Apesar de serem os mais impactados pelas mudanças no mundo do trabalho decorrentes da transição energética, os trabalhadores não estão sendo ouvidos pelas nações que estão tratando do tema, afirma Miriam Cabreira, a diretora da FUP que participou da conferência da ONU sobre mudanças climáticas
[Da redação da CUT]
O documento preliminar do Balanço Global (Global Stocktake, GST) apresentado na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2023 (COP28), em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, inclui a eliminação progressiva do uso de combustíveis fósseis, ou seja, consolidar a transição energética. No entanto, ainda está muito pouco delimitado em quais termos serão feitos essa transição, especialmente no que diz respeito a manutenção dos empregos da cadeia de geração de energia, e também na criação de novos postos.
Segundo a representante na COP28 da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Miriam Cabrera, presidenta do Sindipetro RS, a participação dos trabalhadores de todas as nações na discussão ainda é muito incipiente, para não dizer inexistente.
Ela explica que as indústrias que deverão substituir a produção de carbono, como eólica, solar e de hidrogênio, geram naturalmente muito menos empregos do que as atuais, o que empurra todos os países diretamente para a necessidade de controlar a produção da tecnologia por trás dessas indústrias.
“O que estamos observando é que a forma de garantir emprego é ser o detentor dessa tecnologia. É garantido que os equipamentos usados nessas indústrias serão produzidos no Brasil. Para isso, é preciso desenvolver pesquisas, investir nas universidades. Tudo isso implica em políticas públicas mais amplas e robustas, coisa que não estamos vendo acontecer ainda”, afirma Miriam.
Essa não é uma realidade só do Brasil. A petroleira conta que poucas foram as iniciativas de outros países que já estão olhando para o controle da tecnologia tendo como objetivo a sustentabilidade do mercado de trabalho.
Na África do Sul, por exemplo, houve uma grande pressão na última década para que fossem encerradas as minas de carvão. No entanto, o que se observou, é que os empregos na produção da chamada energia limpa foram ocupados por outros trabalhadores. No caso específico do país africano, as pessoas negras, que trabalhavam nas minas, ficaram sem emprego e renda, e trabalhadores brancos ocuparam a nova economia.
Numa clara divisão de visões entre Sul e Norte global, Miriam conta que a única autoridade de estado observada na COP28 ligado a um Ministério do Trabalho foi a secretária Thea See. “A fala da secretária foi na linha de que é preciso financiar a cadeia de suprimentos dessas tecnologias para preservar os empregos. Para eles, está claro que quem for o detentor da tecnologia continuará sendo um país desenvolvido ou se desenvolverá”, explica a petroleira.
No entanto, ainda que em maior ou menor grau alguns países já estejam pautando a discussão do emprego na transição energética, os debates da COP28 deixaram evidente que esse ainda é um tema incipiente dentro da discussão mais ampla sobre a crise climática e o aquecimento global.
Por isso, a representante da FUP na conferência defende que o debate no Brasil não seja feito às pressas. Especialmente porque no nosso país o debate passa pelo uso da terra. Se nos países desenvolvidos 70% da produção de gases de efeito estufa vêm da indústria, no Brasil essa mesma porção vem de como é feito o uso do solo, como os desmatamentos e as áreas de pastagem.
“Aqui [no Brasil] essa conversa passa pelas comunidades tradicionais que são muito impactadas pelos empreendimentos novos, como as usinas eólicas. Passa pela manutenção dos empregos. Passa pelo desenvolvimento da educação e como isso vai ser financiado. Se fizermos apressadamente, a toque de caixa, quem vai ditar os termos será o capital, e isso não interessa ao povo brasileiro”, concluiu Miriam.
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