Em menos de quatro anos, a 3R Petroleum se transformou em uma das maiores operadoras privadas do país, controlando polos de exploração e produção de óleo e gás no Rio Grande do Norte e em vários outros estados, a partir de ativos comprados da Petrobras
[Da Agência Saiba Mais]
Você é ou já pensou em se tornar um microempresário? Acredita que seu empreendimento pode mudar de porte e faturar bilhões em pouco tempo? Não? Pois saiba que isso acontece. A 3R Petroleum, por exemplo, empresa que opera atualmente três polos de exploração e produção de óleo e gás no RN – e mais alguns, em outros estados –, alcançou esse feito em menos de quatro anos.
Mas essa escalada pode não parar por aí. Na iminência de assumir as operações do chamado Polo Potiguar, uma área que reúne 22 campos terrestres e marítimos de óleo e gás, descobertos e operados pela Petrobrás, com os maiores volumes de produção do RN, além de um grande, diversificado e complexo conjunto de instalações, a 3R poderá vir a ocupar o lugar da estatal no comando da indústria petrolífera do Estado.
A essas alturas você já se perguntou: e como tudo isso foi possível? Pois é… Nesta reportagem, publicada às vésperas do anúncio, pelo presidente eleito e diplomado, da nova presidência da Petrobrás, a agência SAIBA MAIS joga luzes sobre essa história. A narrativa vale como um alerta ao povo potiguar e brasileiro e, principalmente, aos nossos representantes nos parlamentos e chefias de Executivo.
O começo de tudo
Fundada em 2014, a 3R Petroleum aparece pela primeira vez no noticiário potiguar em fins de 2018. Nessa ocasião, ainda sob o governo Temer, o então novo Conselho de Administração da Petrobrás começa a acelerar a venda do patrimônio da empresa – processo eufemisticamente chamado de “desinvestimento”, com a justificativa de concentrar a atuação no Polígono do Pré-sal. Em novembro desse ano, anunciada pela estatal como nova detentora das 34 concessões de campos de petróleo situados no Polo Riacho da Forquilha (RN), a 3R Petroleum começa a sair do anonimato.
À época, o valor da transação informado pela Petrobrás foi de US$ 453,1 milhões, envolvendo uma área com produção diária de seis mil barris (boed). No comunicado, a estatal declarou que “a 3R Petroleum é uma empresa brasileira de óleo e gás com atuação focada na América Latina”, preenchendo “os requisitos necessários para ser uma Operadora C no Brasil de acordo aos critérios da ANP”. No mesmo anúncio, porém, contraditoriamente, a Petrobrás revelou que essa seria “a primeira área em operação da 3R Petroleum”.
Em matéria publicada na página eletrônica do Sindicato dos Petroleiros e Petroleiras do Rio Grande do Norte (SINDIPETRO-RN), no mesmo dia em que a estatal fez o anúncio da venda do Polo Riacho da Forquilha, a assessoria de comunicação da entidade informou que, “em visita ao site da 3R”, não foi possível “encontrar ‘expertise’ que comprove capacidade de gestão de campos de petróleo e, particularmente, em implantação de projetos de otimização de produção em campos terrestres”.
E ainda mais surpreendente. Em consulta ao Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica da Receita Federal, o Sindicato também descobriu que o porte da até então desconhecida 3R Petroleum, “segundo o Comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral”, era o de uma “Sociedade Empresária Limitada caraterizada como ME”, ou seja, uma simples microempresa.
De acordo com a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa (Lei Complementar nº. 123, de 14 de dezembro de 2006), um empreendimento enquadrado no porte “micro” deve possuir teto de receita bruta anual igual ou inferior a R$ 360 mil (o equivalente a R$ 30 mil por mês). Como seria possível, então, uma microempresa vencer a disputa pela concessão das áreas de produção do Polo Riacho da Forquilha, com uma oferta de US$ 453 milhões, equivalentes, à época, a R$ 1,7 bilhão?
Desistência súbita
Em janeiro de 2019, dois meses depois da denúncia feita pelo SINDIPETRO-RN, que obteve tímida repercussão na mídia potiguar, a “Coluna do Herzog”, “blog” publicado pelo jornalista mossoroense, Carlos Santos, anunciou: “Empresa desiste de campos maduros milionários no RN”. E logo após o título, arremata: “Negociação foi fechada em novembro passado, mas coberta de muitas interrogações e suspeitas”.
Informando que “ainda não foi esclarecido o porquê da desistência da arrematante”, o jornalista Carlos Santos transcreveu declarações sobre a saída da empresa do certame, confirmadas pelo então secretário da Associação Brasileira de Produtores Independentes de Petróleo e Gás (ABPIP), Anabal Santos, e pelo presidente da REDEPETRO-RN, Gutemberg Dias.
Ao final, a matéria ainda destaca um depoimento do senador Jean Paul Prates (PT-RN), apresentado como economista e especialista em energia, e que, hoje, quase quatro anos depois, é um dos nomes cotados para assumir a presidência da estatal: “A Petrobrás fez negócio com uma empresa ‘sem qualquer histórico de operações, reativada meses atrás’. Uma microempresa, como denunciou o Sindicato dos Petroleiros – SINDIPETRO-RN”.
Escalada Relâmpago
De olho no que investidores costumam chamar de “janela de oportunidades”, aberta com a intensificação da política de desinvestimentos (privatizações) imposta à Petrobrás pelos governos Temer e Bolsonaro, a 3R Petroleum não recuou. Em agosto de 2019, a Petrobrás anunciou a venda total de sua participação em seis campos terrestres e um marítimo, no Polo Macau (RN). Decorridos apenas sete meses da tentativa frustrada de aquisição do Polo Riacho da Forquilha, a 3R arrematou a compra.
À época, a estatal detinha 100% de participação nas concessões dos campos de Aratum, Macau, Serra, Salina Cristal, Lagoa Aroeira e Porto Carão, e 50% do campo de Sanhaçu, em parceria com a estatal portuguesa – Petrogal. As sete unidades produziam em torno de 5,8 mil barris de óleo equivalente por dia (boed), e o conjunto foi vendido por US$ 191 milhões, sendo US$ 48 milhões pagos na assinatura do contrato e US$ 143,1 milhões quando do fechamento da transação.
Em julho de 2020, a Petrobrás comunica a venda de sua participação societária no Polo Pescada Arabaiana para a empresa Ouro Preto Óleo e Gás. Reunindo os campos de Pescada, Arabaiana e Dentão, localizados em águas rasas da plataforma continental do RN, a concessão era operada pela estatal, com participação de 65%, em sociedade com a Ouro Preto, que detinha os 35% restantes. À época, a produção aproximada do Polo era de 1,4 mil barris de óleo equivalente por dia (boed).
A venda da participação da Petrobrás para a Ouro Preto chegou a ser aprovada em setembro daquele mesmo ano pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), confirmando um valor de US$ 1,5 milhão para a transação. Em novembro, porém, por intermédio de uma operação de Oferta Pública de Ações na Bolsa de Valores (B3), a Ouro Preto funde-se com a 3R Petroleum, e a participação de 35% no Polo Pescada Arabaiana passa ao “guarda-chuva” da 3R.
Em junho de 2021, mais uma aquisição. A 3R Petroleum incorpora ao seu portfólio, por US$ 71 milhões, o Polo Areia Branca. A transferência do ativo se deu pela compra da Duna Energia, empresa controlada pelo banco BTG Pactual, e que até então era a titular da concessão. A área abriga os campos produtores de Ponta do Mel e Redonda, incluindo uma base operacional/administrativa, situados no município de Areia Branca (RN) e, na ocasião, entregava uma média de 480 barris de óleo equivalente por dia (boed).
Ainda em 2021, já no mês de dezembro, a 3R Petroleum adquire a participação da Petrogal Brasil, petrolífera portuguesa que detinha 50% campo de Sanhaçu. Com essa operação, que demandou US$ 6 milhões, a 3R passou a ter “porteira fechada” na área, ou seja, tornou-se proprietária de 100% de participação em todos os campos integrantes do Polo Macau.
A “cereja do bolo”
Entre 2019 e 2021, além da obtenção do controle dos Polos Macau, Areia Banca e Pescada Arabaiana, no RN, a 3R Petroleum celebrou contratos de compra e venda com a Petrobrás nos Estados do Ceará (Fazenda Belém), Bahia (Rio Ventura e Recôncavo), Espírito Santo (Peroá) e Rio de Janeiro (Papa-Terra). Mas a cereja do bolo só seria anunciada em 2022. Em janeiro, a Petrobrás comunica a venda de sua participação no chamado Polo Potiguar e, mais uma vez, a contemplada foi a 3R Petroleum.
O Polo Potiguar compreende 22 campos, sendo 19 terrestres e três marítimos. A área negociada reúne um grande conjunto de instalações com infraestrutura de processamento, logística, armazenamento, transporte, escoamento e, estranhamente, inclui a Refinaria Clara Camarão, uma unidade operacional que não pertence ao segmento de exploração e produção. Na ocasião do anúncio da venda, a produção diária média do Polo era de 21 mil barris de óleo equivalente (boed).
Pelo pacote, fechado em US$ 1,38 bilhão, a Petrobrás afirmou que US$ 110 milhões foram pagos na data da assinatura do contrato; que US$ 1,04 bilhão deveriam ser pagos na data do fechamento da operação; e que os US$ 234 milhões restantes seriam quitados em quatro parcelas anuais, a partir de 2024. Na atualidade, o Polo Potiguar encontra-se em fase de transição operacional e a parcela de US$ 1,04 bilhão ainda não foi paga pela 3R.
Como assim?
De acordo com a Agência Nacional de Petróleo – ANP, a aquisição de concessões de campos produtores de óleo e gás, no todo ou em parte, é feita mediante regulação e autorização, “desde que sejam preservadas condições contratuais e atendidos requisitos técnicos, econômicos e jurídicos”. Participante do certame de aquisição da concessão do Polo Macau, a 3R Petroleum tinha tudo para repetir o resultado negativo obtido, poucos meses antes, na concorrência pelo Polo Riacho da Forquilha.
A entrada em cena da “Starboard Asset”, fundo que se autodefine como “dedicado à gestão de investimentos em situações especiais”, foi condição importante para que, dessa vez, o desfecho fosse favorável. A “Starboard” adquiriu parte do capital da 3R, e os novos sócios emitiram debêntures, compradas (adivinhem por quem?) pelo banco BTG Pactual. Uma debênture é um título de dívida que oferece direito de crédito a quem o detém. Por isso, o fator decisivo para a conquista do Polo Macau talvez tenha sido mesmo a atuação da advocacia.
Segundo o “site” de notícias “LexLatin”, especializado no setor jurídico latino-americano, a Machado Meyer Advogados “ajudou a Petrobrás no rascunho, na revisão e na negociação do acordo de compra-venda (…)”. O “site” revela ainda que a transação entre a Petrobrás e a 3R foi avaliada por Machado Meyer Advogados como “muito difícil, considerando a necessidade de criar mecanismos contratuais para fazer possível o financiamento”.
Citando, de forma ligeira, que “a petroleira brasileira (Petrobrás) também foi assistida por sua equipe legal interna” (grifo nosso), “LexLatin” informa que Campos Mello Advogados foi o escritório que representou a Starboard “em todas as etapas do processo, incluída a negociação com a Petrobrás, a estruturação da dívida assumida pelo fundo e a formação de capital”.
Por fim, a matéria intitulada “Starboard Asset participou da negociação, após compra recente de 93% da 3R Petroleum”, publicada pelo “LexLatin” em agosto de 2019, destaca ainda como Campos Mello Advogados avaliou o desfecho do processo: “a aquisição marca a primeira vez que um fundo de capital privado, como administrador de fundos de gestão da 3R Petroleum, se encarrega da operação de um campo petroleiro em terra”.
Sinal verde
Para saldar os compromissos assumidos e obter novas concessões, inclusive em outros estados, também não foi necessário à 3R comprovar experiência de gestão de campos de petróleo e, particularmente, em implantação de projetos de revitalização da produção. Ao que demonstra sua trajetória, o passo mais importante foi dado com a Oferta Pública de Ações na Bolsa de Valores (B3), operação também conhecida como IPO (do inglês, “initial public offering”).
Finalizada em novembro de 2020, a oferta foi coordenada pela XP Investimentos, Banco BTG Pactual, Banco Itaú e Gerval Investimentos, captando cerca de R$ 555 milhões. Em documento ao mercado, divulgado após a conclusão do IPO, a 3R falou em destinar 55% dos recursos levantados para comprar ativos da Petrobrás e outros 30% para dar continuidade na aquisição de ativos. “Financiaremos parte destas obrigações de aquisições com os recursos líquidos da oferta, parte com dívidas e com a própria geração de caixa dos ativos”, informou a empresa.
Além da captação obtida com o IPO, em 2020, a 3R fechou o ano de 2021 com R$ 2,5 bilhões em caixa, graças a operações de “Follow On”. Também conhecido como oferta subsequente, o “Follow On” acontece quando uma empresa ou fundo que já está na Bolsa (ou seja, já fez seu IPO) emite novas ações ou cotas no mercado para captar mais recursos. Segundo o site “trademap.com.br”, com essas novas captações a empresa realizou o pagamento da dívida relacionada ao Polo Macau, na ordem de R$ 782 milhões.
Em 2022, para poder pagar o Polo Potiguar, cujo contrato foi assinado em janeiro, a empresa contraiu dois empréstimos no valor de US$ 500 milhões. Para o primeiro, segundo o comunicado denominado “Fato Relevante”, divulgado em agosto, a 3R informou que o valor foi emprestado por um grupo de credores que conta com Morgan Stanley, Citibank, Deutsche Bank, HSBC México, Santander, Banco do Brasil e Itaú. Já o segundo empréstimo, firmado em outubro, foi contraído junto ao BTG Pactual, por meio da emissão de debêntures, com vencimento em cinco anos.
Porta giratória
Até aqui, toda a curta trajetória da 3R Petroleum, potencial sucessora da Petrobrás no comando do PIB industrial potiguar, faz crer que bastaria articular o capital necessário para fazer as aquisições de campos petrolíferos (que são excelentes garantidores de geração de caixa) e conseguir adequar instrumentos jurídicos, de forma a contornar situações restritivas, para que se pudesse chegar à condição de detentora de nove polos de produção em cinco estados brasileiros. Foi só isso?
No jargão político, a expressão “porta giratória” é utilizada para descrever situações em que agentes públicos, comissionados ou servidores, assumem cargos na iniciativa privada, em áreas ligadas às atividades que antes exerciam, ou quando fazem o caminho inverso. No caso Petrobrás-3R, conforme denunciam entidades sindicais de petroleiros, há situações que, se não podem ser consideradas ilegais, são, no mínimo, imorais. O caso do ex-presidente da estatal, Roberto Castello Branco, é o mais emblemático deles.
Indicado pelo ministro da Fazenda e fundador do Banco Pactual, Paulo Guedes, logo após as eleições de 2018, Castello Branco permaneceu na presidência da estatal por dois anos e três meses, até abril de 2021. Nesse período, a Petrobrás vendeu um total de 26 ativos, dentre os quais vários campos de petróleo, sendo que a 3R Petroleum foi uma das principais beneficiárias desse espólio. Em maio de 2022, Castello Branco assumiu a presidência do Conselho de Administração da 3R, onde se encontra até hoje.
Outro caso exemplar é o do engenheiro José Luiz Marcusso. Ex-gerente de recursos humanos e da área de produção e exploração no Espírito Santo, Marcusso trabalhou na Petrobrás por 38 anos, deixando a empresa logo após a assinatura do contrato de compra e venda do Polo Peroá, para a 3R, efetivado em janeiro de 2022. O Polo Peroá possui reservas provadas de gás (1P), estimadas pela própria 3R, em 18 milhões de barris de óleo equivalentes (boed).
Quando da concretização da venda, em agosto de 2022, por US$ 55 milhões (cerca de R$ 302 milhões), Marcusso já era gerente de Ativos da 3R e representava a empresa, que passou a deter 85% do Polo. Segundo resultados divulgados pela 3R em novembro de 2022, o desempenho financeiro de Peroá no 3º trimestre desse ano proporcionou receita líquida de R$ 56 milhões. A cifra indica que, com preços e produção mantidos, a 3R cobrirá todo o valor investido na aquisição do ativo em pouco mais de um ano.
Além de Castello Branco e Marcusso, a Associação dos Engenheiros da Petrobrás – AEPET – relata os casos de Carlos Alberto Pereira de Oliveira e de Hugo Repsold Júnior. O primeiro, também conhecido como “Capo”, foi diretor de Exploração e Produção (E&P) da Petrobrás entre janeiro de 2019 e abril de 2021, e recentemente assumiu um cargo no Conselho de Administração da 3R Petroleum. Já Hugo Repsold foi diretor de Gás e Energia, diretor de Desenvolvimento da Produção e Tecnologia e diretor de Assuntos Corporativos na Petrobrás, entre 2015 e 2018, tendo assumido a função de diretor Corporativo e de Gás e Energia na 3R em 2021.
Alerta geral
A Federação Única dos Petroleiros – FUP – afirma existir pelo menos uma dezena de casos de “porta giratória” envolvendo ex-dirigentes e ex-funcionários da estatal e a 3R Petroleum. Em sites de aconselhamento de investimentos, o perfil da 3R tem sido caracterizado como “empresa de banqueiros” e “empresa criada para ser vendida ao mercado”, além de apresentar fatores de risco pelo fato de o seu histórico operacional de produção de óleo e gás ter se iniciado apenas em maio de 2020.
Ao povo potiguar, resta cobrar de seus representantes políticos que não se acomodem diante do desmantelamento da Petrobrás; da sua potencial substituição como maior empresa investidora do Estado; e que investiguem a fundo a atuação dos que argumentam reativar a produção petrolífera do Estado, prometendo investir apenas 1/3 do volume de recursos recentemente aportado pela maior empresa petrolífera brasileira no RN.