CEO da 3R Petroleum tem afirmado que a empresa irá dinamizar a indústria de petróleo no Rio Grande do Norte, com investimentos que podem chegar a 7 bilhões de reais em dez anos. A Petrobrás, no entanto investiu o dobro, entre 2006 e 2015
As declarações do diretor-executivo da 3R Petroleum, Ricardo Savini, em entrevista recente publicada pela Tribuna do Norte, precisam ser analisadas pela sociedade norte-rio-grandense com grande atenção e prudência. A opinião é do coordenador-geral do Sindicato dos Petroleiros e Petroleiras do Rio Grande do Norte (SINDIPETRO-RN), Ivis Corsino. Na citada entrevista, o CEO da 3R falou sobre volumes de investimento no Estado; citou atividades para as quais esses recursos deverão ser direcionados; projetou o incremento da produção local e da geração de empregos.
Beneficiária da política de desinvestimentos imposta à Petrobrás nos anos Temer-Bolsonaro, a 3R Petroleum, fundada em 2014, atua nos Polos Macau, Areia Branca e Pescada Arabaiana, operando campos terrestres e marítimos. Em perspectiva, com contrato inicial de aquisição já assinado, a empresa espera iniciar a operação do chamado Polo Potiguar, que reúne diversos campos terrestres e marítimos, e um grande conjunto de instalações de produção.
Demonstrando preocupação com o futuro da indústria petrolífera do RN, Ivis Corsino entende que o discurso do diretor da 3R apresenta vários pontos questionáveis. Nesta entrevista, concedida com exclusividade à agência SAIBA MAIS, o dirigente sindical petroleiro se manifesta sobre as declarações do diretor da 3R Petroleum e convoca os potiguares a não se deixarem seduzir por um discurso fácil, que pode se tratar de mero engodo.
Leia a íntegra:
Pelas declarações do diretor-executivo da 3R, pode-se supor que essa empresa não se limitará ao gerenciamento dos ativos e do patrimônio adquiridos junto à Petrobrás? Na entrevista concedida à Tribuna do Norte, o executivo afirma: “no total, vamos investir R$ 7 bilhões nos próximos dez anos no RN”. O que esta cifra representa?
Praticamente todas as reservas de petróleo e gás, assim como as instalações de produção, processamento, refino, logística, armazenamento, transporte e escoamento, hoje existentes no RN, resultaram de investimentos realizados pela Petrobrás. Isso se deu em aproximadamente 40 anos. Mas, se pegarmos um período equivalente, ou seja, se fizermos um recorte de 10 anos, teremos uma melhor perspectiva de comparação.
Um estudo recente, realizado pelo funcionário da Petrobrás, ex-diretor do SindiPetro e contabilista Rodolpho Vasconcelos, aponta que entre 2006 e 2015 a Petrobrás chegou a investir mais de R$ 14 bilhões no Estado, alcançando média anual superior a R$ 1,4 bilhão. Segundo o estudo, esses dados constam de um trabalho acadêmico apresentado à UFRN, que trata dos impactos da saída da Petrobrás do RN.
“Os valores de investimento citados nesse trabalho não estão atualizados monetariamente. Se fizéssemos a correção a partir do montante investido naquele período, tendo como base o ano de 2015, levando em conta apenas a inflação acumulada, certamente essa soma superaria a casa dos R$ 20 bilhões, representando quase o triplo do valor que a 3R Petroleum afirma que pretende investir no RN”.
Além disso, outra forma de avaliarmos o volume de investimentos anunciado pelo executivo se dá pela comparação com os valores de aquisição. No caso específico do Polo Potiguar, apesar do contrato inicial já assinado, a 3R precisa quitar a segunda parcela de US$ 1 bilhão de dólares (em torno de R$ 5 bilhões) para consolidar o negócio e iniciar a operação. Ou seja, o valor devido pela empresa é superior a 2/3 do montante que ela declarou à Tribuna do Norte que pretende investir nos próximos 10 anos.
Mas a Petrobrás, à época, detinha um grande número de concessões de exploração e produção. É natural que o volume de recursos destinado a investimentos fosse bem maior do que aquele a ser aplicado nas áreas que hoje estão ou poderão estar sob responsabilidade da 3R. Ou não?
Não. No Estado, à exceção do Polo Riacho da Forquilha, todas as demais concessões de produção pertencentes à Petrobrás passaram a ser operadas ou estão em vias de operação pela 3R. Atualmente, essa empresa atua nos Polos Macau, Areia Branca e Pescada Arabaiana, que é offshore (marítimo). Por outro lado, como falei anteriormente, a empresa espera concretizar o negócio para iniciar as operações no Polo Potiguar.
Filé mignon das áreas operadas pela Petrobrás, o Polo Potiguar reúne vários campos produtores e os maiores volumes de produção do Estado. Além disso, inclui uma infraestrutura complexa e diversificada, com destaque para a Refinaria Clara Camarão, que nem deveria estar nesse pacote, pois pertence à área de refino. Então, quando o executivo da 3R fala sobre investimentos em dez anos, certamente ele está se referindo a todas essas áreas de exploração e produção, exceto Riacho da Forquilha, mas inclui o refino.
Falando sobre os alvos desses investimentos, o CEO da 3R cita dois objetivos: a perfuração de poços e a construção de instalações. Com relação à perfuração, ele diz: “Vamos perfurar muito, milhares de poços. São 1.600 que queremos perfurar aqui no RN (…). A sonda já está aqui em Mossoró, sendo montada, outras duas estão chegando (…). Importamos sondas da Itália”. O senhor não considera esse número de perfurações muito alto, muito exagerado?
Até poderia ser. Depende de vários fatores. O tempo em que se pretende atingir essa meta; os recursos financeiros disponíveis; a disponibilidade de equipamentos e pessoal; as áreas a serem perfuradas, que determina boa parte da logística… Como o executivo disse querer estar com uma produção entre 40/45 mil barris/dia entre 2025/2026, quando a perfuração estiver mais avançada, duplicando a produção atual, penso que alcançar esse número de perfurações demandaria um esforço gigantesco. Mas o que me chamou mais a atenção foi outra coisa: as sondas vindas da Itália!
“A Petrobrás sempre procurou trabalhar com o conceito de conteúdo local, ou seja, sempre buscou adquirir parte dos bens e serviços necessários às atividades de exploração e produção – e não só a essas, junto a fornecedores locais. Isso, claro, levando em conta condições de preço, prazo e qualidade, entre outros fatores. Em Mossoró – e não vou citar o nome, temos uma empresa qualificada e com vasta experiência em perfuração. Então, confesso que soa estranho ouvir esse tipo de coisa”.
Estranha, porque fortalecer as cadeias de fornecedores de bens e serviços, tanto no País quanto aqui no Estado, sempre foi uma preocupação da Petrobrás. Uma empresa com tamanha responsabilidade, que chega ao RN habilitada como operadora da ANP, com a missão de comandar uma cadeia produtiva de grande peso na economia local, em nenhuma hipótese pode esquecer-se do seu papel enquanto instrumento de fomento ao desenvolvimento regional.
E quanto a duplicar a produção atual em três, quatro anos? Isso é possível?
Esse foi o discurso desde o início dos projetos de desinvestimento. Mas nesse caso precisamos relativizar o significado da palavra duplicar. Se você mora em um apartamento no segundo andar e ao entrar pelo hall do prédio encontra o elevador quebrado, terá que subir uns quatro lances de escada, geralmente dois por andar, para poder entrar em casa. Mas se você chegar de carro e o seu estacionamento ficar no subsolo, terá que subir seis lances, e nem por isso você passou a morar no terceiro andar. (risos)
Não sei se a analogia foi adequada, mas o fato é que a produção do RN sofreu uma queda brutal. E isso não aconteceu apenas pela tendência natural de declínio da produção, fruto do esgotamento dos campos. Esse declínio ocorreu por leniência dos gestores da Petrobrás. Em 2015, quando a empresa começou a ser desmobilizada das bacias terrestres a fim de concentrar atividades na área do Pré-sal, nossa produção era de 65 mil barris de óleo equivalente/dia (boed). Em 2021, já registrava apenas 36 mil. Uma queda de quase 50%! Nesse caso, duplicar algo que foi praticamente abandonado não chega a ser um grande feito, né?
De acordo com o CEO da 3R, além das perfurações, o outro alvo dos investimentos é a ampliação de instalações. Na Refinaria Clara Camarão, o executivo diz que “não tem muita condição de aumentar produção de derivados”. Em outro trecho da entrevista, fala em “construir plantas para separar o óleo da água no campo”, a fim de “injetar essa água (…) no reservatório para manter a pressão, algo que a Petrobras não fazia, porque não é o foco dela”. Como o senhor vê essas declarações?
Nem vou me deter no tema da Refinaria Clara Camarão porque, como já disse, ela nem deveria fazer parte desse pacote. Em princípio, as concessões negociadas tratam de áreas de exploração e produção. Fica parecendo que a refinaria foi uma espécie de brinde, um mimo (risos). O SINDIPETRO está movendo uma ação na justiça questionando a inclusão da Clara Camarão, pois ela pertence ao refino, que é outra área de negócios.
Com relação aos esforços para revitalizar a produção, de fato, a injeção de água é uma das técnicas adequadas, utilizada para revigorar campos considerados maduros, que já passaram pelo pico de produção. O processo também exige o incremento da perfuração de poços injetores. Esse esforço, no entanto, é o mínimo que a sociedade poderia esperar de uma empresa petrolífera séria. Sem investimentos desse tipo, teríamos uma explotação meramente predatória.
“Seria como se você comprasse uma concessão com toda a infraestrutura de produção necessária, operasse até o limite do economicamente viável, pagasse os impostos e royalties devidos, e depois fosse embora. Temos que estar ligados em tudo isso porque essa riqueza, em última instância, pertence à União, ao RN, e deve reverter em melhoria das condições de vida do nosso povo”.
Outra coisa: dizer que a Petrobrás não desenvolvia atividades de revitalização da produção nos campos petrolíferos do RN é, no mínimo, desconhecimento, pra não dizer má-fé. Na entrevista, o próprio executivo reconhece, de forma ligeira, que o Campo de Canto do Amaro possui uma estrutura desse tipo. A Petrobrás foi a responsável pela quase totalidade das descobertas de jazidas de petróleo no RN, e a revitalização, como o próprio nome sugere, é algo que se faz quando se passa pelo pico da produção e ela começa a declinar. Em 2010, a Petrobrás inaugurou o maior vaporduto do mundo, aqui, no RN. A finalidade dessa estrutura era a de injetar vapor superaquecido, produzido pela Termelétrica de Açu, nos campos de Estreito e Alto do Rodrigues, a fim de aumentar os volumes de produção. Somente nesse empreendimento foi investido cerca de 200 milhões de dólares, o equivalente a mais de R$ 1 bilhão.
Passando ao aspecto econômico-social, o CEO da 3R Petroleum afirma que a empresa gera atualmente cerca de 1.000 empregos diretos e indiretos, atuando nos Polos Macau (RN), Areia Branca (RN) e Fazenda Belém (CE), e que já pagou R$ 100 milhões em royalties e R$ 200 milhões em impostos. Diz, ainda, que “com o Polo Potiguar”, será algo “entre 4 e 5 mil empregos diretos e indiretos”. Esses números são significativos?
À primeira vista, dizer que já pagou R$ 100 milhões em royalties e R$ 200 milhões em impostos é algo que impressiona, né? Não sabemos em quanto tempo foi feito esse desembolso: um ano? Dois? O certo é que na indústria do petróleo é comum tratar-se de cifras na casa de bilhões. Quando comparados ao faturamento, royalties e impostos representam uma fatia relativamente pequena. Os Polos Macau e Areia Branca, por exemplo, produzem, hoje, em média, 5.300 barris de óleo equivalente/dia (boed). E como o barril está cotado aproximadamente a R$ 420, deduz-se que a receita bruta anual dessas duas áreas pode alcançar valores superiores a R$ 800 milhões.
Mais importante que esses números, porém, é a capacidade da empresa gerar empregos diretos e indiretos. Isso depõe sobre a capacidade de atuar como instrumento de fomento ao desenvolvimento local. Considerando que entre 2016 e 2021 a Petrobrás transferiu 2.200 trabalhadores concursados para outros Estados, e que nesse mesmo período foram eliminados cerca de 10 mil empregos indiretos, essa reposição, se acontecer, será importante, mas claramente insuficiente para cobrir um saldo que é extremamente negativo. Mais uma vez é preciso refletir sobre a oferta da 3R para a década futura. Ela representa menos de 50% dos investimentos operados pela Petrobrás, na década passada.
Com tantos pontos questionáveis, que observações finais o senhor faria sobre as declarações do CEO da 3R Petroleum, já que essa empresa poderá, já em 2023, vir a se tornar detentora das concessões e instalações anteriormente operadas pela Petrobrás no RN?
Em primeiro lugar, eu diria que os diversos segmentos da sociedade norte-rio-grandense e, em particular, nossos representantes políticos, tanto nos parlamentos quanto nos executivos, precisam conhecer melhor o processo de desinvestimentos que pode resultar na retirada da Petrobrás da operação dos campos terrestres potiguares e na transferência sorrateira de fatias expressivas de seu patrimônio para a iniciativa privada.
“Sem compreendermos as verdadeiras motivações das mudanças de estratégia impostas à empresa, que deixou de ser um importante instrumento de promoção de desenvolvimento econômico-social para transformar-se em mera produtora e exportadora de óleo cru, extraído do Pré-sal, tende-se ao conformismo”.
Nesse sentido, para quem pretende suceder a Petrobrás no comando de uma cadeia produtiva complexa e diversificada, com forte impacto na economia local, considero as declarações do CEO da 3R muito vagas e inconsistentes. A sociedade norte-rio-grandense deve analisá-las com grande atenção e prudência, colocando sempre o interesse público em primeiro lugar. Afinal, essa imensa riqueza que está embaixo da terra pertence à União, e a empresa que pretenda se estabelecer como concessionária deve apresentar como missão, em primeiro lugar, uma atuação ética e com muito respeito ao RN e ao povo potiguar.