Transição energética

Colômbia: novo governo promete substituir combustíveis fósseis por energias renováveis

Gustavo Petro e Francia Márquez assumem presidência no dia 7 de agosto com programa voltado para a transição energética; sindicato local de petroleiros apoia a medida

[Por Michele de Mello, especial para o Sindipetro-SP | Edição: Guilherme Weimann]

Na Colômbia – nação que compartilha cerca de 1.600 km de fronteira com o Brasil –, a eleição do primeiro governo de esquerda pode mudar radicalmente a política energética do país. Gustavo Petro e Francia Márquez (Pacto Histórico) assumem a presidência no dia 7 de agosto, com uma proposta ousada de substituição dos combustíveis fósseis pela energia eólica e solar.

Realizar uma transição energética completa é uma meta bastante ambiciosa. Carvão, petróleo e gás representam 77% das fontes energéticas utilizadas para transporte, indústria e no consumo doméstico.

O país possui cerca de 2,5 bilhões de barris em reservas e é considerado o 18º maior exportador de petróleo do mundo. Os royalties do petróleo representam 4% do Produto Interno Bruto (PIB) colombiano, sendo que 2,4% vão para as administrações departamentais e 1,5% para o governo nacional. Em abril, a Colômbia produziu 751 mil barris por dia e 1,7 milhão de m³ de gás natural, de acordo com a Agência Nacional de Hidrocarbonetos.

Em 2020, o Estado colombiano faturou US$ 7,4 milhões pela venda do combustível cru, sendo o principal produto de exportação, responsável por 55% dos dólares que entraram no país naquele ano. Há dois meses, o presidente Iván Duque (Centro Democrático) se comprometeu com os Estados Unidos em aumentar a produção, como uma tentativa de estabilizar os preços internacionais, após a decisão de Washington de boicotar a compra de petróleo russo. Os EUA e a China são os principais destinos do petróleo colombiano.

No entanto, o eixo três do programa político do novo governo defende um “pacto pela natureza e para enfrentar a mudança climática”.

Petro e Francia serão os primeiros candidatos de esquerda a governar a Colômbia. Foto: divulgação.

Petro e Francia dizem que irão proibir a exploração de reservas não convencionais, assim como a prática do fracking ou fraturamento hidráulico – que utiliza jatos de água e químicos em alta pressão para perfurar o solo e é considerada altamente poluente.

O programa dos novos governantes prevê que a estatal Ecopetrol se converta numa empresa de energias limpas nos próximos 15 anos, que seria o período de transição para atender a demanda nacional e desenvolver a indústria petroquímica colombiana.

O diretor da União Sindical Operária da Colômbia, Héctor Vaca, defende que os três próximos governos devem manter a implementação do plano de transição energética para que ela se torne realidade no prazo proposto.

“Na Colômbia, há 10 milhões de lares que utilizam o gás natural tanto para preparar alimentos, como para calefação. Portanto, também necessitamos de um salto tecnológico para garantir essa transição e isso implica tempo”, afirma.

O programa prevê que a estatal Ecopetrol se converta numa empresa de energias limpas nos próximos 15 anos (Foto: Brasil 247)

A promessa é de que a transição para uma economia verde geraria novos empregos para os trabalhadores da indústria petrolífera. O setor abrange 500 empresas e emprega cerca de 95 mil pessoas, segundo a Associação Colombiana de Petróleo e Gás. Somente a estatal Ecopetrol emprega 18 mil pessoas e é responsável pela produção de 60% dos hidrocarbonetos do país.

“ECOPETROL deve ser a empresa que lidere a transição energética, o que facilitaria a integração dos trabalhadores petroleiros”

HÉCTOR VACA, DIRETOR DA UNIÃO SINDICAL OPERÁRIA DA COLÔMBIA

Para o pesquisador da Corporação Aury Sara Marrugo da União Sindical Operária (USO), Francisco Castillo León, é possível imaginar uma transição energética para a Colômbia em até metade do tempo proposto por Petro. Cerca de 7 anos também seria o prazo de esgotamento das reservas de petróleo do país.

“As fontes energéticas renováveis estão disponíveis para sua exploração. E as fontes de energia fóssil, como o petróleo, têm seus dias contados. Também se fecham os mercados para o carvão, que é uma das fontes energéticas mais contaminantes”, explica.

A Colômbia ainda produz carvão no norte do país, mas cerca de 95% do mineral extraído é exportado. Para o consumo interno, cerca de 69% da energia provém de hidrelétricas.

“Temos luz do sol durante todo o ano, para impulsionar a energia solar; ventos ao norte, em La Guajira e nas costas do Caribe e do Pacífico, que possibilitam projetos de energia eólica”, destaca Castillo.

O diretor da USO, maior sindicato petroleiro da Colômbia, assegura que os trabalhadores apoiam as propostas. Durante a campanha, a USO assinou um acordo com o Pacto Histórico se comprometendo com o processo de transição energética.

“Consideramos que é um imperativo mundial, necessitamos dar esse passo, porque a humanidade está a ponto de gerar uma catástrofe ambiental sem retorno. Ecopetrol deve ser a empresa que lidere a transição energética, o que facilitaria a integração dos trabalhadores petroleiros”, destaca Héctor Vaca.

A Colômbia possui cerca de 145 contratos vigentes com empresas privadas e transnacionais para extração de carvão e petróleo. Petro prometeu cumprir com os contratos assinados, mas alertou que não pretende renovar as licitações.

“Ele deve ajustar os novos contratos, revertendo a relação atual que dá muito benefício às multinacionais e deixa muito pouco ao país da renda petroleira”, comenta o dirigente da USO.

Integração regional 

Durante a campanha, Gustavo Petro também sugeriu uma aliança regional entre Colômbia, Brasil e Chile para passar a uma “América Latina descarbonizada, produtiva e baseada no conhecimento”.

Em 2005, 2006 e 2007 foram realizados encontros entre trabalhadores do setor minero energético, em Caracas (Venezuela), Cidade do México (México) e La Paz (Bolívia) para discutir um programa de integração e desenvolvimento energético regional.

Com os últimos resultados eleitorais na região e a retomada de governos de centro-esquerda, a proposta de um mercado energético latino-americano volta a ter força.

“A América Latina poderia tornar-se uma potência energética e oferecer energia a várias partes do mundo”, destaca o dirigente sindical colombiano, Héctor Vaca.

A Colômbia possui 2,5 bilhões de barris em reservas e é considerado o 18º maior exportador de petróleo do mundo (Foto: Adobe Stock)
A Colômbia possui 2,5 bilhões de barris em reservas e é considerado o 18º maior exportador de petróleo do mundo (Foto: Adobe Stock)

Na última terça-feira (5), o presidente recém-eleito assegurou ter telefonado para o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, para tratar assuntos estratégicos, como reabertura de fronteiras, questão energética e produção de fertilizantes.

“Antes do governo de Duque, que acaba dia 7 de agosto, existiam projetos comuns, como o gasoduto na região de La Guajira, um possível oleoduto que levaria petróleo venezuelano ao Pacífico, a petroquímica colombo-venezuelana Monómeros. Tudo isso se acabou com a deterioração das relações diplomáticas”, explica Francisco Castillo.

A Venezuela compartilha 2.200 km de fronteira com a Colômbia e possui a maior reserva certificada de petróleo do mundo, com 303,8 bilhões de barris.

Héctor Vaca acredita que, no atual contexto de guerra, se estiverem integradas, Colômbia e Venezuela poderiam ser uma alternativa para a oferta de petróleo na região. “Seria bom para aproveitar o preço atual do barril, mas também serviria para criar ilhas de produção petroquímica para eliminar a dependência de importação de produtos para o campo”, conclui.

Acordo de Escazú

O programa político do Pacto Histórico aponta para a ratificação do Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe, também conhecido como Acordo de Escazú, primeiro marco ambiental assinado na região.

O tratado foi aberto a todas as nações latino-americanas, assinado por 24 Estados e ratificado por 12: Antígua e Barbuda, Argentina, Bolívia, Equador, Guiana, México, Nicarágua, Panamá, São Vicente e Granadinas, São Cristóvão e Neves, Santa Lúcia e Uruguai.

“Colômbia, Venezuela, Brasil, Peru e em geral toda a América Latina e o Caribe têm muito potencial para desenvolver novas fontes energéticas, como eólica, solar, maremotriz, e o uso do hidrogênio. Acreditamos que os países da América Latina devem trabalhar de maneira conjunta e buscar a integração para o desenvolvimento econômico”, comenta o sindicalista Hector Vaca.