Medida não deve surtir o impacto anunciado de reduzir preço do combustível
[Por Daniel Giovanaz, especial para o Sindipetro-SP | Edição: Guilherme Weimann]
O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, disse “sim” a um pedido dos Estados Unidos no último dia 10 para aumentar a produção de petróleo no Brasil. O objetivo anunciado é ampliar a oferta global de combustível e frear o aumento de preços.
Na virada do mês, os 31 países membros do Conselho de Administração da Agência Internacional de Energia (AIE) já haviam concordado em liberar 60 milhões de barris de suas reservas para frear a queda nos estoques globais e evitar déficit de suprimentos.
O quadro reflete a preocupação com as sanções contra a Rússia, que podem comprometer o fornecimento de energia em dezenas de países. A guerra na Ucrânia fez com que, entre 24 de fevereiro e 7 de março, o barril do tipo Brent, referência internacional, atingisse o nível mais alto em 13 anos.
Os EUA anunciaram boicote ao petróleo russo no dia 8. O apelo ao Brasil, na mesma semana, foi verbalizado pela secretária de energia Jennifer Granholm, por videoconferência.
Rodrigo Leão, mestre em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (Ineep), afirma que o aumento da produção brasileira não terá efeito significativo sobre os preços no mercado global ou doméstico.
“É mais uma ação político-diplomática dos EUA para tentar demonstrar força no mercado de petróleo, sinalizando que eles conseguem coordenar uma retomada de oferta mesmo sem a Rússia”, analisa.
DO PONTO DE VISTA ENERGÉTICO, NÃO TEM MUITO MAIS O QUE O OCIDENTE POSSA FAZER EM TERMOS DE SANÇÕES. A EUROPA, HOJE, NÃO TEM COMO ABRIR MÃO DA COMPRA DE PETRÓLEO E GÁS RUSSOS.
RODRIGO LEÃO, COORDENADOR DO INEEP
Na avaliação do pesquisador do Ineep, o compromisso assumido pelo ministro Albuquerque esbarra em limites técnicos.
“A Rússia tem capacidade de produzir 12 milhões de barris por dia. O Brasil não tem condições de chegar nesse patamar. A nossa expectativa, no médio prazo, era atingir 2,5 ou 3 milhões”, compara Leão.
“Alavancar a produção demandaria novos investimentos em perfuração, e há uma dinâmica técnica que impede que isso ocorra imediatamente. Não dá para trazer uma plataforma nem sair furando o pré-sal de uma hora para a outra.”
Para Martin Tygel, pesquisador do Centro de Estudos do Petróleo (Cepetro), o pedido ao Brasil era esperado: movimentos semelhantes vêm sendo realizados pelos EUA junto a outros países, incluindo uma reaproximação com a Venezuela.
“O mundo pode reduzir a dependência russa, mas a situação não é tão simples. Além do desafio de aumentar a produção em outros países, a composição química do petróleo difere em cada lugar do planeta. Então, todo o processo industrial deve ser ajustado. Isso requer investimento e leva tempo”, enfatiza.
Histórico
A definição sobre o volume de petróleo a ser produzido por um país deveria ser baseada em critérios estratégicos que levassem em conta a soberania nacional – e não o apelo de um governo estrangeiro. Essa é a avaliação de Ildo Sauer, professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP) e ex-diretor de gás e energia da Petrobrás no governo Lula (PT).
“Entre 2002 e 2003, nosso grupo defendia um processo de transição das concessões para um sistema de partilha. Depois da descoberta do pré-sal [2006], defendemos contratos de prestação de serviços, em que uma estatal de capital aberto, como a Petrobrás, contrata empresas e manda produzir petróleo. E quanto petróleo? Depende da estratégia nacional de desenvolvimento”, explica.
A ideia era que, além da demanda interna, fosse considerada a necessidade de exportar petróleo para gerar receita – o que permitiria investir em um plano de desenvolvimento econômico e social.
“O Brasil, assim como o Canadá, outro produtor relevante de petróleo fora da OPEP [Organização dos Países Exportadores de Petróleo], opera à mercê de interesses pequenos. São contratos de concessão e partilha outorgados, em que os produtores extraem petróleo para maximizar o retorno imediato do seu investimento, sem levar em conta o interesse da população”, acrescenta Sauer.
O ex-diretor da Petrobrás chama atenção para o embate geopolítico que opõe, de um lado, a OPEP e demais exportadores relevantes, e de outro, países desenvolvidos e a China. Os primeiros buscam manter os preços na faixa que consideram estratégica – de US$ 70 a US$ 80 –, enquanto grandes importadores trabalham para reduzir os preços.
“Enquanto a OPEP mantiver sua hegemonia, um país que defende sua soberania deve buscar condições de participar do acordo internacional que define quanto petróleo vai ser produzido para fazer com que o preço esteja dentro do que é considerado estratégico”, enfatiza.
“Para gerar riqueza tem que ter preço, e para ter preço é preciso ter controle e equilíbrio.”
Rodrigo Leão, do Ineep, reafirma que o início das explorações no pré-sal, especialmente a partir de 2010, mudou a posição do Brasil no mercado internacional.
“Foi quando empresas dos EUA e da Europa passaram a olhar o Brasil como um player importante, e aí começaram as tensões. Primeiro, houve uma tentativa de aumentar a apropriação do Estado sobre a riqueza do petróleo. Isso resultou nas leis do pré-sal, de conteúdo nacional, um movimento que foi interrompido com a queda da Dilma [Rousseff, em 2016]”, observa.
“Essa interrupção está ligada a interesses internacionais. Os players nacionais foram sufocados na esteira da Lava Jato e, desde 2015, estamos com uma estratégia muito mais associada a EUA e Europa – e mais distantes de desenvolver o setor com autonomia. Aceitar o pedido dos EUA agora é mais uma perna desse novo arranjo, em que esses países têm grande peso sobre as decisões tomadas no Brasil.”
Boicote e abastecimento
A escalada de preços atinge todos os países, e vários deles vêm adotando medidas para não repassar os aumentos integralmente ao consumidor. Fundos de estabilização e subsídio tarifário são alguns dos instrumentos mais comuns.
O boicote do presidente estadunidense Joe Biden ao petróleo russo tem efeito mais simbólico do que prático: apenas 8% das importações líquidas de petróleo dos EUA vêm da Rússia.
“Os EUA são o maior produtor mundial e um importador pequeno, então não conseguem formar preço”, reforça Ildo Sauer.
A Rússia, por outro lado, assim como a Arábia Saudita, tem condições de fazer movimentos agressivos para retração e elevação de oferta.