Os petroquímicos da Fafen-PR aguardam ansiosamente a tão esperada notícia da reabertura da fábrica. O fechamento interrompeu abruptamente carreiras e sonhos de centenas de trabalhadores. Leia a reportagem especial feita pela imprensa do Sindipetro Paraná e Santa Catarina
[Por Davi Macedo, da imprensa do Sindipetro PR/SC]
A tristeza pairava sobre todos que participavam daquela assembleia na noite de 3 de março de 2020. Sensibilizados e cheios de incertezas acerca do futuro, petroquímicos e petroquímicas aprovavam um pacote de benefícios por conta da demissão em massa na Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados do Paraná (Fafen-PR), unidade do Sistema Petrobrás localizada em Araucária.
Com uma canetada, o então presidente Bolsonaro determinou o fechamento da fábrica, com a consequente demissão de aproximadamente mil funcionários e a saída da Petrobrás do setor de fertilizantes. Pode-se dizer muitas coisas sobre o fatídico episódio, exceto que faltou luta dos trabalhadores.
Por 43 dias, o Sindiquímica Paraná, sindicato que representa a categoria dos petroquímicos, manteve um acampamento na porta da Fafen-PR, montado logo após o anúncio da hibernação da planta industrial. Muitos trabalhadores e seus familiares participaram daquele movimento naturalmente designado como “Fafen Resiste”.
A luta pela manutenção da fábrica de Araucária ganhou amplitude e a categoria petroleira decretou greve nacional, com duração de 20 dias, em função do descumprimento do Acordo Coletivo de Trabalho, que estabelece negociação prévia em casos de demissão em massa.
A pressão do movimento fez com que a Justiça do Trabalho do Paraná suspendesse as demissões e forçou a gestão bolsonarista da Petrobrás a abrir negociação com os trabalhadores. O resultado foi um acordo mediado pelo ministro Ives Gandra, do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Antes disso, o mesmo ministro havia julgado a greve ilegal e determinado multas milionárias aos sindicatos e à FUP.
A mobilização não evitou o encerramento das atividades da Fafen-PR e chegou-se ao acordo, mas não era o real desejo dos trabalhadores. “Para nós, petroquímicos, foi um momento muito ruim. Foi feito um acordo, mas não é o a categoria queria. Nós queríamos emprego, fábrica aberta e dignidade. O que fizeram conosco foi desumano, nos tiraram todas nossas conquistas, tanto pessoais, nas carreiras individuais, quanto coletivas, enquanto categoria organizada. Muitos ainda não superaram o fechamento da fábrica. Isso está vivo na cabeça das pessoas”, conta o coordenador do Sindiquímica-PR, Marco Godinho.
Mudança de rumos na política
Com o fim da era Bolsonaro e a vitória de Lula nas eleições, que trazia no seu programa de governo a reabertura da Fafen-PR, os petroquímicos vivem desde 2022 a expectativa de verem a fábrica novamente funcionando e retornarem aos seus antigos postos de trabalho.
A estimativa é de que a fábrica possa gerar mil empregos diretos e pelo menos outros três mil indiretos. Porém, a unidade precisa receber investimentos volumosos para voltar a operar, dado o estado atual de sucateamento da planta.
Uma Ação Civil Pública movida pelo Sindiquímica, Sindimont e Ministério Público do Trabalho (MPT) reivindica indenização à categoria por dano moral coletivo em função das demissões generalizadas. Está em negociação na Justiça do Trabalho a substituição de eventuais valores monetários da ação pela recontratação dos trabalhadores da Fafen-PR. Dessa forma, os demitidos de 2020 teriam prioridade nas contratações se a fábrica retomar a produção. A experiência técnica é outro fator que coloca os antigos funcionários em preferência, uma vez que determinadas funções podem levar até cinco anos para a preparação profissional plena.
Em audiência no dia 5 de fevereiro no TST, a Petrobrás pediu prazo até o dia 15 de abril para apresentar uma proposta de retirada da fábrica da hibernação e admissão dos trabalhadores.
Os petroquímicos da Fafen-PR aguardam ansiosamente a tão esperada notícia da reabertura da fábrica. O fechamento interrompeu abruptamente carreiras e sonhos de centenas de trabalhadores. Para compreender melhor a situação, ouvimos as histórias de três petroquímicos demitidos.
Recolocação com degradação de direitos
O técnico em inspeção de equipamento Marcos Antônio Bezerra Neves hoje tem 65 anos e é pai de dois filhos. Era empregado da Fafen havia 20 anos quando foi demitido por conta da hibernação da unidade. “Fomos vítimas de uma parcela de gerentes que tiveram participação na degradação da planta industrial. Foram criando situações para inviabilizar financeiramente, paralisando a produção, e assim justificar o fechamento da fábrica. O processo de encerramento foi criado ao longo de vários meses”, denuncia.
Marcos participou ativamente do movimento em prol da manutenção das operações da fábrica. “Houve uma mobilização geral dos sindicatos de petroquímicos e petroleiros. Recebemos visitas e apoio de companheiros de várias regiões do país, além de políticos sensíveis às causas sociais, principalmente do PT e demais partidos de esquerda, bem como de militantes do MST. Fizemos a greve, o acampamento na frente da fábrica e fomos ao Rio de Janeiro ocupar a sede da holding, ou seja, lutamos até onde foi possível. Infelizmente havia um governo federal e uma justiça trabalhista contra os trabalhadores”, lamenta.
Após o fechamento da Fafen-PR, o técnico de inspeção conta que teve que correr atrás de outras oportunidades e levou oito meses até a recolocação, mas as condições de trabalho pioraram. Hoje atua como terceirizado na Repar. “Acredito que essa situação ao menos serviu para darmos mais valor a um emprego digno. Então a minha vida profissional após a demissão da Fafen foi a afirmação da verdadeira degradação que os trabalhadores passam no dia-a-dia, com total falta respeito ao que restou das leis trabalhistas”.
Os impactos de todo o processo sofrido afetaram não apenas a vida profissional, mas também a pessoal. “Tive que me adequar às reais necessidades com os atuais recursos e assim continua até os dias de hoje. O que antes eram prioridades, passaram para segundo e terceiro planos. As relações com os parentes também foram atingidas em decorrência do radicalismo político. Infelizmente, os analfabetos políticos, ou pobres de direita, também estão presentes na minha família. Foi um período que tive a oportunidade de conhecer as pessoas e saber quem realmente merece ser chamado de amigo”, reflete.
Sobre as expectativas quanto à reabertura da Fafen-PR, Marcos é cauteloso. “Acredito que vai acontecer. Já com relação às possibilidades, penso que mesmo reaberta podemos ou não ter acesso aos empregos. Tudo vai depender de como o governo pretende reabrir a fábrica. Caso sejam feitas as parcerias como está se desenhando, com a volta da antiga gerência e seus coligados, vai se repetir o que houve na Bahia; ou seja, cabide de empregos para os apadrinhados e perseguições para quem não pensa como cordeirinhos”, finaliza.
De estagiário a técnico de operação, hoje terceirizado
Eliezer Silva Ferreira, 39 anos, já trabalhava na área industrial antes de pensar em ingressar no ramo petroquímico. No início dos anos 2000, chegou ao cargo de supervisor na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). A crise na cadeia do aço, em meados de 2006, fez com que repensasse sua carreira. “Eu pensava assim, é uma empresa do ramo de alimentação (antiga Ultrafértil), que forma a produção do que é essencial para a humanidade. Vou tentar entrar numa empresa assim, que quando vier uma crise, mesmo assim as pessoas vão ter que se alimentar”, recorda.
E assim, em 2009, Eliezer conseguiu um estágio na empresa petroquímica. Após cinco meses, conquistou uma vaga como técnico de operações. “Gostei muito do setor petroquímico. Eu tinha recém terminado meu curso técnico e já fui crescendo. Entrei na área de gaseificação, mas adquiri conhecimento na área de planta industrial, motores, reatores, caldeira, parte de paletização… Pensei, agora vou formar minha família, que aqui é uma empresa que valoriza as pessoas, eu senti muito isso dentro da empresa e achava que ia me aposentar ali dentro”.
Ao longo do tempo, constituiu sua família, com esposa e um casal de filhos. Infelizmente, o mau governo interferiu nos outros planos de Eliezer. Após 10 anos na função de técnico de operações, foi demitido juntamente com outros muitos trabalhadores na ocasião do fechamento da Fafen-PR. “Aconteceu esse desastre de entrar outro governo com visão diferente, querendo beneficiar empresários. Fechou a empresa com uma canetada. Não olhou para as famílias que tinha ali, as pessoas que ali trabalhavam, os pais de família… Para os governantes, não houve impacto, mas para nós trabalhadores o baque foi muito grande”.
Com a demissão, vieram as incertezas e as crises. “Foi bem difícil. Parece que você está no abismo, pronto para cair. Passei por crises de ansiedade que eu nunca tive antes. Devo até ter passado por depressão, mas eu tentei. O que me fortalecia era a minha família, os meus filhos, a minha esposa, que sempre me apoiou, que sabia da minha capacidade, mas é frustrante demais”.
Como desistir não é uma opção para um pai ou uma mãe de família, Eliezer foi à luta. Conseguiu alguns empregos em Araucária, mas logo foi chamado para trabalhar na Unigel, em Sergipe. Porém, o destino não quis que ele ficasse por lá. “Eu estava lá havia sete meses, mas aí meu irmão foi acometido por um câncer. Não hesitei, pedi a conta e voltei para cá. Infelizmente, perdi ele após um ano e oito meses na luta contra o câncer”, lamenta.
Atualmente, o antigo petroquímico da Fafen-PR trabalha como terceirizado na Repar, mas as condições de vida não chegam perto das anteriores. “É frustrante porque quando você chega na tua casa, vê teus filhos e pensa que poderia dar algo melhor para eles. Só que não consegue porque você está na empresa terceirizada, empresas que não valorizam nossa mão de obra”, reclama.
Em relação à reabertura da fábrica, Eliezer se demonstra um pouco incrédulo, talvez pelo cansaço gerado com os anúncios que até agora não se concretizaram. “Eu já perdi um pouco a esperança. É muita notícia, né? Acho que vai abrir e não abre. Eu, neste momento, estou em cima do muro. Eu já acreditei mais, hoje eu já não tenho muita convicção disso. Acho que poderia com esse governo atual reabrir, mas não está tendo tanta força assim para reverter. É o que eu penso”, afirma.
Abandono, depressão e esperança
Amauri Gilson “Riba” leva o sobrenome como “nome de guerra”, ou seja, o modo como quer ser chamado pelos seus companheiros de trabalho. Algo bem comum na área industrial e que já até foi adotado pelos formalíssimos setores de recursos humanos.
Hoje tem 46 anos, 18 dos quais foram dedicados à carreira na Fafen-PR. Sua história por lá começou em 2002 e sempre exerceu a função de operador. Em 2009, casou-se com a Priscila, com quem tem dois filhos, o José Aldair, de 14 anos, e a Ana Beatriz, com 12 anos.
Com tanto tempo de casa, a notícia do fechamento da fábrica foi recebida com muita frustração. “Lá dentro eu tinha companheiros, compadres e padrinhos. Então, fica difícil de acreditar. Mas depois caiu a ficha que fechou realmente. Não foi só uma fábrica, fechou as portas dessa família que existia ali dentro. Eu mesmo dediquei quase 20 anos da minha vida para a Fafen, sem poder fazer outra coisa, como estudar. Aí você percebe que não sabe fazer mais nada, você fica perdido e não quer acreditar no fechamento da fábrica. O sentimento é de ser abandonado”.
Nos movimentos de resistência pela manutenção da Fafen, Amauri deixa claro que a fábrica e os colegas de trabalho eram uma extensão da sua própria família. “Durante a greve, a gente ficava lá na frente e minha família também participava. Meus filhos iam lá jogar bola. Foram 43 dias no movimento na Fafen e fiquei também por 17 dias no Rio de Janeiro. Ficamos acorrentados ali na frente e foi difícil até o último momento. Eu pensei que não ia fechar e foi difícil da ficha cair. Mesmo após o encerramento, voltando pra casa, ainda ficou aquela incerteza se tudo aquilo era mesmo verdade”, lembra.
Com a demissão, veio a depressão. “Fiquei um ano inteiro mal em casa, abatido. Não queria sair de casa por nada. Não conseguia reagir. Parecia uma doença que fazia com que você não prestasse para mais nada. Uma agonia muito grande. Levou um ano com minha esposa me ajudando a sair de casa para procurar emprego, mas era uma depressão muito profunda. Até procurei ajuda médica e tomei uns remédios para poder reagir”.
A doença foi se curando aos poucos, mas deixou marcas. “Depois comecei a reagir, mas ainda hoje eu sonho com aquilo. Ser operador era meu sonho. Aquilo era tudo que eu sabia fazer. Até hoje, se me perguntar, eu sei tudo daquilo. Ainda sinto que tenho bastante ligação com a fábrica”.
Amauri superou a depressão e conseguiu a recolocação profissional na área industrial, mas as condições não são as mesmas do passado. “Surgiu um emprego e eu esqueci um pouco daquele episódio. Foi bom, estou trabalhando até hoje. Claro que o salário nem se compara, muito menos as funções. Estou em uma empresa próxima à Fafen. Tive que fazer cursos para aprender a pilotar uma máquina e trabalhar como operador de retroescavadeira. Mas ainda hoje estou na esperança de voltar e voltar bem, na função que eu estava antes do fechamento da fábrica”.
Quando se fala em reabertura da Fafen-PR, Amauri demonstra muita positividade. “A fábrica foi fechada politicamente e vai reabrir politicamente também. O país mudou completamente de rumo, com cenário de aumento de empregos. Antes tínhamos um governo golpista que fechou a fábrica, maquiando um prejuízo para a sociedade acreditar. Agora veio outro governo mostrando a verdade, que não era para fechar e que a reabertura vai ser muito importante para a agricultura, não deixando o Brasil dependente de outros países em relação aos fertilizantes. Não ter insumos agrícolas é a mesma coisa que não ter comida. O cenário é favorável e eu acredito muito na necessidade de reabrir urgentemente a Fafen”, aponta.
Reabertura por soberania alimentar
Além de impulsionar a economia local com geração de emprego e renda, retomar a produção da Fafen-PR beneficiaria o setor agropecuário, com a diminuição da dependência de insumos vindos do leste europeu, Ásia e Oriente Médio. Cabe destacar que esses produtos aumentaram de valor em função das guerras entre Rússia e Ucrânia e Israel e Palestina.
Atualmente, o Brasil é o quarto maior consumidor de fertilizantes do mundo e importa 85% do que utiliza. Antes da hibernação, a Fafen-PR respondia por parte significativa da ureia e amônia do mercado brasileiro, que são matérias-primas na fabricação de fertilizantes.
Estima-se que a reabertura da Fafen-PR e a conclusão das obras da Fafen Mato Grosso do Sul (Fafen-MS) poderão reduzir pela metade a importação desses insumos agrícolas e, em consequência, reduzir o preço dos alimentos no Brasil.