Para especialistas ouvidos pelo jornal Brasil de Fato, as indicações frustradas refletem a falta de preparo do governo para lidar com a maior estatal do país. Em entrevista ao programa de rádio Faixa Livre, o coordenador da FUP, Deyvid Bacelar, disse que Bolsonaro agiu de forma “atabalhoada”
[Reportagens do Brasil de Fato e do Faixa Livre, com edição da FUP]
Enquanto os brasileiros pagam cada vez mais caro pela gasolina, a Petrobrás perde a direção. A estatal, que teve seu presidente demitido na semana passada, agora viu os indicados pelos dois postos mais importantes de sua chefia desistirem do cargo.
O economista e lobista Adriano Pires havia sido escolhido pelo governo federal para ocupar a presidência da empresa no lugar do general Joaquim Silva e Luna, demitido pelo presidente Jair Bolsonaro. Na segunda-feira (4), no entanto, Pires entregou uma carta ao ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, desistindo do cargo, após uma série de questionamentos sobre provável conflito de interesse e favorecimento às empresas privadas do setor de óleo e gás, caso assumisse o comando da Petrobrás.
Adriano Pires é sócio-fundador e principal porta-voz do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura), que tem como clientes empresas que já chegaram a denunciar a estatal ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para que subisse seus preços. Mesmo assim, foi o escolhido para ser o principal executivo da companhia durante a crise dos aumentos dos combustíveis.
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No domingo tinha sido a vez do presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, declarar sua recusa ao cargo de presidente do Conselho de Administração da Petrobrás. Landim alegou que pretende dedicar seu tempo ao clube. O Conselho é o principal fórum de decisão da empresa, onde são aprovados, por exemplo, planos de investimentos, a política de preços de derivados e compra e venda de ativos.
“Bolsonaro atabalhoado”
Em entrevista nesta terça-feira, 05, ao programa de rádio Faixa Livre, o coordenador geral da FUP, Deyvid Bacelar, classificou a atuação do presidente Jair Bolsonaro como “atabalhoada” no imbróglio que deixou a Petrobrás sem comando. Ouça abaixo a entrevista:
Quem assume?
Para fontes ouvidas pelo jornal Brasil de Fato, as indicações frustradas apontam a ineficiência do governo de Jair Bolsonaro (PL) para lidar com a maior estatal do país. Mesmo com o Governo ciente dos currículos e históricos de Pires e Landim, eles foram indicados para altos cargos da Petrobrás. Demissionários antes de assumirem seus cargos, viraram problemas. Bolsonaro tem menos de dez dias para indicar novos nomes. A empresa tem assembleia marcada para o próximo dia 13 para dar posse à nova diretoria – seja lá qual for sua composição.
Segundo o William Nozaki, coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), o governo deve indicar novos nomes nos próximos dias. Em tese, enquanto a assembleia da Petrobrás não nomear a nova diretoria, a atual segue no comando.
Nozaki lembrou, entretanto, que o general Joaquim Silva e Luna foi demitido por Bolsonaro e reclamou disso à imprensa. A relação entre os dois foi rompida. “Como o desgaste entre Bolsonaro e Silva e Luna foi grande, o governo deve fazer novas indicações em breve.”
O Conselho de Administração da Petrobrás é presidido pelo almirante Eduardo Leal Ferreira desde 2019. Ferreira manifestou interesse em deixar o cargo. O governo precisa agora indicar um novo substituto ou conviver com um executivo insatisfeito.
Para Nozaki, as escolhas dos novos indicados passam pelo chamado Centrão. O professor apontou que Bolsonaro demonstrou, com as indicações de Pires e Landim, que pretende entregar a estatal ao bloco político para tentar afastar-se da crise do preço dos combustíveis. Em 2021, a gasolina subiu 46% nos postos do país. Os aumentos mais recentes, em março, foram de quase 19% no preço do gasolina e outros 25% no diesel.
Encontrar pessoas teoricamente gabaritadas para os cargos e, ao mesmo tempo, dispostas a assumir publicamente a responsabilidade pela crise não é tarefa fácil, alerta Nozaki. “Nem Landim e nem Pires aceitaram se expor e se submeter aos mecanismos de governança e integridade da Petrobrás”, afirmou.
Lógica predatória
O economista Eric Gil Dantas, do Observatório Social da Petrobras (OSP), disse que o governo seguiu sua “lógica predatória” com as indicações de Landim e Pires. Hoje desgastado, não conseguiu sustentá-las.
“Colocar ‘um lobo para tomar conta do galinheiro’ é algo que já aconteceu em vários níveis deste governo, mas agora ele está em uma situação mais delicada, de menor apoio social”, disse Dantas. “Não me parece que o impedimento a alguém como o Adriano Pires ocorreria em outro contexto.”
O economista também afirmou que não espera grandes mudanças nos rumos da Petrobrás durante este governo, independentemente de quem ocupe a direção da empresa.
“Todas as mudanças da Petrobrás até aqui não tiveram como objetivo mudar a direção da política de preços e de privatizações. Sempre foram cortinas de fumaça”, afirmou. “A indicação será, novamente, de alguém que irá lá para defender o PPI [como é conhecida a política de “preços de paridade de importação”] e as privatizações, seja alguém do mercado, seja algum militar.”
“Bolsonaro joga qualquer um na fogueira para não ter que responder por políticas antipopulares. Para garantir o apoio do mercado e passar para seu eleitorado que está combatendo os altos preços dos combustíveis, faz esta encenação”, complementou Dantas.
[Reportagem de Vinicius Konchinski]