Por William Nozaki e Rodrigo Leão, do Ineep, em artigo originalmente publicado pelo Le Monde Diplomatique
A conjuntura brasileira tem sido dominada pelas revelações sobre a forma problemática de relação entre juízes e procuradores na Operação Lava-Jato. Os primeiros indícios indicam uma proximidade, no mínimo, inadequada entre julgadores e acusadores.
Coincidência ou não, a aceleração da Operação Lava-Jato, que colocou a Petrobras no centro do debate da corrupção, ocorreu num momento de grande disputa em relação aos recursos do pré-sal. As consequências desse processo são amplamente conhecidas pelo grande público: instabilidade política, crise econômica, rápida liberalização do setor petrolífero para empresas estrangeiras, entre outras.
O que ocorrerá daqui para frente é incerto, no entanto, a história muitas vezes nos ajuda a refletir sobre possibilidades futuras. E, principalmente, ajuda a entender que o fenômeno da corrupção está longe de ser exclusivamente brasileiro, principalmente quando envolve questões petrolíferas. Por isso, convidamos o leitor a voltar para os anos 1920 nos Estados Unidos.
Em recente pesquisa realizada pelo Ineep sobre a história do setor petrolífero mundial, um caso muito particular chama a atenção: o Teaport Rome.
Nos anos 1920, à medida que o petróleo foi se transformando na principal matriz de energia da economia norte-americana, a Marinha daquele país criou as Reservas Navais de Petróleo (NPR, em inglês). Logo depois da sua criação, a NPR sofreu um grande escândalo em 1924, quando o secretário do Interior do presidente republicano Warren Harding (1921-1923), Albert Fall, foi denunciado por corrupção em um contrato de arrendamento da NPR de Teaport Dome, em Wyoming, cuja gestão foi transferida da Marinha para a Secretaria do Interior.
A empresa corruptora foi a Mammoth Petroleum, de Harry Sinclair, que ganhou um contrato de gestão da NPR de Teaport Dome em condições altamente favoráveis. Tal fato levou a várias denúncias de corrupção, chegando a invalidar todos os contratos de arrendamento dessas reservas estratégicas pela Suprema Corte dos Estados Unidos em 1927.
O secretário Fall era um texano típico, defensor do uso privado das terras públicas, e conseguiu transferir o controle da NPR de Teaport Dome para a Secretaria do Interior e depois concedeu sua operação, com um favorável contrato de compras por parte do governo dos Estados Unidos, ao grupo de Harry Sinclair, que era o maior produtor de petróleo do Meio Oeste, depois da Standard Oil.
A NPR da Califórnia, em Elk Hill, foi concedida a Edward Doheny, dono da Pan American, que vinha se expandindo fortemente no México e àquela altura era o segundo maior produtor de petróleo do mundo. Sinclair e Doherty poderiam assim ser considerados dois grandes empresários do ramo, fora as grandes empresas internacionais, a Standard Oil of New Jersey (atualmente ExxonMobil) e a Shell.
O governo de Harding foi denunciado como um mar de lama, corrupto e cheio de escândalos. Reputações foram sendo destruídas pela campanha da imprensa e o presidente não resistiu vindo a falecer em 1923. Ele foi substituído pelo vice Calvin Coolidge, que terminou o mandato tentando se desvencilhar das denúncias e obteve sucesso, uma vez que conquistou a reeleição à presidência em 1924.[1]
Este episódio culminou não apenas na destruição de reputações de figuras tanto do Partido Republicano como do Democrata, mas inviabilizou a capacidade de expansão das empresas de Sinclair e Hill. Coincidência ou não, os dois grandes rivais foram das empresas dominantes do setor, conhecidas como as Sete Irmãs,[2] principalmente ExxonMobil e Shell.
Após esse período, as Sete Irmãs dominaram amplamente o setor petrolífero mundial, inclusive nos Estados Unidos, chegando a controlar – excluindo as reservas da União Soviética – cerca de 90% das reservas globais de petróleo nos anos 1940.
Evidente que muitos detalhes cercam esse episódio, não seria possível aprofundar no espaço de um artigo. No entanto, é interessante enfatizar como há um percurso de grande semelhança entre o episódio atual e um outro ocorrido um século atrás nos Estados Unidos. A anatomia de ambas as crises passa pela existência de um episódio de corrupção que se transforma num processo institucionalizado e generalizado de criminalização, afetando não apenas toda uma classe política, como também um determinado grupo empresarial que, não por acaso, acaba beneficiando um outro conjunto de grupos econômicos e empresariais.
Esse foi apenas um caso de um conjunto de tensões internas e geopolíticas da época que, como resultado, tiveram a expansão e consolidação do controle das Sete Irmãs, lideradas pela ExxonMobil e pela Shell.
Os eventos geopolíticos da época e as tensões “intramuros” são fundamentais para explicar os acontecimentos do mundo do petróleo dali por diante. O estabelecimento de um oligopólio de empresas petrolíferas, a entrada de novos produtores, as tensões entre capital nacional e internacional foram algumas das características que marcaram a indústria petrolífera naquela época.
Essas disputas nacionais e empresariais que orbitam ao redor da indústria petrolífera envolvem lances geopolíticos e políticos das mais heréticas naturezas. E no centro de tais disputas está a luta das grandes empresas para continuar dominando o setor petrolífero. Algo que fazem não apenas agora, porém há mais de um século.
Referências:
[1] GABRIELLI DE AZEVEDO, J. S. Disputa pelos preços e pela renda petrolífera da Primeira à Segunda Grande Guerra: domínio das “Sete Irmãs” e o surgimento de novos players. Relatório de Pesquisa. Rio de Janeiro: Ineep, 2019. Mimeo.
[2] Enrico Mattei, CEO da ENI, é o autor da expressão Sette Sorelle (Sete Irmãs) para designar o conjunto das seguintes empresas: Shell, Anglo-Persian Oil Company (APOC) (depois AIOC e, mais tarde, BP), Standard Oil of New York (depois Mobil), Socal (depois Chevron), a Standard Oil of New Jersey, a Esso (hoje Exxon, depois da fusão com a Mobil), a Gulf Oil e a Texaco (ambas absorvidas pela Chevron, criando a ChevronTexaco).