Universidades e sindicatos de professores de ao menos nove estados foram invadidos por policiais e fiscais de tribunais eleitorais, na noite dessa quinta-feira (25). As ações foram criticadas nas redes sociais e caracterizadas como “censura” e ataques à liberdade de manifestação.
Algumas das ações foram comandadas pelos Tribunais Regionais Eleitorais sob pretexto de identificar e recolher materiais de campanha “irregulares”. Outras, porém, foram desencadeadas por policiais sem nenhum mandado.
Segundo relatos, os agentes entraram nos locais, retiraram faixas, apreenderam cartazes, e intimidaram os presentes, interrompendo debates e aulas. Ações semelhantes vêm ocorrendo há pelo menos três dias, mas foram intensificadas ontem, quando ao menos 27 instituições superiores de ensino tiveram suas dependências invadidas, sob a justificativa de que os materiais apreendidos constituem campanha para o candidato Fernando Haddad (PT).
Até o início da tarde desta sexta-feira, 26, a Justiça Eleitoral ainda não havia se manifestado sobre as batidas policiais, mas o teor semelhante de mandados de busca e apreensão emitidos pelos TRE da Paraíba e de Mato Grosso, segundo apuração da DW Brasil, indicam que a ação foi coordenada.
Nesta sexta-feira, 26, um corpo foi encontrado dentro de um carro com marcas de tiros, “abandonado” em frente à Faculdade de Direito da UFRJ, no Centro do Rio de Janeiro, durante um ato dos estudantes contra o fascismo. A polícia está investigando.
No Rio, a Justiça ordenou que a Faculdade de Direito da UFF (Universidade Federal Fluminense) retirasse da fachada uma bandeira em que aparecia “Direito UFF Antifascista”. Segundo a Folha de S.Paulo, a bandeira chegou a ser removida na terça-feira (23) sem que houvesse mandado, mas depois foi recolocada por alunos. A decisão judicial, proferida após 12 denúncias recebidas contra a faixa, diz que ela teria “conteúdo de propaganda eleitoral negativa contra o candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro [PSL]”. No lugar da antiga bandeira, foi colocada uma nova, com a palavra “censurado”. Os estudantes organizam uma manifestação para esta sexta.
Policiais também invadiram o campus da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e da Unirio. Na Uerj, faixas em homenagem à vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada em março, e com as inscrições “Direito Uerj Antifascismo”, foram retiradas. A universidade afirma que não havia mandado judicial para a remoção.
Em nota, a seção do Rio da Ordem dos Advogados do Brasil manifestou “repúdio” a “decisões da Justiça Eleitoral que tentam censurar a liberdade de expressão de estudantes e professores das faculdades de direito”. A entidade afirma ainda que “a manifestação livre, não alinhada a candidatos e partidos, não pode ser confundida com propaganda eleitoral”.
Denúncias de batidas policiais irregulares chegam de todo o país. Já na manhã da quinta-feira, policiais federais armados foram à sede da Associação Docente da Universidade Federal de Campina Grande (ADUFCG), na Paraíba, obedecendo a um mandado de busca e apreensão, expedido pelo juiz eleitoral Horácio Ferreira de Melo Junior, para recolher o “Manifesto em Defesa da Democracia e da Universidade Pública”, assinado pela entidade sindical e aprovado pela categoria em Assembleia. Eles também levaram o HD do computador da assessoria de imprensa da entidade.
A associação nega qualquer ação em favor de algum dos candidatos à Presidência e diz que se tratava de um manifesto em defesa da democracia.
“Esse manifesto tem esse teor, [e repercute] a defesa irrestrita do nosso sindicato, o Andes, da democracia, das liberdades democráticas, da defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade, laica, socialmente referenciada. Não é um material ou manifesto que faz menção à defesa de uma candidatura ou de outra. É claro que o teor político do manifesto acaba se chocando com uma candidatura que vai de encontro a essa bandeira”, afirmou o professor Tiago Neves.
Em uma universidade pública do Pará, quatro policiais militares entraram no campus em dois carros para questionar o professor Mário Brasil, coordenador do curso de Ciências Sociais, sobre sua ideologia, de acordo com um relato. Após abordar o tema das “fake news” em uma aula da disciplina “Mídias Digitais”, uma estudante teria se sentido ofendida, alegado “doutrinação marxista” e telefonado para seu pai, soldado da PM.
DITADURA
Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas, da Universidade de São Paulo, começou a reunir relatos e, até a noite da quinta (25), já estavam na lista a UFGD, UEPA, UFCG, UFF, UEPB, UFMG, Unilab, SEPE-RJ, Unilab-Fortaleza, UNEB, UFU, UFG, UFRGS, UCP, UFSJ, UERJ, UFERSA, UFAM, UFFS, UFRJ, IFB, Unila, UniRio, Unifap, UEMG, UFAL, IFCE, UFPB.
Para Eleonora Menicucci, socióloga e professora titular de saúde coletiva da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), a situação é de preocupação e apreensão, dado que esses ataques representam um duro golpe contra a autonomia universitária.
“A única época em minha história de vida em que não tiveram, em que não tivemos, foi na época da ditadura civil-militar. Mesmo assim, custou-se para invadir as universidades e isso me preocupa enormemente. É uma censura ao pensamento, é uma censura ao conhecimento e ao saber”, afirmou a socióloga.
Menicucci ressalta que pensamento, conhecimento e saber só são o que são se estão dentro de uma prática social: “E essa prática social é a manifestação dos contrários. Os estudantes e professores e funcionários que são o tripé que compõe a universidade, tem que ter inteira liberdade de se manifestar”.
A Pontífica Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, que teve seu campus invadido pelas forças de repressão em 1977, com a prisão de diversos estudantes, e seu teatro incendiado, se manifestou hoje para “repudiar toda manifestação de ódio, intolerância e constrangimento de qualquer ordem, contrária à igualdade individual e coletiva, política, econômica, social, racial e de gênero, do conjunto da população brasileira, conforme o que estabelece a Constituição”.
A nota afirma que “atualmente encontra-se em risco a defesa dos interesses do povo brasileiro, de seus trabalhadores, bem como dos mais frágeis e vulneráveis, que constitui o alvo prioritário de nossas ações” e declararam se juntar “aos que conclamam por um amplo movimento de união que permita um futuro com a garantia da justiça social e a plenitude de acesso ao bem-estar pelo conjunto do povo brasileiro.”
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação também manifestou solidariedade aos estudantes e professores universitários. Em nota, a coalizão lamenta e repudia as decisões da Justiça Eleitoral que tentam censurar a liberdade de expressão de membros de comunidades acadêmicas, ferindo seus direitos civis e políticos, bem como o princípio constitucional da autonomia universitária.
Conforme o manifesto, “no exercício pleno da cidadania, todas e todos têm o direito de se manifestar politicamente”. A Campanha menciona Ronaldo Cramer, presidente em exercício da OAB/RJ, segundo o qual “a manifestação livre, não alinhada a candidatos e partidos, não pode ser confundida com propaganda eleitoral”.
“Como bem sabe o movimento educacional, não há dúvida de que as tentativas de censura nas Universidades, levadas a cabo hoje, possuem ligação estreita com o movimento ‘Escola ‘sem’ Partido’ – que busca silenciar professores, comunidades escolares e comunidades acadêmicas. A constituição de espécies de ‘tribunais pedagógicos’ em escolas e instituições de ensino superior, tanto públicas quanto privadas, inclusive, têm prejudicado a qualidade da educação. Ademais, a ação coordenada de hoje cria uma nova figura no debate público brasileiro: a inaceitável e absurda “Eleição sem Cidadania”.
[Com informações das agências de notícias e da Rede Brasil Atual]