Em um dos períodos mais sombrios da política brasileira, a categoria petroleira se colocou na vanguarda do enfrentamento contra os governos militares
Por Juliana Gonçalves de Oliveira Ferreira*
Temos um período da História do Brasil que ainda continua escondido, a ditadura imposta após o golpe de 1964. E o pior é saber que os trabalhadores e suas organizações, os principais alvos dos militares e das elites econômicas nacionais e multinacionais, são negligenciados nos estudos e textos políticos sobre o período, como se não tivessem oferecido resistência ao golpe.
Porém, contrariando essas leituras, a partir de documentos que foram liberados após a instauração da Comissão Nacional da Verdade em 2011, podemos identificar as ações realizadas por várias categorias de trabalhadores e, entre as que causaram maiores impactos (e consequências) foram as ações empreendidas pelos trabalhadores petroleiros nas unidades da Petrobrás contra o golpe. Os trabalhadores tomaram as unidades, paralisaram a produção, impediram o abastecimento de combustível das forças golpistas e, por conta disso, sofreram impiedosas consequências, prisões, expurgos e a vigilância e controle constante do modelo disciplinar militarizado.
A partir do pós-golpe, a tradição de luta coletiva e organização sindical foi duramente combatida e a ação autônoma dos trabalhadores foi impiedosamente reprimida durante todo o regime. Isso, no entanto, não impediu a emergência de greves e lutas sociais, em particular dos trabalhadores das refinarias, no final dos anos 1970 e início dos 1980, apesar da permanente vigilância e repressão por parte da empresa e da ditadura.
As estratégias individuais e coletivas dos petroleiros são movidas pelas relações capital/trabalho, pela luta por condições dignas de trabalho, mas não somente por isso. Na identidade do petroleiro, a tarefa de trabalhar para a nação e a defesa da empresa como impulsora do desenvolvimento do país são características que mobilizaram e ainda mobilizam a categoria. Nas movimentações organizativas dos anos anteriores ao golpe, no posicionamento dos sindicatos em relação às denúncias de corrupção também no pré-1964, nas próprias ações para impedir o golpe, nas denúncias sobre a ingerência estadunidense nos sindicatos petroleiros em 1969, nas lutas pelo monopólio que pautaram as movimentações e greves desde o princípio das organizações sindicais da categoria até os dias de hoje.
Jacó Bittar, em depoimento ao Museu da Pessoa sobre o seu envolvimento com a militância, disse que logo que entrou na Petrobrás, em 1962, ainda menino, gostava de frequentar as assembleias do sindicato e do Fórum Sindical de Debates, congregação horizontal que articulava os 53 sindicatos da Baixada Santista. Ele disse: “os nossos discursos eram discursos classistas, evidentemente, a gente era operário, trabalhador, e a na formação natural (a militância) foi acontecendo”.
Uma organização como a greve dos petroleiros de 1983 não surge da noite para o dia. Naquela mobilização que trouxe de volta à cena pública a categoria petroleira, estava a gênese da sua identidade: a luta por seus empregos e por condições dignas de trabalho, a defesa de uma empresa com grande responsabilidade social e econômica do país e a participação na construção de um país democrático.
*Assessora da FUP e doutoranda em História Social pela UFRJ.