Em artigo divulgado nesta terça-feira, 26, o doutor em Direito do Trabalho e professor da Universidade Federal do Paraná, Wilson Ramos Filho explica as motivações ideológicas por trás da decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) de “sem nenhuma moderação bloquear as contas correntes dos sindicatos fixando estratosférica multa DIÁRIA de DOIS MILHÕES DE REAIS para impedir a greve dos petroleiros”.
Leia a íntegra:
Sinédoque
A Justiça do Trabalho que conhecíamos já não existe. Teve origem e trajetória controversa, primeiro como arbitragem pública obrigatória, no âmbito do Poder Executivo, depois, a partir dos anos 40, como ramo autônomo da jurisdição, já no Poder Judiciário. Passou por fases, umas mais “redistributivistas”, outras mais adequadas à função ambivalente de assegurar a paz social, reprimindo as mobilizações coletivas, ao mesmo tempo que, no plano individual, impunha o cumprimento dos direitos estabelecidos em leis ou em instrumentos normativos.
A JT do terceiro milênio, contudo, experimentou uma alteração significativa. Os concursos públicos a partir do início do corrente século permitiram que um seguimento social identificado com valores individualistas, hedonistas e de direita ocupasse sua estrutura institucional, seja na magistratura, seja em seu pessoal administrativo. Hoje a Direita Concursada é maioria na JT. As aposentadorias dos mais antigos alterou a correlação de forças interna de tal modo que aquela JT que conhecíamos já não existe mais. Remanescem, reconheça-se, juizes e servidores comprometidos com a principiologia do Direito do Trabalho, mas estes constituem minoria que tende a ficar cada vez mais irrelevante numericamente.
Uma das espécies de metonímia, figura de linguagem, a sinédoque consiste na substituição de uma palavra por outra, ampliando ou restringindo o sentido semântico da frase ou da ideia expressada.
Por sinédoque e por apego nostálgico muitos que defendem a heteronormatividade, a atribuição por lei de direitos e deveres às partes em relações de emprego, expressam sua opção axiológica na Defesa da Justiça do Trabalho. Querem, ao defender a JT, expressar a defesa do DT que conhecíamos.
Todavia, o DT depois das reformas trabalhistas decorrentes do golpe de 2016 já não é o mesmo, e a JT que temos já não se pauta pelos mesmos valores que a caracterizavam durante os primeiros sessenta anos de sua existência.
Evidência desta significativa alteração encontra-se desnudada na decisão de Ives Gandra Martins Filho atendendo ao que postulou a PETROBRAS para reprimir e tentar impedir a greve dos petroleiros.
“TutCautAnt – 1000961-35.2019.5.00.0000
Quanto à postulação patronal, acolho-a em parte, com lastro no art. 297 do CPC, para: 1) autorizar a Autora a suspender o repasse mensal às entidades sindicais rés de verbas a elas destinadas, até o limite das multas impostas no presente feito; 2) determinar o bloqueio cautelar das contas das entidades sindicais rés que aderiram à paralisação, no limite de R$2.000.000,00 (dois milhões de reais) a cada dia de prosseguimento do movimento paredista.
Intimem-se as Partes com urgência. Cumpra-se.
Publique-se.
Brasília, 25 de novembro de 2019.
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO Ministro Relator”
A mesma JT que acolhe, com impudico entusiasmo, a “prevalência do negociado sobre o legislado” decide sem nenhuma moderação bloquear as contas correntes dos sindicatos fixando estratosférica multa DIÁRIA de DOIS MILHÕES DE REAIS para impedir a greve, para obstaculizar a negociação. Essa é a JT que temos.
Apesar disso, e de todo o resto, muitos advogados insistirão na defesa acrítica e incondicional da JT.
O velho Graciliano Ramos, um mestre na utilização das figuras de linguagem, por um de seus personagens, eternizou o “não arriscaria prejudicar a tradição, embora sofresse com ela” (Vidas Secas, p. 76).
Haja sinédoque.
Por Wilson Ramos Filho (Xixo), doutor, professor de Direito do Trabalho (UFPR), autor do livro Direito Capitalista do Trabalho