Luta das mulheres negras por dignidade, respeito, proteção social e contra o racismo ganha destaque neste mês. Com novo governo renasce a expectativa de avanços, diz dirigente da CUT
[Da redação da CUT*]
O mês de julho para os movimentos de mulheres negras, incluindo as mulheres da CUT, é o “Julho das Pretas”, período em que é reforçada a luta contra o racismo que impacta mais diretamente e de forma mais cruel essas mulheres. São elas as que mais sofrem, por exemplo, em crises, com a perda de seus empregos, as que têm menor renda no mercado de trabalho, as mais vulneráveis a trabalhos precarizados e à sexualização de seus corpos.
O “Julho das Pretas”, cuja data principal é o 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra, Afro-Caribenha e Americana, e, no Brasil, Dia de Tereza de Benguela, é um mês em que também é reforçada a luta por políticas públicas que promovam maior proteção social.
Ainda que tais lutas sejam permanentes, no mês de julho, diversas atividades são realizadas pelos movimentos de mulheres como forma de reforçar a conscientização da sociedade para a realidade delas.
Se nos últimos anos, desde o golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016, com governos elitistas e extremistas, o “Julho das Pretas” foi de resistência e luta para garantir além de direitos, a própria vida, em 2023, os ares tomam novos rumos e trazem novamente uma esperança e uma possiblidade de mudança. A afirmação é da secretária de Combate ao Racismo da CUT, Anatalina Lourenço.
“Este Julho das Pretas ainda é de resistência, mas mais que isso é um ‘Julho’ de esperançar, como diria nosso patrono da educação, Paulo Freire, ou seja, é de acreditar e agir pela mudança”, diz a dirigente.
Ela explica que o racismo no Brasil é um sistema ideológico que ‘não descansa’. Ainda que o país esteja sob um governo democrático, onde segmentos minoritários têm mais espaços estratégicos em instâncias de poder e decisão, essa chaga, o racismo, na sociedade ainda existe e causa mazelas, seja no mercado de trabalho, na discriminação social, ou pelos reflexos que se dão nas violências praticadas contra a população negra.
Tais violências são a agressão física e psicológica do Estado contra esta população, por meio das forças policiais, por exemplo. Também pela falta de proteção social que relega à população negra, muito em especial às mulheres negras, uma ausência de assistência e serviços públicos.
Anatalina lembra que o Brasil hoje respira novamente a democracia e a possiblidade avançar na luta contra esse panorama graças às mulheres. “Elas tiveram papel decisivo na eleição do presidente Lula, em 2022, e principalmente as mulheres negras”, ela reforça.
Citação: As mulheres elegeram Lula porque se num governo progressista já é difícil, imagina com a extrema direita no poder, que minoriza e minimiza a dor e angústia das pessoas, que não pensa na maioria da população
Eleição para garantir a vida
“Nós, mulheres negras, fomos às ruas e às urnas para eleger um projeto de governo que que nos garantisse a vida. E quando lutamos pela vida – quando uma mulher negra luta pela vida – a luta é pela vida de todos porque não temos um projeto individual e sim coletivo”, ressalta Anatalina, explicando sobre a luta dessas mulheres de dar em espaços como os movimentos negros, movimentos sociais e no movimento sindical.
Ela ressalta ainda que além desse papel decisivo na eleição de um novo governo, houve também um aumento no número de candidaturas negras vitoriosas em 2022, ainda que pese ser um índice insuficiente já que a maioria da população brasileira é negra e não está representada na mesma proporção nas casas legislativas.
“Hoje, 56% da população é negra e 26% do total da população é de mulheres negras. Tivemos um acréscimo de somente 2,6 pontos percentuais em relação às eleições anteriores, mas já é um avanço”, avalia a dirigente.
“As últimas eleições nos mostraram que podemos – sim – ocupar vários espaços do parlamento. Temos fortes lideranças negras como Dandara, mulher negra no Congresso Nacional, Ediane Maria, primeira emprega a doméstica eleita deputada em São Paulo, entre tantas outras que são a nossa voz no poder”, cita Anatalina.
Na esfera federal, como resultado dessa maior participação, políticas públicas importantes já foram implementadas, muitas delas no 8 de Março, Dia Internacional da Mulher.
Temos hoje no governo Lula, várias ações que podem impactar e reduzir a exclusão no trabalho, na sociedade e no serviço público, cuja grande maioria de usuários é de negros, que precisam se ver representados nesses espaços
Mulheres negras no governo
É fato que o governo Lula retomou a ‘configuração’ democrática de representatividade nos ministérios. Para isso, convocou lideranças para ocuparem cargos estratégicos nas pastas e as mulheres negras estão nesses espaços. Anatalina é um exemplo.
Junto com outras lideranças sindicais como a ex- secretária-Geral da CUT, Carmen Foro, e a ex-presidente da CUT Goiás, Leda Leal, formam um ‘time’ de mulheres negras, cutistas, que farão parte do governo. Anatalina assumirá em agosto a Assessoria de Participação Social do Ministério do Trabalho e Emprego.
“Estando nesses espaços, podemos pensar em políticas públicas na prática e não de forma burocrática”, diz a dirigente.
Para ela, a atuação na esfera federal será uma extensão e terá como referência o que pensam e o que fazem os movimentos sociais e o movimento sindical, em especial a CUT, que ao longo dos anos, ela reforça, têm lutado arduamente contra o racismo.
Ela destaca ações importantes como debates, atividades e campanhas como as Pílulas Antirracismo, uma série de pequenos e didáticos vídeos alusivos ao tema
Veja a série Pílulas Antirracismo aqui
Combate ao racismo – por que a luta deve continuar
Ainda que com um governo progressista atuando no combate às discriminações, desigualdades e contra o racismo, é necessário avançar em espaços na sociedade em si, como o próprio mercado de trabalho. Essa luta se dá por meio de políticas públicas, mas fundamentalmente com uma reforma educacional que mude paradigmas e o comportamento das pessoas. A luta, diz Anatalina, tem que continuar porque o cenário ainda é de desvantagem absoluta para as mulheres negras.
Dados de diversas pesquisas constatam que são elas, as mulheres negras, as mais impactadas por crises sociais e econômicas. E não é diferente no Brasil de hoje em que os indicadores econômicos mostram uma realidade de recessão com alta inflação, desemprego e informalidade no mercado de trabalho.
Mercado de Trabalho: O último levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), intitulado “A Inserção da população negra e o mercado de trabalho”, referente ao 2° trimestre de 2021, quando o país ainda estava em plena pandemia, apontou que além de o desemprego entre as mulheres negras ter sido o dobro que dos homens brancos, aquelas que conseguiram uma ocupação tiveram os piores salários e os trabalhos mais precarizados. Somente 1,9% delas ocupam algum cargo de direção.
Já no ano seguinte, 2022, outro estudo feito com base nos indicadores da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou que tal realidade permanecia. As mulheres negras são as que mais sofreram para entrar no mercado de trabalho. Enquanto a taxa de desemprego geral ficou em 9,3% no segundo trimestre de 2022, entre elas o indicador ficou em 13,9%.
Os dados sobre o rendimento comprovaram que elas estão na base da pirâmide social. A renda delas representa somente 46,3% do que ganham os homens brancos, que estão no topo da pirâmide.
No período, enquanto homens brancos receberam em média R$ 3.708 e as mulheres brancas R$ 2.774, as trabalhadoras negras ganharam, em média, R$ 1.715, e os trabalhadores negros, R$ 2.142. No que diz respeito a cargos executivos, as mulheres negras têm o menor índice de ocupação nessas funções: somente 2,1%, enquanto entre as executivas brancas, o índice chega a 4,7%.
Social: Ainda de acordo com dados do IBGE, de 2021, 45% por lares brasileiros são chefiados por mulheres e 63% destes, por mulheres negras e que estão abaixo da linha da pobreza.
Violência: Os mais recentes dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública também constatam que a mulher negra é maior vítima da violência contemporânea no país. No ano passado, 88,7% das vítimas de violência sexual eram do sexo feminino. Do total, 56,8% eram pretas ou pardas, o que representou um aumento de 4.6 pontos percentuais. Em 2021 as pessoas negras foram 52,2% dos casos.
No entanto, os pesquisadores responsáveis pelo anuário alertam que, apesar dos altos números apresentados, ainda há um elevado número de casos não registrados, ou seja, de subnotificação.
Julho das Pretas
Em 2023 o Julho das Pretas chega à sua 11ª edição. Lançado em 2013, pelo Odara – Instituto da Mulher Negra, o período que é de celebração, conscientização e fortalecimento da luta de combate ao racismo voltado para as causas da mulher tem seu ponto alto no dia 25, o Dia de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.
Instituída em 2014, por decreto da presidenta Dilma Rousseff, a data coincide com o Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1992. (Veja abaixo).
Veja a Agenda 2023 do Julho das Pretas para se informar das atividades em todo o Brasil
Neste ano, com o tema “Mulheres Negras em Marcha por Reparação e Bem Viver”, o Julho das Pretas está realizando pelo menos 446 atividades, organizadas por 230 entidades em 20 estados e o Distrito Federal. O movimento busca promover o debate sobre a necessária reparação para a população negra, vítima de injustiças desde a origem de sua trajetória histórica, com comunidades inteiras sequestradas em sua terra de origem, a África, para serem escravizadas nas Américas.
Outro ponto é a difusão e organização da 2ª Marcha Nacional das Mulheres Negras, que será realizada em 2025. A 1ª Marcha ocorreu em 2015, em Brasília
Em São Paulo, na sede da CUT, atividades foram realizadas ao longo do mês, em alusão ao Julho das Pretas.
Além de discussões envolvendo sindicalistas, psicólogos, cientistas sociais, advogados, entre outros especialistas, a Secretaria de Combate ao Racismo da CUT-SP promoveu uma Feira Afro, garantindo diversidade e apoio ao afro empreendedorismo por meio da comercialização de produtos que valorizam a cultura negra.
Leia mais: Julho das Pretas celebra mulher negra latino-americana com debate e feira afro
Dia Internacional da Mulher Negra, Afro Caribenha e Latino Americana
Comemorado no dia 25 de julho, o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha nasceu em 1992, ano do 1º encontro de Mulheres Negras Latino-Americanas e Caribenhas, realizado em Santo Domingos, na República Dominicana, que além de propor a união entre essas mulheres, visava também denunciar o racismo e machismo enfrentados por mulheres negras, não só nas Américas, mas também em todo o mundo.
Desse encontro nasceu a Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-Caribenhas, que lutou, junto à ONU, para o reconhecimento do dia 25 de julho como o Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha.
Tereza de Benguela
No 25 de Julho celebra-se também o Dia de Tereza de Benguela, líder do Quilombo Quaritetê, na região do Pantanal do Mato Grosso, no século XVII.
A história conta que após a morte de seu companheiro, José Piolho, Tereza de Benguela passou a liderar a comunidade quilombola por duas décadas, sendo um exemplo de matriarcado e governabilidade democrática.
No entanto, há duas versões sobre a morte de Tereza. Uma, a de que cometera suicídio após ser capturada por bandeirantes e outra, que fora morta por quem a perseguia e teve sua cabeça exposta no próprio quilombo.
A memória de Tereza, assim como de outras heroínas negras, se perdeu na vertente da historiografia brasileira que ignora a capacidade de mulheres negras na construção de processos de libertação e de organização popular latino-americanas.
Embora quase esquecida por mais de dois séculos, Tereza vem sendo resgatada e referenciada cada vez mais.
*Com apoio da Contraf-CUT, Agência Senado, Brasil de Fato (no artigo Rainha negra no Pantanal: conheça a história de Tereza de Benguela, por Sofia Isbelo e Andresa Costa)