Vendilhões de alma







Escarro-te nesta tua vil e imunda cara  

Excretando todos os meus dejetos abstratos

Numa mistura de asco e repugnância rara

Definindo nesta vil balança nossos pratos.


-Vai, pula para o prato dos donos teus

Seja um verme submisso e obediente

Junte ao deles, teu caráter pouco olente

Subjugando-te ao cinismo destes filisteus.

 

Permaneço aqui neste prato combativo

Onde dignidade e coragem fazem celeiro,

Jamais arrefecendo o espírito da luta.

 

Nunca como tu, serei um filho da pluta

Mas desta mãe empresa como filho putativo

Serei sempre, sempre e sempre PETROLEIRO.

Este soneto, intitulado Soneto ao Pelego Amigo, foi escrito em 1995, durante o grandioso movimento da categoria petroleira, frente aos desmandos do governo Fernando Henrique Cardoso, que dentro da sua política neoliberal tentou acabar com a Petrobras. Este soneto fora direcionado, a época, para todos os pelegos que corroboraram com os ideais nocivos à pátria e ao povo brasileiro.

Hoje, 16 anos depois, os petroleiros se mobilizam em campanha salarial, cujo eixo central é a Defesa da Vida. Em decorrência de uma política de SMS, que vem se mostrando por demais ineficiente, o somatório de mortes ocorridas no Sistema Petrobras neste mesmo período já ultrapassou a inaceitável soma de mais de 300 companheiros mortos, de cujo total mais de 80% são do efetivo terceirizado.

A atual gestão da Empresa, através de uma forte política de práticas antissindicais, desenvolve um processo de cooptação junto a um determinado segmento de funcionários que dão mostras de um comportamento vendável, estabelecendo para si valores pagos facilmente por meio de bônus funcionais, ou “subornus”, como bem adjetivou o movimento sindical petroleiro, subvenções, ascensões funcionais pautadas não na competência técnica. São atitudes fundamentadas na incapacidade de demonstrar caráter, altivez, orgulho e coragem para defender seus próprios interesses, quando em claro conflito com os interesses da Empresa, sem se subjugar a seus mandos e desmandos. A Instituição estabelece total domínio da vontade, do discernimento, da moral e das virtudes destes funcionários. Assim, distribuindo de óbolos, a empresa paga valores e virtudes que “homens” emprestam a depreciados “trabalhadores”.

É para estes “trabalhadores” que o soneto é agora dirigido. Vocês não podem estabelecer para si uma vinculação incondicional às funções que lhes são delegadas, porque quando a Empresa afirma que os “seus gerentes, seus coordenadores e seus supervisores” devem abdicar ao direito de exercer a defesa dos seus direitos, vocês estão se submetendo passivamente aos seus mandos, partilhando com a responsabilidade pelas mortes que advirão pela continuidade das inconsequentes políticas de SMS praticadas.

Você, trabalhador off-shore, que se submete aos riscos e ao caos do transporte aéreo na Bacia de Campos, à constante degradação das condições de acomodações e hotelaria, além do processo de deterioração das instalações e equipamentos das Unidades Operacionais, não pode, quando do chamamento para compor “equipes de contingência”, despedir-se de filhos e esposa, afirmando que se ausentará para trabalhar. Você não pode. O seu atendimento a este chamado representa, de fato, a sua anuência com a indústria de mortes mal disfarçada na política de SMS implementada pela Companhia.

A partir do seu alinhamento com esta prática, obtido através da subvenção espúria a qual se submeteu, você deixa clara a sua opção em defesa da morte dos verdadeiros trabalhadores. Aqueles que de fato se despedem dos familiares para iniciarem uma jornada rumo ao trabalho, mas sequer têm a garantia de concluí-la em decorrência da instabilidade do transporte aéreo que é oferecido. A sua atitude em não diferenciar pessoalidade de impessoalidade na sua relação trabalhista com a Empresa mostra o nível de adestramento, cujos comandos são definidos através das propinas descaradamente aceitas. Saiba que esta migalha pecuniária deixará em suas mãos as marcas do sangue e na sua consciência o peso pela vida dos trabalhadores que possam vir a morrer.

Poesia é uma abstração da realidade em forma de versos e estrofes. A sua mensagem, um punhal a perfurar a consciência dos endereçados. Assim, mesmo que existam aqueles que se locupletam leiloando suas ações e condutas que venham a significar a morte de outrem, haverá sempre aqueles que lutam inclusive em prol dos seus carrascos, cujas próprias vidas ironicamente botam preço.