Carta Maior
Buenos Aires – Em um dia histórico para a Argentina, a Câmara de Deputados aprovou por ampla maioria o projeto de expropriação de 51% das ações que a empresa espanhola Repsol possuía na YPF. A partir dessa decisão, o controle da Yacimientos Petrolíferos Fiscales, empresa fundada no início do século XX, e após vinte anos de ter sido privatizada, volta às mãos do Estado.
Após dois dias de debates, a Câmara baixa decidiu a transformação da petroleira por 207 votos a favor, 32 contra e 6 abstenções. O projeto, que já havia sido aprovado no Senado, foi apoiado por diversas forças políticas. Além do apoio oficial do Frente para a Vitória, Novo Encontro e de outros partidos provinciais, também votaram a favor o radicalismo, a Frente Ampla Progressista, Projeto Sul e outras forças aliadas e opositoras ao governo.
As intervenções de cem oradores em dois dias de sessões, classificadas como “históricas” pela envergadura do projeto, tiveram como resultado um amplo apoio à expropriação da YPF. O projeto convertido em lei declara de “interesse público e nacional a soberania hidrocarbonífera da República Argentina”, assim como “a recuperação da autossuficiência energética e a exploração, distribuição e comercialização de hidrocarbonetos”. Além disso, prevê que 51% das ações fiquem nas mãos do Estado nacional e os 49% restantes permaneçam com as províncias que integram a Organização Federal de Estados Produtores de Hidrocarbonetos (Ofhepi). Desta forma, a configuração da nova YPF Sociedade Anônima fica assim: 26,03% nas mãos do Estado; 25,46% nas mãos do grupo Petersen; 24,99% para os distritos petroleiros, 15,35% em ações cotadas na Bolsa, 7,23% para a Repsol.
Durante a extensa jornada, as autoridades da Câmara foram rigorosas no cumprimento dos cinco minutos destinados a cada parlamentar, cortando o som de quem ultrapassasse esse limitasse e avançasse sobre o tema do seguinte inscrito.
Agustín Rossi, presidente do bloco de deputados Frente para a Vitória, disse que “as decisões estão sendo tomadas em um contexto bem determinado”. Ele lembrou a figura do ex-presidente radical Hipólito Yrigoyen que criou a YPF ao final de seu primeiro governo. Além disso, denunciou que “a YPF financiou o crescimento da Repsol em outros lugares do mundo, que o petróleo funciona como uma commoditie, manejada pela especulação financeira que destrói qualquer tentativa de crescimento econômico”, e assinalou que a partir de agora se converterá em um “insumo básico e indispensável para o crescimento do país”.
A respeito da expropriação da YPF e a ordem jurídica, a deputada kirchnerista Rosana Bartone disse que “a expropriação encontra guarida na Constituição”. “Qualquer Estado pode expropriar entidades estrangeiras amparando-se no direito internacional (…) Não há discriminação na decisão se ela prevê uma compensação justa”, acrescentou.
No projeto de lei enviado ao Congresso declara-se de utilidade pública e sujeito à expropriação 51% do patrimônio da YPF S.A., representado por igual porcentagem das ações classe D da empresa pertencentes a Repsol YPF S.A. Estabelece ainda que o preço dos bens sujeitos à expropriação será determinado de acordo com a Lei 21.499, de 17 de janeiro de 1977. O cálculo será efetuado pelo Tribunal de Taxações da Argentina.
O deputado nacional Héctor Recalde felicitou a decisão da presidenta Cristina Fernández de Kirchner e ressaltou a militância dos jovens como fator fundamental desta luta. Já o deputado José María Diaz Bancalari assegurou que o projeto de recuperação da YPF representa um eixo estratégico na história do país. Fernando “Pino” Solanas, do projeto Sul, manifestou-se “esperançoso” em que a “feliz iniciativa não seja um fracasso”. A deputada Victoria Donda propôs que a futura YPF seja uma sociedade anônima com participação estatal majoritária e não uma S.A sem controle por parte dos organismos do Estado.
O ambiente no plenário, nos gabinetes e corredores do Congresso era de festa. Havia muitos balões, cartazes e faixas de organizações sociais, sindicais e de juventude que foram ao Congresso Nacional apoiar o governo. Os militantes começaram a chegar à tarde em frente ao Parlamento e passaram o tempo cantando palavras de ordem. Ao anoitecer, cantaram e dançaram com as canções interpretadas por uma banda.
Apesar de certa divisão interna, o radicalismo apoiou a iniciativa e repartiu as críticas para o governo e para seus próprios deputados que se rebelaram contra a postura partidária. Ricardo Alfonsín, filho do ex-presidente, assinalou: “Acreditamos que é necessária a reestatização da YPF para reparar o erro que cometeram na década de 90. Por isso vamos votar a favor, por uma questão de princípios”.
A presidenta da Associação das Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto, agradeceu à presidenta Cristina Fernández de Kirchner pela iniciativa da lei de expropriação. “Quero agradecer á presidenta Cristina que é uma filha dileta, uma militante e companheira dos 30 mil desaparecidos, que realiza sonhos que eles acalentaram, mas que a ditadura não permitiu que vivessem. As avós apoiam essa iniciativa, não partidária, mas sim histórica”, afirmou.