Encontro, organizado pelo DIEESE, a FUP e o ICS, reúne petroleiros e representantes de diversas categorias no Rio de Janeiro para debater estratégias e perspectivas para uma transição energética justa e inclusiva
A transição energética precisa ser justa? Essa foi a questão que provocou o início das falas na abertura do Seminário que discute a transição energética do setor petróleo, que acontece hoje, 05/06 no Rio de Janeiro e é organizado em conjunto pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), o Instituto Clima e Sociedade (ICS) e a Federação Única dos Petroleiros.
A primeira mesa reuniu especialistas que situaram a real emergência climática diante da mais recente tragédia que acontece no Rio Grande do Sul.
Amanda Ohara, engenheira química e pesquisadora do Instituto Clima e Sociedade trouxe dados apresentados nas recentes conferências do setor. Mostrou os impactos generalizados e substanciais observados e perdas e danos relacionados, atribuídos à mudança do clima. Segundo Amanda, as experiências futuras dependem da forma como se aborda a mudança do clima e trouxe um gráfico para explicar a possibilidade de cenários futuros, “até que ponto as gerações atuais e futuras viverão em um mundo mais quente e diferente depende das escolhas feitas agora e no curto prazo.”
Nelson Karam, técnico do DIEESE, falou sobre a necessidade de os sindicatos estarem envolvidos no debate da transição e destacou que é essa a missão do DIEESE, reunir informações para subsidiar os sindicatos que vão enfrentar o desafio que chega com a mudança da base produtiva impactando o trabalho e por conseguinte alterando também a forma de organização dos trabalhadores. Outro ponto destacado por Karam é a necessidade de repensar o financiamento da transição.
Miriam Cabreira, presidente do Sindipetro RS e FUP relatou a situação e experiência pessoal que viveu e ainda vive no Rio Grande do Sul. Contou da velocidade impressionante com que a água subiu e atingiu sua casa e todo o bairro em que mora, na cidade de Canoas. Falou da atuação dos planos de emergência que não funcionaram e de sua atuação como petroleira ao liderar o movimento Petroleiros pela Vida, que está trabalhando direitamente com as pessoas atingidas, organizando cozinhas solidárias junto aos movimentos populares, e conta com a solidariedade de petroleiros e petroleiras de todo o país.
Cloviomar Cararine, economista do DIEESE e assessor da FUP, vê como imediata a necessidade de os trabalhadores participarem e intervirem para que a transição seja realmente justa. “Por isso a importância da FUP e seus sindicatos se organizarem para influir na gestão do plano de negócios da Petrobrás e no debate com a sociedade, para poder avançar de forma mais rápida”.
Os trabalhadores e a transição
Na segunda mesa, do dia, os participantes debateram a importância da participação dos trabalhadores e as experiências nas discussões sobre transição energética justa.
Para Aroaldo Oliveira, presidente da IndustriALL Brasil, um dos palestrantes, a Transição Energética Justa “deve garantir o emprego e a segurança no trabalho, a capacitação e o treinamento, assim como políticas públicas e regulamentação adequada para proteger os direitos dos trabalhadores, o que torna fundamental a participação dos trabalhadores nesse diálogo do processo de transição”.
Genoir José dos Santos, da Federação Interestadual dos Trabalhadores na Indústria da Extração do Carvão-FITIEC- PR/RS/SC afirmou que é necessário sim que a transição seja justa, mas é preciso discutir “Justa para quem, justa para a minoria rica, justa para a maioria pobre ou justa para todos?” No entendimento do sindicalista, “para ser justa, a transição tem que levar em consideração o tripé que é a questão social, ambiental e econômica. E só será justa com a participação dos trabalhadores, dos empregadores e do governo. Não dá para pensar transição justa só com os trabalhadores, se assumirmos esse compromisso vamos ficar na estrada, porque somos o elo mais fraco dessa equação”.
A visão dos organizadores
Na terceira mesa, a primeira da tarde, as entidades organizadoras do evento colocaram suas contribuições para o debate.
Luan Candido, técnico do DIEESE, analisou o panorama do parque de refino brasileiro sob a perspectiva de uma Transição Energética Justa, e nesse sentido, fez uma analogia com os desafios impostos pela mudança climática. Candido destacou o potencial e o protagonismo do Estado Brasileiro a través da Petrobrás na criação do parque de refino quando essa era uma grande oportunidade, e enxerga hoje uma nova oportunidade da Petrobrás protagonizar e ser vanguarda no país e no mundo: “Hoje vivemos um momento parecido. Temos uma oportunidade e uma necessidade similar e precisamos que novamente a Petrobrás seja a camisa 10 desse processo. O que antes foi construir um parque de refino, hoje é avançar rumo a uma transição energética e a Petrobrás deve liderar esse processo”.
Os técnicos do DIEESE entendem que as atividades principais da Petrobrás parecem bem protegidas no contexto da transição energética, mas o alinhamento da empresa ao cenário de transição mais acelerada é ruim devido aos investimentos em baixo carbono. Para eles, a pesar dos avanços, “O Plano estratégico 2024-2028 não coloca a Petrobrás na posição de protagonista nacional e internacional na busca pelo “net zero”.
A visão da Petrobrás
A última mesa do dia, focou no papel da Petrobrás, e contou com a participação do Gerente de Desenvolvimento do Refino da empresa, Carlos Antônio Machado dos Santos. O Gerente analisou o contexto brasileiro em relação à transição energética, as potencialidades e as dificuldades da Petrobrás nesse sentido.
Segundo Machado dos Santos, a empresa tem como objetivo “promover a descarbonização intrínseca, buscando a neutralidade de emissões operacionais até 2050” como um objetivo central, e também “ampliar a oferta e o acesso à energia e produtos de baixo carbono em uma transição custo-efetiva, contribuindo para a redução da pobreza energética e para a redução da exposição do portfólio a emissões de GEE”.
O gestor afirmou que “todo mundo é consciente de que o petróleo não vai ser eliminado do mundo de um dia para o outro, como o carvão, que até hoje é muito utilizado em vários países, senão que vai ser uma mudança gradual de um sistema fóssil a um sistema com baixa emissão de carvão”, mas acrescentou que “essa mudança tem que ser socialmente justa, debatendo os impactos socioeconômicos nas comunidades, e contendo programas que garantam a manutenção do emprego e a geração de novas oportunidades”.
Apesar dos enormes desafios, o gerente afirmou que “O Brasil tem quase 60 por cento de renováveis na sua matriz energética, o que o coloca muito bem frente ao resto do mundo, algo que é bem importante: ter uma lição de casa feita e muito bem feita”.
Pedro Augusto, diretor do Sindipetro Unificado, participou da mesa em representação da FUP, e destacou alguns pontos importantes na visão dos trabalhadores. Um deles, colocar a transição energética como uma prioridade de Estado, e que isso sirva ao desenvolvimento nacional e não ao contrário: “É claro que existe um risco de nos voltar subordinados no processo de transição energética, e isso pode ser desfavorável ao desenvolvimento do país. Mas temos que fazer esse processo e para isso é importante que a Petrobrás seja uma exportadora de tecnologia e conhecimento para a transição energética, investir em formação e desenvolvimento a serviço de um grande projeto de transição energética justa e soberana a serviço do Brasil”.
Para isso, na visão do sindicalista, “é hora de pautar que precisa ter um fundo de royalties para a Transição Energética e para combater as tragédias que vão vir. A gente precisa ter um plano, e esse projeto para a Petrobrás só vai existir se for um plano de Estado”. Na sua visão não é possível fazer isso sem os trabalhadores e trabalhadoras: “é fundamental que nós, trabalhadores da Petrobrás, do setor privado e toda a cadeia produtiva, sejamos levados em consideração de forma importante, assim como as entidades sindicais, porque nesse processo de descarbonização teremos um papel fundamental”.
Se refere à cadeia produtiva, mas também à consciência: “Existe uma consciência da necessidade de transição energética que vem das gerações mais jovens, que se tornaram conscientes num momento onde isso já é um grande desafio, e como movimento social é fundamental fazer essas interações para fortalecer esse processo, e ainda mais porque isso vai ser fundamental para a consciência dos novos petroleiros e petroleiras que irão construir a Petrobrás do futuro”. Para o petroleiro, “A Petrobrás só vai ser perene se se converter numa empresa de energia, não dá para desconectar a existência da Petrobrás da existência humana”.
Assista ao seminário: