isso, tornou-se uma das figuras de maior destaque na luta em defesa dos direitos dos trabalhadores, do caráter público da Petrobrás e, mais recentemente, do retorno de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República. Participou, inclusive, do grupo de transição de Minas e Energia, que elaborou um diagnóstico dos danos deixados pelos últimos governos e delineou os desafios do setor para os próximos anos.
Apesar disso, o coordenador geral da FUP é enfático ao defender um princípio que, segundo ele, norteia a categoria petroleira desde a sua criação: a autonomia e independência sindical. Diante de um governo de coalizão, formado por 16 partidos, acredita que o principal papel do movimento sindical é o de pressionar para que sejam tomadas decisões à esquerda.
No caso específico da Petrobrás, assumida pelo ex-senador Jean Paul Prates, vislumbra a retomada de investimentos em setores estratégicos, como o petroquímico e naval, além de uma política de longo prazo voltada à transição energética. Mais do que isso, espera retomar todos os direitos perdidos ao longo dos anos, com destaque para os relacionados com a previdência (Petros) e saúde (AMS).
Confira abaixo a entrevista na íntegra:
Quais são as expectativas em relação à nova gestão da Petrobrás, especialmente em relação ao novo presidente?
As expectativas são as melhores possíveis. É bom destacar que sofremos durante mais de seis anos, com gestores da Petrobrás, inclusive presidentes, que massacraram o movimento sindical petroleiro e, por tabela, a categoria como um todo. Foram perdas substanciais no Acordo Coletivo de Trabalho [ACT] ao longo deste período, incluindo uma perda acumulada de 3,9% nos salários corroídos pela inflação. Além disso, a Petrobrás se apequenou nos últimos anos diante do potencial que ela tem.
Por isso, a expectativa é justamente retomar tudo isso: direitos, que foram perdidos ou alterados durante os governos golpista e autoritário; e os papéis social e desenvolvimentista da Petrobrás, desmontados principalmente pelo governo Bolsonaro.
A Petrobrás, como já foi sinalizado pelo presidente da Petrobrás e pelo próprio presidente Lula, voltará a investir no refino, buscando autossuficiência para garantir o abastecimento do mercado nacional, que é o sexto maior do mundo. Também já foi sinalizada a reconstrução da área de petroquímica, principalmente com a reabertura da Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados [Fafen] do Paraná e a retomada das obras da Fafen do Mato Grosso do Sul.
“A PETROBRÁS SE APEQUENOU NOS ÚLTIMOS ANOS”
Existe também a expectativa de investimentos na área petroquímica propriamente dita, como o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, o Comperj, além do segundo trem da Refinaria Abreu e Lima (RNest), que abastece um polo petroquímico que era da Petrobrás, mas foi privatizado.
Esperamos também que a Petrobrás volte a ser indutora da indústria naval e da engenharia nacional. Há a necessidade de grandes obras serem feitas aqui no Brasil, gerando emprego e renda.
E já houve uma sinalização, por parte da nova diretoria, de investimentos em energias renováveis. Isso significa que a companhia não estará, como nas gestões anteriores, preocupada apenas com o curto prazo, mas fará um planejamento de futuro, de 10, 20, 30 anos, assim como outras empresas de energia têm feito.
Há a expectativa de que tudo isso seja feito, principalmente sob o comando do presidente Jean Paul Prates, que quando senador foi presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Petrobrás. Ele fez todo um debate conosco, que ajudou a evitar a privatização total da Petrobrás.
O novo presidente Jean Paul Prates se mostrou crítico em diversas situações à política de preços dos combustíveis. Na sua avaliação, será possível criar uma alternativa no curto prazo ao PPI?
É verdade, o presidente Jean Paul Prates já fez uma série de críticas à política de preços dos combustíveis, implementada na época do Michel Temer, em outubro de 2016, junto com o Pedro Parente, que estava na presidência da Petrobrás, e que foi mantida pelo governo Bolsonaro e por todos os presidentes que ele colocou na empresa ao longo dos seus quatro anos [de governo].
Em uma entrevista coletiva assim que foi anunciado como presidente da Petrobrás, ele [Jean Paul Prates] colocou de forma enfática que seguirá a orientação do acionista majoritário controlador da Petrobrás, que é a União, representada hoje pelo governo do presidente Lula, com relação à política de preços dos combustíveis. E ele avançou mais dizendo que, sim, há alternativas já no curto prazo ao preço de paridade de importação [PPI]. Até porque, como nós falamos o tempo todo, e como o próprio presidente Lula e o presidente Jean Paul tem colocado, não faz sentido algum um país que é autossuficiente em petróleo, que já exporta mais de um milhão de barris de petróleo por dia, que tem refinarias que refinam esse petróleo brasileiro, ter como parâmetros principais o preço do barril do petróleo no mercado internacional, a variação do dólar e os custos de importação de derivados de petróleo [para precificar seus combustíveis].
ACREDITAMOS QUE JÁ HAVERÁ, A PARTIR DE MARÇO, UMA MUDANÇA NESSA POLÍTICA DE PREÇOS
É possível construirmos uma nova política de preços, que se baseie principalmente nos custos internos de produção. Acreditamos que já haverá, a partir de março, uma mudança nessa política de preços, devido ao fim da renúncia fiscal que o governo fez em relação a alguns combustíveis, dentre eles a gasolina e o álcool. Pelo menos essa é a nossa expectativa. O combustível que é produzido nas nossas refinarias brasileiras, com petróleo brasileiro e pelas mãos de trabalhadores brasileiros, obviamente não precisa ser vendido pelo parâmetro do PPI. O combustível que é importado pelas empresas importadoras, até se entende ser precificado com base PPI. Mas estamos falando de somente 20% da demanda interna de diesel. O restante do combustível consumido internamente é produzido com petróleo brasileiro nas refinarias da Petrobrás. Vale destacar que 94% do petróleo refinado pela Petrobrás provém do pré-sal, com ótima qualidade e baixo custo de extração.
Obviamente que é necessário ter uma margem de lucro para a Petrobrás, para as distribuidores, para as revendedoras, mas sem utilizar o PPI como parâmetro para os preços dos combustíveis produzidos aqui no país.
Diversos nomes com histórico de atuação no sindicato dos petroleiros estão assumindo cargos na gestão da Petrobrás. Qual será o tom do diálogo com eles e como manter a independência em relação à gestão?
Na verdade, não são diversos nomes com histórico de atuação no movimento sindical petroleiro [que estão assumindo cargos na gestão]. Nós temos alguns poucos nomes de companheiros e companheiras que estão sendo, digamos assim, emprestados à gestão da Petrobrás. Tivemos um cuidado nesse período de não promover uma grande debandada do movimento sindical petroleiro para a estrutura da Petrobrás e nem do governo federal. São poucas as pessoas que estão indo para funções gratificadas ou cargos de confiança na gestão da empresa.
Entendemos que essas pessoas, além de terem se qualificado ao longo de sua vida laboral e de atuação no movimento sindical, ajudaram a defender a Petrobrás de um lado da mesa, ou seja, atuando como sindicalistas, e que agora também terão a oportunidade de defender a Petrobrás do lado da mesa em que se encontra a gestão da empresa. É importante separar esses dois papéis, porque o movimento sindical petroleiro, ou seja, a FUP e seus sindicatos, tem um princípio fundamental que é o de autonomia e independência sindical diante dos governos e diante dos patrões.
NÓS TEMOS ALGUNS POUCOS NOMES DE COMPANHEIROS E COMPANHEIRAS QUE ESTÃO SENDO, DIGAMOS ASSIM, EMPRESTADOS À GESTÃO DA PETROBRÁS
Nós atuamos dessa maneira desde o início da nossa história. Estamos falando da década de 1950, 1960, pré-ditadura, quando fizemos lutas importantes, com greves históricas, buscando equiparação salarial entre as regiões do país, por exemplo. Havia na época uma discrepância salarial entre o Nordeste e o Sudeste. Também fizemos greves para que houvesse encampações das refinarias que ainda não eram da Petrobrás, a exemplo da Recap [Refinaria de Capuava] e da Reman [Refinaria Isaac Sabbá]. Fizemos movimentos contra o golpe militar de 1964 e, por conta disso, diversas lideranças sindicais petroleiras foram presas, torturadas, exiladas ou mortas. Fizemos uma luta incessante pela redemocratização do país, e o exemplo mais forte é o da greve de 1983, quando na Bahia e em Campinas fizemos uma greve que gerou mais de 250 demissões, na Rlam [Refinaria Landulpho Alves] e na Replan [Refinaria de Paulínia]. Fizemos lutas durante os governos liberais, tanto de Fernando Collor de Mello, como de Fernando Henrique Cardoso, e aqui temos o exemplo maior da greve de 1994 e 1995, que evitou a privatização total da Petrobrás.
“AGORA NO GOVERNO DO PRESIDENTE LULA MANTEREMOS A INDEPENDÊNCIA E AUTONOMIA, COM AS MOBILIZAÇÕES, AS LUTAS E AS GREVES QUE FOREM NECESSÁRIAS PARA RETOMARMOS OS DIREITOS PERDIDOS E, MAIS DO QUE ISSO, PARA TERMOS UMA PETROBRÁS A SERVIÇO DO POVO BRASILEIRO”
Ajudamos, sim, no processo de eleição do governo popular do presidente Lula, em 2002. E mesmo nos governo [petistas] de 2003 a 2016, passando pelos dois do Lula e pelos quase dois da presidente Dilma, nós fizemos uma série de lutas e greves, demonstrando nossa independência. Fizemos greve pelo direito de desembarque nas plataformas da Petrobrás, pela PLR e por mais segurança no ambiente de trabalho, que ficou conhecida como ‘a greve pela vida’. Fizemos uma greve contra o leilão do gigantesco campo de Libra, do pré-sal, já no governo Dilma. Fizemos greve em 2015, com uma pauta não corporativa, mas pelo Brasil.
E avançando para os governos Temer e Bolsonaro, realizamos greves pela redução do efetivo, greve em 2018 junto com os caminhoneiros, na qual tomamos multas na ordem de R$ 3 milhões que prejudicaram muito os sindicatos menores. E, por fim, fizemos a greve de 2020, quando resistimos por um período de mais de 20 dias contra o fechamento da Fafen Paraná e pelo respeito à negociação coletiva.
Então, da mesma maneira que fizemos durante toda a nossa história, agora no governo do presidente Lula manteremos a independência e autonomia, com as mobilizações, as lutas e as greves que forem necessárias para retomarmos os direitos perdidos e, mais do que isso, para termos uma Petrobrás a serviço do povo brasileiro e não sequestrada pelos acionistas minoritários, como ocorreu nos governos Temer e Bolsonaro.
Nos últimos anos, a luta contra a privatização ganhou mais centralidade do que as reivindicações corporativas dos petroleiros. Quais serão as estratégias daqui pra frente? Quais são as pautas prioritárias da categoria?
Sim, sem dúvida alguma. Durante esses últimos anos, a principal pauta da categoria petroleira foi, sim, a luta contra as privatizações dentro do Sistema Petrobrás. As reivindicações mais corporativas foram feitas, sem dúvida alguma, mas a principal pauta foi a defesa da soberania nacional e da Petrobrás. Agora, é claro que com um governo desenvolvimentista, que defende o papel estratégico da Petrobrás, nós vamos alterar nossa estratégia de luta. Nós teremos um processo de reconstrução do que foi destruído pelos governos anteriores. É tempo de o movimento sindical petroleiro pressionar esse nosso governo e a gestão do presidente Jean Paul Prates para que aquilo que foi apresentado no programa de governo do presidente Lula venha a ser colocado em prática. Tudo isso vai ser perseguido pela FUP.
“NÓS PRECISAMOS CUMPRIR NOSSO PAPEL QUE É PRESSIONAR O GOVERNO À ESQUERDA”
Para isso, se necessário for, diante da independência e autonomia do movimento sindical petroleiro, nós faremos um processo de mobilização da categoria. Como dissemos em várias oportunidades, nós estamos diante de um governo de ampla coalizão, uma frente com 16 partidos, que por tabela se trata de um governo em plena disputa, e justamente por isso nós precisamos cumprir nosso papel que é pressionar o governo à esquerda para que o seu programa, aprovado nas urnas pela população brasileira, possa ser concretizado.
Aposentados e pensionistas sofreram com diversas perdas de direitos e arbitrariedades das últimas gestões da Petrobrás. Quais são as pautas específicas para essa parcela da categoria?
Sem dúvida nenhuma a questão da Petros e AMS são pautas prioritárias. É necessária uma solução definitiva para o plano Petros-1 e a retomada do nosso plano de saúde que foi privatizado na gestão do Cláudio Costa e hoje está nas mãos de uma associação comandada por planos de saúde privados, a exemplo do Bradesco e SulAmérica.
Para isso, defendemos o diálogo permanente, por meio de mesas de trabalho, para podermos debater não apenas os temas da Petros e da AMS, como horas extras, tabela de turno, banco de horas, efetivo mínimo, teletrabalho e todos os outros temas de interesse da categoria, que estão pendentes há muito tempo.