Maior entidade indígena de Roraima diz que denúncias foram ignoradas e responsabiliza políticos e empresários do garimpo
O Conselho Indígena de Roraima (CIR) garante haver evidências suficientes para julgar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por genocídio de povos indígenas. Entre elas, o sucateamento e a militarização da Funai, que fortaleceu o garimpo ilegal e resultou na crise humanitária enfrentada pelos Yanomami.
“Há relatos, documentos e registros oficiais de que estava em curso um projeto de extermínio dos povos indígenas no Brasil, principalmente na Terra Indígena Yanomami”, declarou o assessor jurídico do CIR, o advogado Ivo Macuxi, em entrevista disponível na íntegra a seguir.
O CIR acompanhou a visita de Lula (PT) à Boa Vista (RR), onde o presidente anunciou medidas emergenciais para acabar com o garimpo ilegal. Com mais de 50 anos de existência, a entidade atua em 35 terras indígenas e ajudou a denunciar o descaso do governo federal com a emergência sanitária dos Yanomami.
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“A gente espera que sejam adotadas medidas urgentes. É preciso acelerar o processo de retirada de invasores da Terra Indígena, que está gravando a situação”, afirmou o assessor jurídico do CIR.
Ao Brasil de Fato, Ivo Macuxi disse também que é preciso responsabilizar políticos locais, que estimularam a expansão do garimpo em terras indígenas. E pediu punição a empresários, que lucram alto com a atividade ilegal.
Confira abaixo a entrevista completa.
Brasil de Fato: Bolsonaro é responsável pela crise humanitária nos Yanomami?
Ivo Macuxi: Nos últimos quatro anos houve o desmonte de dos órgãos fiscalizadores e de proteção aos povos indígenas. Principalmente da Funai, que passou por um processo de militarização.
Mesmo assim, as lideranças indígenas e organizações Yanomami têm denunciado o descaso e a omissão deliberada do poder público federal. Hoje vemos que não foi em vão, que as denúncias foram encaminhadas e agora estão repercutindo porque o novo governo assumiu o compromisso de fazer alguma coisa para proteger e salvar o povo Yanomami.
Há relatos, documentos e registros oficiais de que o que estava em curso era um projeto de extermínio dos povos indígenas no Brasil, principalmente na Terra Indígena Yanomami.
Quantas vezes o CIR pediu ajuda do governo Bolsonaro para a Terra Indígena Yanomami?
A gente fez pelo menos cinco denúncias diante dessa omissão. A Hutukara Associação Yanomami denunciou mais de 20 vezes ao longo dos anos. Denunciamos através de cartas e relatórios.
Mas, diante da omissão, começamos a fazer ações emergenciais para atender os indígenas com alimentação. Começamos a fazer campanhas por atendimento a comunidades que estavam em situação crítica.
Inclusive pedimos apoio do Ministério da Defesa e do Ministério da Justiça e Segurança Pública na questão logística para levar alimentação. Mas a gente não conseguiu resposta. Agora, com esse governo [federal], a gente pretende fortalecer o diálogo para continuar as ações de atender as comunidades indígenas.
Você tem expectativa de que o Bolsonaro responda criminalmente por essa conduta, seja em uma corte internacional ou internamente no Brasil?
Claro. Há provas contundentes de que isso de fato estava acontecendo, que eles [governo Bolsonaro] estavam negando atender o povo Yanomami.
Com a militarização da Funai, foram colocadas pessoas sem conhecimento técnico, sem conhecimento da realidade dos povos indígenas, dessas particularidades culturais. Pessoas que desconhecem tudo isso e não sabem lidar com povos indígenas.
Tudo o que se revelou nos últimos dias reforça as denúncias de que o governo Bolsonaro cometeu crime de genocídio contra os povos indígenas
Isso causou o atraso da execução de políticas públicas, que gerou a falta de atendimento na saúde, na educação e na proteção territorial.
Qual a responsabilidade dos políticos do estado de Roraima?
Pouco se fala dos governos locais. Mas houve sim participação integral de muitos deles, inclusive do governo do estado de Roraima. O governador Antônio Denarium, por exemplo, apresentou um projeto de lei para legalizar o garimpo que posteriormente foi derrubado pelo Supremo Tribunal Federal, porque os povos indígenas se mobilizaram.
Mesmo assim, foi apresentado um novo projeto proibindo destruição de equipamentos apreendidos no garimpo e proibindo a participação das forças policiais do estado de Roraima no apoio à Polícia Federal e Exército nessas operações. Então houve sim participação de políticos e governantes locais e, inclusive, de vários empresários.
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Há uma investigação em curso sobre a participação do empresário Rodrigo Cataratas [por suspeita de promover apoio logístico ao garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami. Esse empresário foi candidato [a deputado federal] pelo partido de Bolsonaro. Felizmente ele não chegou a ganhar. Então há forte influência de políticos e empresários locais.
Uma operação da Polícia Federal chegou investigar desvio de medicamentos que foram comprados para tratar os indígenas…
Isso, há essa influência de políticos locais de indicar pessoas e apadrinhados políticos para desviar recursos e atender empresários locais. Então chegou o momento de mudar isso. O governo deve respeitar as indicações do movimento indígena.
Qual deve ser o próximo passo para solucionar de uma vez por todas a situação dos Yanomami?
A gente espera que sejam adotadas medidas urgentes. É preciso ações para atender o povo Yanomami e, de fato, acelerar o processo de retirada de invasores da Terra Indígena, que está gravando a situação.
Há inclusive decisão judicial determinando que a União cria o plano emergencial de atendimento aos indígenas e de retirada dos invasores. Isso tem que ser feito na prática, com participação das lideranças e organizações indígenas que atuam com o povo Yanomami.
As lideranças indígenas seguem ameaçadas nos territórios. Estão expostas a garimpeiros armados, muitas vezes ligados a facções criminosas do Sudeste. Como protegê-las?
É verdade. Existe uma rede proteção federal, mas deveria ser adaptada à realidade indígena. A gente precisa garantir a proteção dessas pessoas, ouvindo as lideranças e a realidade de cada uma. Não existe nenhum programa específico de proteção a esses povos.
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Há inclusive lideranças que estão no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH). Mas isso não garante, de fato, a proteção interna. E, com essas denúncias, a repercussão da situação da terra Yanomami veio à tona, inclusive essa dificuldade na segurança.
Edição: Rodrigo Durão Coelho