Era um sonho dantesco… o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros…estalar de açoite…
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar…
(…)
Existe um povo que a bandeira empresta
P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!…
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!…
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa… chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! [1]
Embora seja o maior grupo étnico do país, conforme o Censo do IBGE de 2022, os negros ainda residem na mentalidade e realidade brasileira no lugar de subserviente, inferior e bestializado. O poeta Castro Alves ao se escandalizar e denunciar em seu poema “Tráfico Negreiro”, escrito em 1818, o tratamento bárbaro oferecido aos escravizados ainda evidencia que a discriminação racial ao invés de ter se tornado obsoleta, fez-se mais atual e sofisticada, uma vez que a população negra ainda ocupa as piores faixas salariais e maiores taxas de mortalidade no país.
Isso se dá, em grande parte pela discriminação racial, porém, antes de adentrá-la, é vital conhecer a base disso tudo: a raça. Nesse sentido, a raça consiste em um demarcador social, não sendo apenas definido por características fenotípicas de um ser, isto é, biológicas e genéticas. Ela rege como a sociedade lidará com um indivíduo a partir de sua cor, tornando-se uma regra da sociedade brasileira, a qual lega ao negro um quadro de profundas desigualdades e constantes discriminações.
A partir da adesão de tal ótica racista, a discriminação se manifesta, uma vez que o negro não é tido como um igual, mas sempre um inferior. A partir disso, ocorre a distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada na raça, privando os negros de ocuparem os cargos de estima, os salários altos e sobretudo serem sujeitos da dignidade humana. Nisso, dá-se a discriminação e seus efeitos.
Olhar para trás é necessário
Com a institucionalização do Apartheid em 1948 – regime de segregação racial que dividia os negros dos brancos na África do Sul – diversas leis foram promulgadas em vista de aumentar essa segregação, como a Lei do Passe. Essa lei estipulava que os negros deveriam portar uma caderneta que continha informações de onde eles eram autorizados a se locomover, a sua profissão e demais informações.
Em reação a tal norma, foi organizado no dia 21 de março de 1960 uma manifestação pacífica, contendo 20 mil negros, porém a reação a tal exercício democrático foi de pura violência, haja vista o resultado de 69 pessoas mortas e outras 186 feridas. Esse massacre foi conhecido como Shaperville.
Diante disso, a Organização das Nações Unidas instituiu o dia 21 de março como o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, uma vez que ao celebrar o dia de hoje, é enfatizado do quão constante e necessária é essa luta antirracista.
A luta do agora
Ao reconhecer a necessidade de combate a tal discriminação, foram promulgadas diversas Leis no Brasil, como a Lei Caó – 7.716/89 – e o Estatuto da Igualdade Racial – 12.288/10.
A primeira pune toda a forma de discriminação racial, inclusive criminaliza a discriminação racial no ambiente de trabalho, que muitas das vezes é praticada quando o empregador oferece tratamento diferenciado ao empregado negro, especialmente em seu salário. Por fim, a segunda, objetivando oferecer à população negra a igualdade de oportunidades, seja no âmbito laboral, quanto cultural e social.
Consoante a isso, é válido destacar a importância de movimentos, como a da Federação Única dos Petroleiros, que ao entender toda a conjuntura desigual ofertada ao negro de forma estrutural e histórica, utiliza como ferramenta de combate ao racismo, uma conduta antirracista, como a atuação do Coletivo Negro, cujo o fito é de priorizar o debate sobre a temática e sobretudo a promoção de igualdade racial.
Por fim, no dia de hoje e nos demais, é importante dar legitimidade e peso à luta de movimentos, sobretudo negros, que buscam a igualdade de tal minoria. Diferentemente da época vivenciada por Castro Alves, atualmente, o protagonismo negro se evidencia na sua própria luta de reconhecimento como um Ser, ecoando em todas as suas vivências, na busca de não se reduzir pela barbárie do Outro.
Infere-se, que a partir da luta, como a população negra bem sabe, direitos e existências são reconhecidos e protegidos. No entanto, sem a presença dos mais beneficiados desse sistema de opressão racial – a branquitude – muita resistência ainda haverá nessas disputas. Dessa forma, é vital que a luta que já é nossa, seja sua também.
[1] DE CASTRO ALVES, Antônio Frederico. O navio negreiro. identidade, v. 3, n. 1 e 2, p. 12, 2002.
por Danilo Martins Gonçalves