Por André Tokarski, pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), professor de mestrado em Direito Constitucional Econômico (MADIR) e coordenador do curso de Direito da UNIALFA
O Conselho de Administração da Petrobras convocou uma Assembleia Geral Extraordinária (AGE) a ser realizada no próximo dia 30 de novembro com o objetivo de deliberar sobre a proposta de reforma do Estatuto Social da companhia.
Dois pontos se destacam na proposta: a revisão de restrições para nomeação de dirigentes, inicialmente previstas na Lei das Estatais (Lei nº. 13.303/2016), consideradas inconstitucionais em decisão cautelar do então Ministro do STF, Ricardo Lewandowski; e a criação de um fundo de reserva de capital, que teria como finalidade garantir recursos para o pagamento de dividendos, juros sobre o capital próprio, recompra de ações, absorção de prejuízos e, de modo complementar, a incorporação ao capital social da empresa.
O anúncio público da revisão estatutária foi seguido de uma queda de 6% no valor das ações da Petrobras na B3 (Bolsa de Valores de São Paulo), no dia 24 de outubro, gerando uma perda de valor de mercado estimada em R$ 32 bilhões. Um dos fatores que pode ter influenciado a queda foi a publicação em uma rede social feita por um integrante do Conselho de Administração da Petrobras, representante dos acionistas minoritários, na qual divulga que os quatro votos dos representantes de acionistas minoritários foram contrários às mudanças.
O conselheiro ainda levanta dúvidas quanto às “verdadeiras intenções” da criação da reserva de retenção de lucro e dá a entender que a direção da estatal procurou ocultar o posicionamento do Comitê de Minoritários (COMIN) e do Comitê de Investimentos (COIV), órgãos consultivos e que manifestam parecer em matérias dessa natureza. A deliberação, entretanto, é competência exclusiva do Conselho de Administração que não é obrigado a seguir os órgãos consultivos.
A Federação Única dos Petroleiros (FUP) e a Associação Nacional dos Petroleiros Acionistas Minoritários da Petrobras (Anapetro) denunciaram o conselheiro à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que deve apurar possível prática de indução de mercado.
As alterações propostas no Estatuto só foram detalhadas no manual para participação de acionistas na AGE. Uma análise circunstanciada da revisão estatutária deixa claro que as ilações e críticas ao texto que será apreciado pela AGE são infundadas e que o pano de fundo do recente embate é, na realidade, a pressão dos acionistas minoritários contra qualquer mudança no padrão de distribuição de lucros e dividendos e contra o realinhamento da governança da Petrobras ao interesse público.
A Petrobras é um instrumento do Estado para a implementação de políticas públicas, a despeito da participação privada em seu capital social. A sociedade de economia mista não é mera associação de capitais públicos e privados para realização de atividade econômica. Não se move em função da maximização do lucro ou da remuneração máxima aos seus acionistas. Em outras palavras: a função social da Petrobras é atuar para garantir o abastecimento de combustível ao mercado interno com o menor preço e a melhor qualidade possível.
Ao longo de seus 70 anos de história, a Petrobras foi decisiva no processo de desenvolvimento do Brasil, promoveu investimentos e atividades que resultaram em elevadas externalidades para a sociedade, além de ter atuado como propulsora da industrialização brasileira.
A própria Lei das Estatais (art. 27, incisos I e II) ao tratar da função social da empresa pública destaca que tais empresas devem buscar a ampliação do acesso de consumidores aos bens e serviços produzidos pela estatal e o desenvolvimento ou emprego de tecnologia brasileira nos processos produtivos das empresas, sempre de maneira “economicamente justificada”. Um dos tópicos previstos na revisão estatutária estabelece que até 5% do capital social da empresa pode ser investido em programas de pesquisa e desenvolvimento, hoje o teto é de 0,5%.
De outro lado, as exigências e proibições de dirigentes previstas na Lei das Estatais são notoriamente abusivas e antidemocráticas, uma espécie de controle prévio que visa restringir, indevidamente, as atribuições do acionista controlador em seu poder de dirigir as atividades sociais da empresa. Violam frontalmente o princípio da isonomia e penalizam, a título discriminatório, os que atuam legitimamente na esfera governamental ou partidária.
Uma característica fundante das sociedades de economia mista é a garantia do poder de controle por parte do Estado e a orientação das atividades da companhia a atender o interesse público que justificou sua criação. Em que pese se tratar de um conceito jurídico indeterminado, o interesse público não é oposto ao interesse privado, muito menos um risco aos direitos fundamentais. A tentativa de relacionar o interesse público a uma expressão autoritária é parte do repertório ideológico neoliberal.
Por fim, a suposta superioridade da eficiência da gestão privada em relação à gestão pública não se sustenta quando confrontada com os fatos. O recente caso de fraudes e corrupção envolvendo altos dirigentes das “Lojas Americanas” põe à prova a fraqueza moral e ética de um dos maiores fundos privados de investimento do país e a fragilidade de seus órgãos de governança e compliance.
Artigo publicado originalmente no site do Jornal GGN