A utilização dos recursos naturais de maneira racional é uma necessidade que se impõe no século XXI e requer a otimização de processos produtivos. Nesse sentido, um melhor aproveitamento do petróleo deveria se traduzir na maior produção de derivados possíveis.
Com a transferência de algumas refinarias para o setor privado, observa-se que o abastecimento de derivados no país se bifurcou em duas lógicas. A primeira, capitaneada pela Petrobras, tem por objetivo a maior disponibilização dos derivados mais demandados pelo Brasil. Já a segunda visa aumentar as margens obtidas pelo refino de petróleo.
Produção de derivados na Refinaria de Mataripe
No mês de outubro, a Petrobras novamente anunciou que uma de suas refinarias, a Refinaria de Duque de Caxias (REDUC), bateu recorde na produção de óleo diesel. No outro diapasão situa-se a Refinaria de Mataripe, a REFMAT (antiga RLAM), que bateu recordes na produção de óleo combustível e nafta e segue diminuindo sua produção de GLP, óleo diesel e gasolina.
Essa mudança é compreensível do ponto de vista de uma empresa privada que busca maximizar seu lucro. Entretanto, sob a ótica de políticas públicas, essa mudança na estratégia de operação da REFMAT representa uma menor disponibilidade de derivados de interesse do mercado nacional.
Óleo diesel x Óleo combustível
Entre os anos de 2014 e 2020, a produção de óleo diesel na REFMAT foi muito maior que a produção de óleo combustível. A disponibilidade média anual de diesel era de 4,7 milhões de m³, representando cerca de 34,05% dos derivados totais.
Já entre 2021 e 2023 (apurado até setembro de 2023), a disponibilidade média caiu para 3,9 milhões de m³, representando cerca de 31,25% dos derivados totais, ou seja, uma queda de 17% na oferta de diesel para estados das regiões Nordeste e Norte, mercados de influência da refinaria privada. Enquanto isso, no mesmo período, a disponibilidade do óleo combustível subiu de 2,1 milhões de m³ para 3,0 milhões de m³.
Em termos do abastecimento nacional, essa mudança é extremamente relevante, pois o Brasil é deficitário na produção de óleo diesel e superavitário na produção de óleo combustível.
Há, ainda, um aspecto ambiental a ser observado na nova estratégia de operação REFMAT. As restrições com relação ao total de enxofre no óleo diesel são significativamente menores do que as do óleo combustível. Nesse sentido, uma maior conversão em favor do óleo combustível é uma opção mais poluente.
Gasolina A x Nafta petroquímica
Um segundo grupo de produtos que pode ser observado é o binário gasolina A e nafta petroquímica. A gasolina A é utilizada em motores de combustão interna e a nafta é uma fração leve do petróleo que pode ser incorporada e vendida como gasolina ou como insumo para a indústria química.
Uma oferta maior de gasolina, por exemplo, diminuiria a pressão nos preços das regiões Nordeste e Norte, que têm preços médios historicamente superiores aos de outras regiões do país.
A partir do ano de 2014, houve um esforço na operação da refinaria no sentido de aumentar a incorporação de nafta petroquímica nas correntes de gasolina, chegando no máximo da tendência no ano de 2018, onde quase todas as frações leves foram incorporadas à gasolina A, aumentando a oferta desse derivado.
Após a passagem do controle da empresa em 2021, há uma clara tendência de reversão desse direcionamento, fazendo com que ocorra uma diminuição na oferta de gasolina A para a região atendida por ela.
Gás Liquefeito de Petróleo (GLP)
Um último produto que deve ser observado é o gás liquefeito de petróleo (GLP) ou gás de botijão. O gráfico abaixo mostra que houve uma tendência de queda na disponibilidade do GLP, derivado que é fundamental para as famílias brasileiras, pois é o principal energético utilizado no preparo de alimentos e é a fonte alternativa à lenha, que apresenta diversos problemas com relação à segurança.
Entre 2014 e 2020, a quantidade média anual produzida de GLP foi de 909 mil m³/ano e, entre 2021 e 2023 (até setembro), foi de 710 mil m³/ano, registrando uma queda na oferta local.
Essa diminuição na oferta de GLP, combinado com uma política local de preços de monopólio regional, fez com que os preços médios, apontados na pesquisa de preços da ANP de outubro, das regiões Norte e Nordeste fosse de R$ 106,37 por botijão de 13 kg, enquanto, por exemplo, na região Sudeste esse valor era de R$ 99,59.
Privatização e desintegração do parque de refino nacional
O caso da REFMAT joga luz sobre o problema da privatização e desintegração do parque de refino nacional. No entanto, ela não é a única a operar dessa forma. Na verdade, a lógica privada é essa: privilegiar a maximização das margens de refino e não um olhar sistêmico para o abastecimento nacional.
Porém, é preciso ressaltar que caso os desequilíbrios na oferta de derivados nas regiões Nordeste e Norte se tornem algo estrutural as desigualdades regionais já existentes no país poderão se agravar.
[por Luiz Fernando Ferreira – INEEP – Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra]