Vazamento de gás tóxico na P-35 é chamado de "passagem" pela Petrobrás

Leia o relato de um trabalhador da plataforma.





Sindipetro NF

A guerra semântica não é novidade. Todo estrategista sabe que uma batalha começa pela comunicação. E uma das mais surradas artimanhas é a utilização de pleonasmos para amenizar situações desfavoráveis. Com a Petrobrás não é diferente, e o lançamento do momento é o tal do “passamento”. 

O Sindipetro-NF teve notícia de uma certa aplicação para o termo na semana passada, após mais um caso grave de insegurança na base de Cabiúnas, que resultou numa nuvem de gás na atmosfera, num “trancaço” do sindicato e numa comissão de investigação. Na reunião extraordinária da Cipa, da qual participaram diretores do Sindipetro-NF, a gerência do terminal informou a boa nova: o sindicato está “banalizando” a expressão “vazamento”, o mais correto tecnicamente é “passagem”.

Não é uma beleza? Vazamento agora é “passagem”. E o sindicato achando que toda vez que alguma sai do lugar de onde ele não deveria ter saído, até mesmo uma informação, de modo descontrolado, seria um vazamento. Tivemos então em nossa história “passagem” de óleo na Baía de Guanabara, algumas “passagens” de petróleo na Bacia de Campos e várias linhas das mais diversas substâncias com “passagens” nas plataformas. Estamos passados por só sabermos disso agora.

Mas há antecedentes. A categoria conhece bem um certo “pouso forçado”. Quando a empresa vem com a história de que houve um “pouso forçado” no mar todo trabalhador já sabe: caiu um helicóptero. A última tragédia começou a ser anunciada como um “pouso forçado”. Em outros episódios aconteceu o mesmo.

Sem querer enfrentar definitivamente as suas centenas de pendências de segurança – ou deveríamos chamar de “pontos de melhoria”? – a empresa tenta ganhar na palavra a batalha que está perdendo no mundo concreto. E não vão demorar para chamar “mutilação” de “desprendimento de membro corporal” e “morte” de “despedida involuntária”.

É por isso que os trabalhadores devem estar atentos às mais sutis táticas de propaganda e de amenização das situações que, no dia-a-dia, ele sabe a gravidade que envolve. Não foram poucos os acidentes, os tais “incidentes”, que a Petrobrás classificou como não graves para tentar não cumprir o Acordo Coletivo de Trabalho e incluir um diretor sindical na comissão interna de investigação – como, a propósito, fez com a “passagem” de Cabiúnas.

O trabalhador sabe na carne o risco que corre. Para o Sindipetro-NF, vazamento vai continuar sendo vazamento. E “passagem” é quando morre, por exemplo, uma vítima de acidente no trabalho.

Relato de um trabalhador de P-35

Petroleiro da Bacia de Campos*

Acordei às 06:00 como de costume, me dirigi ao refeitório, tomei o meu café e já me preparava para trabalhar quando fui surpreendido pela técnica de enfermagem, na porta do refeitório, pedindo auxílio para socorrer alguém que estava passando mal. 

No camarote 104 havia um funcionário caído ao lado da cama, este teve trauma na cabeça devido a queda, logo após veio a reação em cadeia e mais três funcionários passaram mal e começaram a perder os sentidos. Foi acionada a sala de rádio e sala de controle e pediram a evacuação de todas as pessoas do casario para a área externa no ponto alternativo de emergência, já havia e eu não sabia, mais duas pessoas na enfermaria, elas também foram removidas, a outra ação foi avisar em todos os camarotes para acordar quem ainda estava dormindo, foram acordados mais quatro colegas que se não tivessem saído, fatalmente, iriam entrar em óbito. A concentração de CO chegou a 100ppm, isso mesmo, 100ppm de gás inerte. Outra ação foi desligar o sistema de ar condicionado o que foi feito imediatamente.

Mesmo sabendo da gravidade da ocorrência a produção não foi cessada, estávamos fazendo gás inerte e os operadores da sala de controle ficaram trabalhando usando conjunto autônomo. Acreditem!

O sinistro foi percebido aproximadamente às 06:00. A aeronave do resgate aeromédico pousou na Unidade às 09:00. Foram prestados os primeiros socorros e ministrado oxigênio durante cinco minutos para cada paciente. Vale salientar que aproximadamente 80% dos residentes apresentavam estado de dor de cabeça, tontura e vômito.

Vinte e duas pessoas precisaram ser desembarcadas, destas, quatro mereciam cuidados especiais, inclusive o empregado que bateu a cabeça e um outro que vomitava muito e sentia fortes dores de cabeça.

Foi detectado que a causa do incidente foi um "rombo" na descarga do soprador de gás inerte SP-1000B que estava funcionando à noite devido ao off-loading. O CO foi para a atmosfera e não para o tanque, como a renovação do ar condicionado de acomodações é próximo a exaustão da sala de gás inerte (um erro do projeto da P-35), o mesmo succionou todo o gás inerte inibindo assim o oxigênio do casario.

Se este fato ocorresse de madrugada certamente estaríamos hoje lamentando o maior genocídio da história da indústria petroleira mundial.