“No país em que o governo defende que os trabalhadores e trabalhadoras não podem ter empregos e direitos ao mesmo tempo, a maior refinaria do país impõe um nível inédito de precarização: ou os trabalhadores comem, correndo risco, ou trabalham sem comer”. Quem faz o alerta é o diretor da FUP e do Sindipetro Unificado de São Paulo, Arthur Bob Ragusa, que é técnico de operação da Replan.
Leia o relato feito por ele:
Por Arthur Bob Ragusa, diretor do Sindipetro SP e da FUP
Estamos vivendo uma situação na Refinaria de Paulínia que demonstra todos os malefícios causados pela terceirização e precarização do trabalho de uma só vez. A mudança de contrato do serviço de alimentação na Replan teve o condão de produzir mais de uma centena de demitidos, a redução salarial dos novos contratados, a falta de água potável e de alimentos e a interrupção do serviço de limpeza e higiene do restaurante e das copas, conforme os padrões estabelecidos para o enfrentamento à pandemia.
Logo nas primeiras horas em que começou a prestar o serviço, a nova empresa deixou faltar água para beber. Naquele dia, serviu o almoço incompleto e com atraso, causando filas maiores e mais demoradas que o normal. Diversos foram os relatos de problemas com os alimentos, como frutas podres, e de higiene no restaurante principal, com pilhas de pratos e talheres se formando e limpeza fora dos padrões necessários para minimizar as possibilidades de contágio pela covid-19 dentro da refinaria.
Nos dias que se seguiram, os relatos de problemas continuaram. Atrasos, comida faltando, comida ruim, falta de limpeza de pratos e talheres. E o descumprimento da lei 5811/72, que rege o trabalho dos petroleiros e petroleiras que trabalham em turno. A lei define em seu artigo 3º que:
“Art. 3º Durante o período em que o empregado permanecer no regime de revezamento em turno de 8 (oito) horas, ser-lhe-ão assegurados os seguintes direitos:
…
III – Alimentação gratuita, no posto de trabalho, durante o turno em que estiver em serviço;
…”
As versões das explicações são conflitantes, beirando o absurdo de alguns dizerem que a tal nova empresa “não sabia” que a alimentação para o pessoal de turno deve ser servida no posto de trabalho. Pior é a gestão da Petrobrás, que diante dessa falha, orienta os trabalhadores a se deslocarem do posto para irem ao restaurante principal da refinaria. Como se desconhecessem que definição da lei se deve ao fato de que a trabalhadora e o trabalhador de turno não podem sair de seu posto de trabalho, não tem hora de repouso e alimentação em sua jornada, devendo estar disponíveis para atender a qualquer demanda operacional que houver em seu turno.
Como de costume, gestores e supervisores não assumem a responsabilidade técnica ou legal por suas decisões, sequer se organizam para tomá-las. Criam, assim, um dilema para o turneiro e a turneira: se saio do posto, o que acontece se houver alguma urgência ou emergência operacional? Se não saio, como faço pra comer?
Como fica o combate à pandemia, com mais gente tendo que se deslocar até o restaurante, aumentando a aglomeração?
Entre um mamão estragado e um lanche de “presunto de saquinho”, a insatisfação e a completa falta de respostas por parte da gestão da Replan fazem a indignação da peãozada ganhar volume. O sindicato chegou a distribuir um “kit de alimentação de sobrevivência” na porta da unidade, denunciando o descaso. Já no dia 31 de janeiro, menos de uma semana de implantação do novo “serviço”, foi enviado um ofício à empresa alertando para os perigos legais e operacionais da situação em curso, cobrando reunião urgente para tirar todas as dúvidas sobre esse novo contrato e, principalmente, exigindo solução imediata para a alimentação dos turneiros no posto de trabalho. Se não houver resposta, a mobilização vai continuar!
Finalmente, mas nunca menos importante, é necessário destacar que nada disso é responsabilidade das companheiras e companheiros recém contratados por esta nova empresa terceirizada. A rotatividade explosiva, a possibilidade de demissão em massa, a precarização em relação aos trabalhadores próprios. Tudo isso se mistura neste caso dos serviços de restaurante. Por esse e tantos outros exemplos, somos historicamente contrários à terceirização.
Ainda que diante da terceirização, lutamos por condições iguais de trabalho. Se assim fosse, antes de serem demitidos, seria oferecido aos mais de 100 trabalhadores da empresa anterior algumas possibilidades, como está sendo feito com o trabalhador próprio da Petrobrás, Brasil afora. Não haveria a humilhação da redução salarial e a contratação em condições piores. Portanto, somos solidários aos demitidos e aos novos contratados.
A responsabilidade é da empresa contratada, mas, sobretudo, da gestão da Petrobrás. Se a preocupação com as pessoas que trabalham construindo essa maltratada empresa nacional fosse igual à preocupação de encher com bilhões e bilhões de reais o bolso dos acionistas, a maior refinaria do país não estaria passando por esse vexame.