“Os mais pobres perderiam com a saída de Dilma.” A opinião é do advogado especialista em assessorar grandes empresas nas bolsas de valores. Impeachment seria golpe, diz

 

 

Sócio de uma grande banca de advogados em São Paulo, situada nos arredores do principal centro financeiro do Brasil, Walfrido Warde Júnior é especializado em mercado de capitais. Ele organiza e assessora a atuação de grandes empresas na venda de ações e debêntures nas bolsas de valores.

Ele tem se destacado ao longo deste ano por defender uma proposta que pode colocar de volta à plena atividade o setor de infraestrutura – hoje paralisado em grande parte por conta das investigações da Operação Lava Jato – ao mesmo tempo em que permitiria à União recuperar o dinheiro desviado nos esquemas de corrupção.

Walfrido crê que esse plano não saiu ainda por conta da crise política. Crise que, se desembocasse na cassação do mandato de Dilma Rousseff, prejudicaria especialmente os trabalhadores e trabalhadoras, ao interromper de maneira brusca a construção de políticas sociais que vêm sendo aplicadas nos últimos 12 anos, “coisa que nunca se tinha feito antes”.

Leia os principais pontos da entrevista, concedida na última sexta-feira (11), ao site da CUT:

Com essa crise, que vem seguramente há pelo menos um ano, é possível fazer uma estimativa das perdas das empresas brasileiras nas bolsas de valores nesse período?

Nós vivemos uma situação que é sistêmica. Há uma perda geral de valor dos ativos, porque as empresas passaram a ganhar menos.  Além disso, a espinha dorsal do capitalismo brasileiro, que é o setor de infraestrutura, sofreu um baque tremendo com a Operação Lava Jato. Aqui eu não estou dizendo que a Lava Jato é errada, que não deveria acontecer. Ninguém no Brasil deve ser contra o combate à corrupção. A questão é que o combate à corrupção no Brasil, sua disciplina jurídica, cria um problema para o carro-chefe da economia brasileira, que é o setor de infraestrutura, que reúne as maiores empresas do Brasil, em torno das quais gravitam empresas menores. Então, no momento em que você tem as principais empresas do Brasil claudicantes, as demais também perdem valor.

É possível estimar de quanto é essa perda, em média?

As empresas brasileiras listadas nas bolsas de valores perderam metade de seu valor. O índice Bovespa (que retrata a média do valor das ações de empresas listadas em bolsa) chegou, no ápice do governo Lula, a 80 mil pontos. Nós estamos agora em 44 mil pontos. Há números divulgados pelo Bradesco que apontam para 5 milhões de empregos formais a menos até maio do ano que vem. Se você considerar que em torno de cada emprego representa um núcleo familiar de geração de renda de, em média, quatro pessoas em média, são 20 milhões de pessoas sem renda.

Era possível ser diferente? Sei que você e outros advogados têm uma proposta para destravar o setor de infraestrutura. Explique um pouco do que se trata.

Por que estamos com problemas, é por causa da Lava Jato? Muitos desses caras delinquiram, muitos inclusive confessaram. O problema é que a disciplina jurídica do combate à corrupção não apresenta uma saída para a empresa, não distingue a empresa do empresário. O combate à corrupção no Brasil, do jeito que é hoje, praticamente impõe uma pena de morte às empresas. Há a punição para a pessoa física, que é cana. Há multa e indenização para pessoa física e jurídica. E há a punição política para pessoa física e jurídica, que é a proibição de contratar com o poder público. Isto é um problema para as empresas de infraestrutura, porque elas contratam com o poder público, é só o que elas fazem – tomam empréstimos com bancos públicos ou fundos de pensão, são concessionárias de serviços públicos ou contratam grandes obras. Portanto, a proibição de contratar com o poder público é uma pena de morte. E o que dá para fazer para evitar isso? Acordo de leniência não dá, porque esse acordo só se aplica à primeira pessoa jurídica que, antes de descobrirem a sacanagem toda, fosse lá nos órgãos de controle – AGU, CGU, Ministério Público – e dissesse ‘olha, eu fiz uma coisa errada, mas não vou fazer mais e vou colaborar com a Justiça para prender todo mundo que também fez’. Para essa primeira pessoa jurídica vale a leniência, mas só se ainda não tiverem sido ajuizadas ações de improbidade contra ela. O fato é que já foram ajuizadas mais de 20 ações de improbidade contra quase todas as empresas citadas na Lava Jato. Portanto não dá para fazer acordo de leniência nem qualquer acordo em que a União renuncie a qualquer direito.

Então não se trata de acordo de leniência?

Não. A única coisa possível é pagamento integral das multas e indenizações. Então é o seguinte: a Petrobrás já calculou o dano em 3% do total dos contratos, o que dá 6, 1 bilhões. Estamos falando só de Lava Jato. Além disso, tem a multa, que vai de 10 vezes (sobre o valor do dinheiro desviado) ou até 20% do faturamento de cada uma. A única maneira de essas empresas voltarem a contratar com o poder público é pagar integralmente essa indenização e essa multa. Como estão muito mal, só há um jeito interessante para o Brasil de as empresas pagarem essa quantia: pagar com ações, com participação societária, dos projetos. Projetos de aeroportos, de ferrovias, de termelétricas… Como se faz isso? A União avalia qual a dívida de cada uma dessas empresas, depois avalia as ações no projeto A, B ou C. As empresas dão essas ações, a União vende em leilão no mercado de capitais e, se conseguir cobrir o total da dívida, ok. Se não, a empresa ainda tem de pagar a diferença.

E quem compraria essas ações?

O mundo inteiro. Grupos estrangeiros e muitos grupos brasileiros também. O que muitos sempre reclamaram do setor de infraestrutura? Que é cartelizado. Essa seria a oportunidade de abrir o setor e ainda fazer isso com reserva para o conteúdo nacional, com transferência de tecnologia, participação de capital brasileiro e garantia de mão-de-obra local. É uma oportunidade gigantesca.

O que impede essa ideia de emplacar?

A crise política.

O que o mercado acha da proposta?

O mercado bate palmas. Só as empreiteiras é que mais ou menos, porque elas teriam de pagar tudo. Elas preferem pagar uma multa em suaves prestações e depois eu resolvo. Elas estão tentando emplacar isso no Congresso, com uma lei tipo “lavou tá novo”. Já a nossa proposta não precisa de nova lei, pois já existe. É a lei de transação público-privada da AGU. A solução está aí.

As empresas de comunicação também sofrem com a crise, porque há uma retração dos anunciantes. Por que, apesar disso, há o que parece uma torcida dos meios de comunicação para que a crise se aprofunde?

Não acho que há uma torcida. O que acho que há é uma percepção por parte do mercado de que a presidenta Dilma não é uma boa gestora. Todos a consideram honesta, mas muitos acham que é má gestora. E a imprensa reverbera isso, e até incentiva isso.

Enquanto isso, do lado das centrais sindicais, há a percepção de que um possível substituto da Dilma imporá medidas drásticas de corte, e que isso levará a mais arrocho salarial, perda de direitos, mudanças restritivas na Previdência Social. Você concorda?

Concordo. Quem sempre pagou a conta nesse país? Toda a vez que o Estado não tem dinheiro, corta gastos e aumenta impostos. Estamos num ciclo de 12 anos que mudou um pouco essas coisas, a verdade é essa. Evidentemente que numa ruptura quem vai sofrer mais são essas políticas sociais. Quem mais vai sentir é o trabalhador. O povo sofrido que recebeu alguns milhões em políticas sociais vai perder. Isso em efeito reflexo. Porque com o encolhimento da economia, terá efeito imediato no emprego e na renda. E aí residem as críticas às medidas do ministro Levy (Joaquim, ministro da economia). Será que a única ou a melhor saída para crise é cortar investimentos? Se desencalacrássemos o setor de infraestrutura, iríamos voltar a movimentar a economia.

Quanto tempo levaria para que essa proposta de destravar a infraestrutura, depois de os atores sociais sentarem à mesa, fosse colocada em prática?

Basicamente pressupõe um decreto presidencial e uma portaria do advogado-geral da União. Só. E vamos lá. Ninguém seria obrigado a aderir, é livre adesão. Agora, eu não sei por que isso não acontece. Ou melhor, eu sei: a presidenta está tentando se manter no cargo. A ameaça ao mandato dela é real.

Há fundamentos jurídicos para o impeachment da Dilma?

Olha, eu não sou advogado constitucionalista. Mas sou advogado. Tudo o que eu li a respeito, tudo o que eu estudei, me dá a plena convicção de que não. Primeiro, eu não posso impedir um presidente por algo que ele cometeu no mandato passado. Eu não posso cassar o mandato vigente por uma possível ilegalidade do mandato anterior.

Supondo que houvesse tido ilegalidade?

 Quando se fala em “pedalada fiscal”, estamos falando de atraso de repasses da União para bancos públicos. Demorou para entregar, porque há um problema de fluxo de caixa. Em relação ao mandato anterior, já houve o julgamento no Tribunal de Contas da União. Então, a presidenta não pode ser impedida por um ato de mandato que já se encerrou. E se for, também deverá ser o vice-presidente da República, que praticou os mesmíssimos atos. E me causa um pouco de irritação, senão revolta, o argumento – que não é técnico – que diz ‘olha, a presidenta está inserida na podridão atribuída ao PT, de um modo geral’. Não se pode olhar o mandatário do Executivo como se fosse um membro do partido. Nós temos de julgar a presidenta da República por seus atos como tal. Não pelos atos do senador Delcídio do Amaral, de ex-ministros, e por aí adiante. Se a gente permite essa infiltração ideológica num processo jurídico, o processo deixa de ser jurídico para ser político. E se passa a ser político, qualquer um passa a ser alvo. E isso é o fim da democracia. E é isso que me preocupa. Não é exatamente o bem da pessoa Dilma, nem a manutenção do cargo. O que me preocupa é a afronta à Constituição e à democracia.