Entrevista

“Petrobrás está sendo suicida”, diz Gabrielli, ex-presidente da empresa

Gabrielli esteve à frente da estatal nos governos Lula (PT) e Dilma (PT) (Foto: Agência Petrobras de Notícias)

Economista diz que busca por remuneração de acionista pode condenar futuro da estatal

[Por Vinicius Konchinski, para Brasil de Fato]

A Petrobrás tem obtido lucros recordes nos últimos anos e se tornou, no segundo trimestre de 2022, a empresa que mais paga dividendos a seus acionistas no mundo. Parece bem. Mas, para o ex-presidente da estatal, o economista José Sergio Gabrielli, não está.

Segundo ele, a Petrobrás adotou uma gestão “suicida” a partir de 2016, após o impeachment contra a ex-presidenta Dilma Rousseff (PT). Isso reduziu seus investimentos e pode comprometer o futuro da companhia.

Gabrielli concedeu entrevista ao Brasil de Fato na sexta-feira (26). Falou das consequências da gestão da Petrobrás para a economia brasileira, dos impactos da Lava Jato sobre a empresa e defendeu mudanças na Lei das Estatais, que, na sua opinião, usurpou o poder do governo sobre as companhias que ele controlava.

Leia abaixo os principais trechos da conversa:

Brasil de Fato: A Petrobrás é hoje uma empresa que tem lucros elevados e distribui dividendos recordes. Tem investimentos baixos e vende combustíveis a preços altos. O que aconteceu com a estatal?

José Sergio Gabrielli: A Petrobrás fez a opção de mudar o seu plano estratégico e de focar nas variáveis financeiras de curto prazo. Se colocou como uma empresa cujo objetivo principal é reduzir sua dívida e viabilizar o máximo de pagamento aos seus acionistas. Essa mudança foi uma definição explícita do conselho de administração. Ela reflete uma nova composição da assembleia geral dos acionistas da empresa e uma nova composição do conselho de administração, com conivência do governo, que controla a companhia e atuou para a ‘hipertrofia’ dos representantes do mercado financeiro com visão de curto prazo na gestão da estatal.

Essa estratégia envolveu duas coisas fundamentais: alavancagem financeira que só poderia ser atingida com venda de ativos e uma busca máxima por eficiência para gerar excedentes.

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Qual a consequência dessa opção da Petrobrás para o Brasil?

O fundamental é que a Petrobrás deixou de ter o papel relevante que sempre teve nos seus mais de 70 anos como ‘locomotiva do país’. A construção das refinarias, por exemplo, sempre foi  um elemento de transformação das economias regionais. A expansão da atividade petroleira sempre foi associada à expansão da engenharia e da indústria naval. Isso se perdeu.

Se perdeu do ponto de vista da capacidade de geração de emprego e de renda, como se perdeu também nas relações que a Petrobrás estabeleceu com as comunidades locais. Se você vai numa cidade do interior do Nordeste onde a Petrobrás está, a lanchonete depende da empresa, a indústria têxtil depende um pouco, o táxi, os ônibus… O conjunto de impactos que ela tem sobre a economia é muito grande.

Com a retirada da Petrobrás dessas áreas, a substituição por empresas menores, mais focadas em cada atividade, perdeu-se esse efeito multiplicador do desenvolvimento.

Qual a melhor estratégia para a Petrobrás, como empresa e para o país?

Do ponto de vista empresarial, sem falar do ponto de vista social, a Petrobrás está sendo suicida. O modelo dominante das grandes empresas de petróleo é o de empresas integradas, que trabalham na exploração do petróleo, no desenvolvimento de descobertas, na transformação do petróleo em derivados, no transporte, na comercialização, no varejo, na petroquímica, na produção de fertilizantes, biocombustíveis e energias renováveis. A Petrobras não está fazendo isso.

A Petrobrás está focada na produção do pré-sal. Virou uma empresa exportadora de petróleo cru.

Ela diminuiu investimentos no refino. As atividades de exploração, ou seja, de buscar novas áreas do petróleo, são muito pequenas na Petrobrás nos últimos anos. Se você não continuar investindo na busca de novas áreas, está condenando a empresa a morrer no longo prazo. Então, do ponto de vista exclusivamente empresarial, é uma posição suicida.

Já do ponto de vista social, ao se transformar na maior pagadora de dividendos do mundo, ela esvazia o seu caixa e diminui sua capacidade de financiar investimentos e de ter repercussão na economia nacional. Pelo tamanho que a empresa tem, ela precisa olhar para a economia brasileira porque, se não olhar, está destruindo o mercado dela. Fora que não estará cumprindo o seu papel social.

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A gestão da Petrobrás é hoje tema do debate eleitoral. Há candidatos que propõem mudanças. Como reposicionar a empresa?

O primeiro a fazer é mudar a estratégia da companhia. Se ela não mudar, nada poderá ser feito. A Petrobrás é uma sociedade anônima, uma SA, apesar do controle do governo. Ela é regida pelas suas decisões internas, não por decreto presidencial. É regida por decisões do seu conselho de administração. Então, é preciso mudar a composição do conselho de administração e colocar lá pessoas comprometidas com a visão de longo prazo da empresa. Não precisam necessariamente ser pessoas do governo ou contrárias aos acionistas minoritários, mas que tenham uma visão de longo prazo. Se não você mata a empresa. Com elas, você muda a estratégia da Petrobras.

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Ao mudar a estratégia, muda o plano de investimentos. Nesse novo plano, é absolutamente indispensável que seja contemplada a área de refino porque nós precisamos ampliar a capacidade brasileira de produzir derivado para atender nossa necessidade. Hoje, não temos capacidade de processar esse petróleo e transformá-lo na gasolina, no diesel, no gás de cozinha que necessitamos. Temos que ampliar a capacidade de refino no Brasil.

E temos que retomar atividades exploratórias, além de integrar mais a companhia voltando à atividade de distribuição, de biocombustíveis e de combustíveis renováveis.

O impacto mais imediato da Petrobrás no cotidiano da população se dá no preço dos combustíveis. Eles estão caros, mas baixaram um pouco nos últimos meses. O presidente Jair Bolsonaro (PL) tenta dar o entender que teve participação nessa queda. Qual é sua visão sobre o preço do combustível hoje no Brasil?

O que Bolsonaro conseguiu fazer foi tirar parte da receita dos Estados com o ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços] cobrado sobre combustíveis. Ele também acabou beneficiado por uma queda temporária dos preços internacionais. Isso permitiu à Petrobrás baixar o preço da refinaria. Isso levou a uma queda da gasolina. Não caiu tanto o diesel.

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Acho que no segundo semestre nós vamos ter problema de novo porque nada indica que o preço internacional do diesel vá cair. Vamos ter novas pressões por aumento, que até podem ser seguradas pela pelo novo conselho de administração que o Bolsonaro colocou na empresa, o qual está mais aderido, é mais compatível com sua visão eleitoral. Mas, pós-eleição, acho que vamos ter problemas com preços internacionais. E por que o preço internacional é relevante? Porque nós estamos importando 30% do diesel que consumimos, mais de 20% da gasolina e 30% do gás de cozinha já que não temos refinarias.

Nós desmontamos os projetos que estavam sendo implementados. A última refinaria construída no Brasil antes da Refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco, foi a de São José dos Campos, em 1980. Tínhamos várias refinarias com obras sendo iniciadas. Os projetos foram desativados por várias razões, inclusive essencialmente por causa do desmonte da engenharia brasileira provocado pela Lava Jato. Então, uma das consequências da Lava Jato é a dependência que nós temos neste momento do combustível importado.

Falando em Lava Jato, a Lei das Estatais foi uma reação política à operação, certo? O senhor acha que essa lei acabou limitando a influência do governo na empresa e abrindo espaço para interesses de mercado?

Primeiro, o combate à corrupção é uma tarefa fundamental. Agora, ele tem que ser cirúrgico. Você tem que identificar o corrupto e punir. Você não pode transformar o combate à corrupção numa bandeira política que acaba matando a empresa, matando o sistema político, como aconteceu aqui e como aconteceu na Itália com a operação Mãos Limpas, que foi a inspiração da Lava Jato no Brasil.

O grande problema da Lava Jato foi que ela transformou a luta contra a corrupção, que é uma luta jurídica e policial, num problema político. E, ao fazer essa passagem, ela ultrapassou os limites do Direito e destruiu grandes segmentos da indústria brasileira.

A corrupção dentro da Petrobrás era relativamente pequena dentro do volume de recursos que a empresa movimentava. Tinha que ser investigada e punida seguindo pressupostos de que as pessoas são inocentes até que se prove o contrário. Mas inverteu-se a lógica. Passou-se a acusar as pessoas, que tinham que tentar provar sua inocência. Réus confessos acabaram sendo beneficiados pelas delações premiadas. O combate à corrupção foi perturbado, corrompido e destruído nessa operação.

Ela ainda teve como consequência principal o desmonte da engenharia brasileira e desmonte do setor de petróleo e gás.

A Lei das Estatais tem como objetivo prevenir a corrupção e garantir uma boa gestão das empresas. Bolsonaro, aliás, foi eleito com essa bandeira. Mas agora conseguiu incluir no conselho de administração da Petrobrás dois indicados cujos currículos foram rejeitados pela Petrobrás com base na Lei das Estatais. Como isso é possível?

A Lei das Estatais é um exemplo de legislação em que se aproveitou de um momento para aprovação de algo que não tem o real objetivo que se dizia ter. Ela foi feita no auge da Lava Jato como uma resposta à influência do governo nas empresas estatais. Tinha um elemento ideológico embutido, que dizia o seguinte: como a é empresa estatal e o governo manda, necessariamente tem corrupção.

Acontece que, na verdade, a corrupção é um fenômeno de grandes empresas, de pequenas empresas, e não necessariamente do governo. Até porque sempre há um setor privado envolvido no processo de corrupção.

Agora, se você aplicasse as regras da Lei das Estatais para o setor privado, teríamos a seguinte situação: o grupo que tem a maior parte das ações de uma de uma empresa não poderia indicar seus representantes para dirigir a empresa. Isso é um contrassenso, é ilógico. São os grupos dominantes que acabam indicando os seus membros para os conselhos de administração e evidentemente que esses membros têm que buscar o melhor resultado para a empresa. Não necessariamente o melhor resultado de curto prazo.

Na Lei das Estatais, foi dito o seguinte: o governo tem maioria do capital, mas tem que ter seu poder limitado. Ou seja, é quase como se tivesse uma usurpação do direito do governo por alguns segmentos minoritários, que passam a ter mais poder.

Há necessidade de se mudar a lei? Acho que há. Mas também houve alguns avanços nela: a necessidade da competência comprovada de executivos, de procedimentos de avaliação e de controle de comando são aperfeiçoamentos.

O senhor está disposto a ocupar cargos na Petrobrás num novo governo?

Provavelmente não. Tenho 72 anos, vários processos em tramitação TCU [Tribunal de Contas da União] – sem nenhuma acusação criminal contra mim, diga-se de passagem –, então provavelmente não voltarei ao governo.