A União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Estadual dos Estudantes de São Paulo (UEE-SP) vêm à público manifestar absoluto repúdio aos injustificáveis episódios de autoritarismo e violência na Universidade de São Paulo (USP), que culminaram na agressão realizada por um policial militar – cuja identidade ele escondeu – ao estudante Nicolas Menezes, aluno da EACH (Escola de Artes, Ciências e Humanidades), no último dia 6 de janeiro.
Registrado em vídeo e denunciado por meio das redes sociais, o vergonhoso acontecimento de violência contra um estudante e ameaça à sua vida com uso de uma arma de fogo – pelo simples fato de realizar um protesto justo e pacífico – trazem à UNE e à UEE-SP as piores lembranças e preocupações remontadas a um período que antecede o atual estado democrático do país.
Sob a alegação de realizar a desocupação de um espaço dentro do Centro de Vivência da USP, na Cidade Universitária, no campus Butantã, o policial negligencia o fato de o espaço pertencer ao Diretório Central dos Estudantes (DCE-Livre) da USP e a ocupação ser um protesto pelo cumprimento de um acordo entre a entidade e a reitoria para a reforma e funcionamento do local.
Pior do que isso, o episódio reflete o conjunto de todas as outras recentes ações desmedidas, arbitrárias e truculentas da reitoria que atentam contra a democracia dentro da maior universidade brasileira e uma das 100 melhores do mundo. Soma-se a uma série de outras trapalhadas autoritárias que o atual reitor da USP vem promovendo ao longo de sua gestão. A bem dizer, João Grandino Rodas, que promulgou por conta própria o convênio para a turbulenta presença da polícia militar no campus, age como um interventor. Vale lembrar que ficou em segundo lugar na eleição para a reitoria da USP, quando foi derrotado pelo professor Glaucius Oliva, do Instituto de Física. Rodas foi empossado pelo governador do estado valendo-se da prerrogativa da lista tríplice, uma inversão que não ocorria desde a ditadura militar.
A UNE e a UEE-SP alertam o conjunto da sociedade de que a onda de autoritarismo atinge espaços dentro da USP voltados para a reflexão sobre a democratização do conhecimento, liberdade para realizar atividades políticas, manifestações culturais, artísticas e de integração.
No dia 21 de dezembro de 2011, no apagar das luzes do ano, período em que a universidade se encontra vazia em decorrência das férias, ocorreu a tentativa de demolição do barracão onde o Núcleo de Consciência Negra (NCN) na USP desenvolve as suas atividades, também no campus Butantã. A matemática dessa ação é simples: A reitoria quer que o NCN desocupe o barracão onde está localizado mas, até o momento, não apresentou uma alternativa de espaço para que ele desenvolva seus projetos, dessa forma força o fim da entidade. Como no caso do DCE, é um ataque direto à liberdade de pensamento e de organização dos estudantes dentro do campus.
Para aqueles que lutam por mais democracia, expressam suas ideias dentro da universidade e desafiam o poder repressor instituído, a punição máxima é aplicada. Ainda no apagar das luzes do ano de 2011, seis estudantes da USP foram expulsos. Eles participaram da ocupação legítima de uma sala do Conjunto Residencial da USP (Crusp), em 2010, em protesto contra os critérios de seleção e exclusão da Coordenadoria de Assistência Social, que decide sobre os auxílios-moradia para estudantes carentes. A sala continua ocupada pelos estudantes, que chamam a atenção para a necessidade de mais e melhores políticas de assistência estudantil.
A expulsão ideológica de alunos, a tentativa de extinção do Núcleo de Consciência Negra e o abuso de autoridade da polícia militar contra estudantes no campus são eventos que ocorreram após a ocupação, em outubro do ano passado, dos prédios da Faculdade de Letras, Filosofia e Ciências Humanas (FFLCH) e da reitoria, em protesto contra o convênio USP-PM. Essa manifestação ocasionou a desproporcional invasão da tropa de choque na universidade e a prisão de 73 estudantes. Uma assembleia do corpo discente deflagrou greve geral e gerou diversas propostas para substituir a presença da Polícia Militar no campus.
Na opinião da UNE e da UEE-SP, soluções para a segurança em uma das mais importantes universidades do mundo podem ser facilmente implantadas, em substituição à força repressora do estado. Entre elas estão um projeto contemporâneo de ocupação criativa do campus, com mais iluminação, ciclovias, câmeras e a revitalização de espaços para o desenvolvimento de atividades culturais, esportivas e de lazer, proporcionando a convivência e integração entre toda a comunidade acadêmica, frequentadores do campus e comunidade moradora ao redor da instituição. Concordamos com a opinião da professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Raquel Rolnik, que recentemente escreveu artigo para uma revista mensal no qual diz:
“O modelo urbanístico do campus, segregado, unifuncional, com densidade de ocupação baixíssima e com mobilidade baseada no automóvel é o mais inseguro dos modelos urbanísticos, porque tem enormes espaços vazios, sem circulação de pessoas, mal iluminados e abandonados durante várias horas do dia e da noite. Esse modelo, como o de muitos outros campi do Brasil, foi desenhado na época da ditadura militar e até hoje não foi devidamente debatido e superado.”
Acreditamos, sim, no trabalho honesto e competente de parte da PM, mas é notório que não é necessária a sua presença ostensiva no interior de uma instituição que é declarada território livre dos estudantes, protegida pelo princípio da autonomia universitária e que já sofreu em outros tempos com perseguições e mortes de estudantes pelo autoritarismo de uma ditadura militar.
O momento de tensão gerado pela morte de um estudante dentro do campus no ano passado não deve ser a justificativa para qualquer tipo de ação por parte da reitoria que tire a liberdade e a participação da comunidade acadêmica nos debates e decisões a respeito da universidade. A UNE e a UEE-SP não toleram essa inversão da lógica na qual, sob a premissa de agir frente ao triste assassinato de um estudante, chegou-se ao ponto da violência flagrante do Estado contra outros, ameaçando inclusive suas integridades físicas.
União Nacional dos Estudantes – UNE
União Estadual dos Estudantes de São Paulo – UEE-SP