O que leva o Brasil, um país que retira petróleo do fundo do mar, que tem refinarias e que produz a preços competitivos, a exportar o óleo bruto e a importar seus derivados, com gasto de fretes, num verdadeiro “petrotour”? A pergunta, que tem sido feita cada vez mais pelos brasileiros diante da alta dos combustíveis, norteou, na última quarta-feira (01/09), o programa Pauta Brasil realizado pela Fundação Perseu Abramo.
[Da comunicação do INEEP]
“É um problema de decisão política, de correlação de forças”, resumiu o coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) William Nozaki, que ao lado da pesquisadora Carla Ferreira, também do Instituto, apresentou ao mediador do programa, Artur Araújo, a resposta para a pergunta e os motivos que, de 2016 para cá, têm provocado altas tão significativas nos preços dos combustíveis.
Na verdade, a frase de Nozaki responde a uma outra pergunta do mediador que se repete entre aqueles que acompanham as decisões de governos (Temer e Bolsonaro) com relação aos desinvestimentos da Petrobras, que já somaram US$ 30 bilhões de ativos: “Estes compradores são maus capitalistas ou estas vendas resultam de uma conversa mole de que estes ativos não dão resultados? Quem são os bobos da história?”, questionou Araújo.
Para Ferreira, todo este processo de reajustes e de seguidas altas de preços faz parte de uma política de governo que teve início em 2016, com o objetivo de abrir espaço para os importadores de combustíveis e viabilizar a privatização de oito refinarias da Petrobras, das quais duas, a Refinaria Landulpho Alves (RLAM), na Bahia, e a Refinaria de Manaus (Reman), já foram vendidas. E, para tanto, foi adotado o Preço de Paridade de Importação (PPI), que considera a cotação do óleo no mercado internacional e a variação taxa cambial. Se os preços no mercado externo sobem e o real é desvalorizado, os combustíveis são reajustados para mais.
Afinal, o que que pressiona a alta dos combustíveis?
O preço do derivado que sai da refinaria tem como base a PPI, e sobre ele incidem os impostos federais (PIS/Cofins), estadual (ICMS) e as margens de distribuição e revenda, além dos custos dos biocombustíveis que compõem o produto final. Ferreira informa que:
“O ICMS tem sido apontado pelo governo federal como vilão para a alta de preços. No entanto, o histórico recente dos preços dos combustíveis mostra que não houve alteração significativa da alíquota do ICMS. O que tem alteração significativa é a faixa de preço que sai da refinaria da Petrobras.”
Segundo ela, a partir destas variáveis, de 22 a 28 de agosto, o preço médio do botijão do gás de cozinha chegou a R$ 94,00, com 22% de aumento sobre o valor de janeiro; o preço do litro da gasolina era de cerca de R$ 6,00, como aumento de 30%: e o do diesel R$ 4,61, com alta de 25%. ”São valores muito altos, sentidos pelo consumidor não apenas ao comprar o combustível, mas também pelo que impactam na inflação”, afirmou. Ferreira comentou: “Tudo isso faz parte de um aparato que se construiu como política da Petrobras. A empresa tem vilipendiado seu lado de empresa estatal, favorecendo o lado dos acionistas e focando muito na rentabilidade, na distribuição de dividendos. Está abrindo mão de garantir o abastecimento nacional, da soberania energética e da participação no desenvolvimento do país.”
Venda de ativos como estratégia da Petrobras
Na opinião de Nozaki, o ponto fundamental é que a estratégia da Petrobras foi adotada, nos últimos anos, com base numa política de desinvestimentos e de concentração na exploração e produção de petróleo no pré-sal, num processo que não inclui apenas a venda de oito das 13 refinarias, o que reduzirá a sua capacidade de refino a cerca de 50%, mas também de campos de petróleo em terra e em águas rasas, dos ativos de distribuição e de transporte do gás natural.
Segundo ele, esses desinvestimentos foram acompanhados de uma política voltada para viabilizar o mercado interno para a importação de combustíveis. Assim, atualmente, a Petrobras já opera a 76% de sua capacidade de refino, abaixo do que poderiam realizar para abastecer o mercado nacional. Isso permitiu a abertura do mercado interno para importadores, sobretudo de estrangeiros. Por conta deste conjunto de decisões, tomadas desde o governo Temer e intensificadas no de Bolsonaro, nos últimos dois anos, os preços do óleo diesel já foram reajustados 94 vezes e os da gasolina em 107.
Nozaki disse, destacando para o fato de que no período do governo Bolsonaro, houve reajuste de 23% no preço do diesel e de cerca de 51 % no da gasolina: “Isso não é razoável para a previsibilidade de organização de nenhum dos atores da cadeia de abastecimento do mercado brasileiro. E muito menos para o elo mais fraco deste percurso, que é composto pelos trabalhadores e pelos consumidores.”
Na opinião de Nozaki, este é um quadro que tem como consequência mais adversa o cenário de carestia. Como exemplo citou o fato de o IPCA (índice da inflação medido pelo IBGE), em 12 meses, ter registrado alta 9%, impactado de forma significativo pela aumento dos preços administrados (nos quais se incluem gás de cozinha e energia elétrica) e dos alimentos”.
Alternativas possíveis
Segundo Ferreira e Nozaki, há possibilidade desse quadro, que além de viabilizar as privatizações e privilegiar o acionista da Petrobras, ser atenuado. “Será necessária uma reversão da política de preços da companhia”, comentou a pesquisadora, apontando como saída a adoção de uma política que considere os preços de produção do óleo bruto no Brasil e os custos das refinarias, sem que o Brasil fique refém dos preços externos. Para Nozaki, além da mudança desta política, seria necessária também a interrupção das vendas de refinarias, pois o problema não é técnico, mas político.
Assista a integra do programa: