Uma análise da mídia brasileira com o diretor executivo do Adital, Ermanno Allegri


Uma mídia livre, colaborativa, apoiada pelo governo através de verbas de propaganda, descentralizando e democratizando a informação. Essas são algumas das intenções estabelecidas por aqueles que lutam por uma mídia livre e que foi registrada formalmente durante o 1º Fórum de Mídia Livre que aconteceu no Rio de Janeiro nos dias 14 e 15 de junho. Um dos participantes do evento foi o editor executivo da Adital, Pe. Ermanno Allegri . Em entrevista à IHU On-Line Allegri fez uma análise geral do evento e contou um pouco da sua experiência na Adital. Ao destacar o tipo de jornalismo feito pela organização, Allegri afirma que a Adital faz "um tipo de jornalismo que procura, de fato, democratizar a mídia, em primeiro lugar democratizando as fontes". Para ele, o Fórum de Mídia Livre foi positivo ao trazer um fato novo diante da situação atual dos meios de comunicação. "Foi importante, também, porque ajudou a perceber a necessidade que se sente nos meios de comunicação menos conhecidos, aqueles que chegam capilarmente em todos os níveis, em todas as classes sociais do país, na América Latina e no mundo. Então, esses meios de comunicação perceberam que devem sentar, pensar e fazer propostas concretas em relação à necessidade de democratizar a comunicação", disse.

Ermanno Allegri é italiano, mas naturalizado brasileiro. Há 34 anos vive no país, onde foi coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Trabalhou em atividades pastorais na periferia de Fortaleza, no Ceará, em 1991 e, três anos mais tarde, passou a coordenar as pastorais sociais daquele estado. Há 12 anos, criou uma agência de notícias chamada anote com o intuito de inserir nas grandes mídias notícias sobre as atividades sociais realizadas no estado. Atualmente, é diretor executivo da Adital, uma agência de notícias que luta para levar as notícias relacionadas à área social latino-americana e caribenha até a mídia internacional.Uma análise do 1º Fórum de Mídia Livre é o que faz o diretor executivo da Adital nesta entrevista. Para ele, por mais livre e colaborativa que esse novo meio venha a ser, a formação é fundamental para garantir a qualidade do trabalho desenvolvido.

Qual é a sua análise desse Fórum de Mídia Livre que aconteceu no Rio de Janeiro?

O Fórum de Mídia Livre foi muito interessante no sentido de que é um fato novo que acontece, sobretudo considerando que houve um grande esforço para construí-lo, convidando representantes de nível nacional, não só ligados a alguns estados, mesmo que os representantes do Centro-Sul estivessem em maior número. Foi importante, também, porque ajudou a perceber a necessidade que se sente nos meios de comunicação menos conhecidos, aqueles que chegam capilarmente em todos os níveis, em todas as classes sociais do país, na América Latina e no mundo. Então, esses meios de comunicação perceberam que devem sentar, pensar e fazer propostas concretas em relação à necessidade de democratizar a comunicação. E para nós – e discutimos bastante isso no Fórum – democratizar a comunicação significa ter a capacidade de ocupar espaços maiores.

Hoje, muitos meios subsistem pela boa-vontade, pelo heroísmo de funcionários, de jornalistas, de coordenadores, que, apesar de trabalhar sem estrutura, sem sustentação econômica, conseguem oferecer à sociedade uma série de informações e reflexões que, de outra maneira, não chegaria a ela. Em particular, com relação à nossa agência de notícias, a Adital, de fato oferece um tipo de informação e reflexão que, os nossos leitores dizem, não se encontram nos grandes meios de comunicação. Esse Fórum ajudou os participantes a ter uma consciência real e nova do que nós representamos dentro da sociedade de hoje. E temos consciência de que a nossa oferta de informação e reflexão dispõe de uma credibilidade que outros meios não têm ou perderam. O elemento importante desse Fórum é que nós chegamos a um tipo de manifesto, resultado de propostas e reflexões que nasceram dentro da necessidade que estamos vivendo no dia-a-dia.

Por isso, nós sentimos a necessidade – e vamos colocar isso bem claro no documento final, no Manifesto da Mídia Livre –, a exigência de que se realize no país uma Conferência Nacional de Comunicação. Essa conferência, hoje, não pode ser realizada. Sabemos que há forças contrárias. O próprio presidente falava há uns dias atrás que foram realizadas, no governo dele, mais de 50 conferências. E acho que é uma coisa muito interessante, no sentido que os setores das cidades, por exemplo, os ecológicos, da economia informal ou da economia solidária, já se encontraram duas, três, quatro vezes e debateram os seus problemas e apresentaram propostas concretas para o governo. Mas, em relação aos meios de comunicação, não aconteceu até hoje. Então, nós queremos que, a partir dessa conferência, se estabeleça o novo marco regulatório para o setor das comunicações. E o objetivo é exatamente de limitar e controlar a concentração dos meios de comunicação. Para nós, também, apareceu clara a necessidade de se definir, em nível nacional, como uma forma nova, com propostas mais concretas. Por exemplo, construir um portal na internet, capaz de abrigar toda a diversidade das expressões da cidadania, de se garantir a máxima visibilidade a tantas iniciativas que existem hoje no Brasil, e também de se sentir isso como uma necessidade de ser discutido e debatido em nível maior, não só de Brasil, mas de América Latina. É por isso que haverá em Teresina, nos dias 24, 25 e 26 de julho próximo, um grande Seminário Latino-americano de Comunicação.

Esse seminário, programado e organizado pelo governo do Piauí, é um momento privilegiado dentro desse debate da mídia livre, porque podemos encontrar uma ampla representatividade também do Nordeste e do Norte. Se alguém quiser conhecer melhor essa proposta, existe o site www.politicaspublicas.com.br Nós queremos, agora, começar a agir, determinar como vamos fazer pressão sobre o governo. Vamos apresentar daqui a uns dias esse manifesto ao presidente da República, aos presidentes da Câmara, do Congresso, do Senado, do Tribunal Federal, e, possivelmente, já começar nos Estados um debate com esses meios de comunicação.

A sociedade civil já consegue se reconhecer através desses meios da mídia livre?

Eu acredito que a sociedade civil sente essa necessidade. Veja um exemplo concreto: as últimas eleições. Disseram que o grande derrotado foi a imprensa. Os grandes meios de comunicação foram os derrotados. Por quê? Porque investiram maciçamente para derrubar o Lula, mas foram derrotados claramente. Então, não significa que uma notícia, uma informação, isto é, uma interpretação dos fatos que sai nas grandes televisões, nas redes, nos jornais, condicione, hoje, as pessoas a pensarem como aquele meio de comunicação quer que pensemos. Não adianta pensarmos que o povo fica ignorante eternamente. Pode ser que, por muito tempo, a falta de informação alternativa mais profunda tenha condicionado as pessoas. Mas, hoje, na sociedade nós percebemos que as pessoas acreditam sempre menos nesses grandes meios.

IHU On-Line – Quem deve fazer, em sua opinião, essa nova mídia livre? Quem deve participar da produção dessa mídia?

Ermanno Allegri – Quem deve participar, acredito, são as pessoas que até hoje ficaram fora. Para nós, a fonte privilegiada de informação são pessoas que trabalham na sociedade civil dentro de um estilo mais organizado, por exemplo, movimentos populares, movimentos sociais, ONGs, entidades de direitos humanos, movimentos feministas, movimentos de homossexuais, movimentos de lavradores, de operários, de pescadores. Esses são, hoje, aqueles que se tornam a fonte de informação privilegiada. Privilegiada por quê? Porque estão diretamente dentro dos problemas e são os responsáveis por esse momento novo que estamos vivendo no Brasil e na América Latina.

O que acontece hoje na América Latina é que os novos governos progressistas, que tomaram conta de vários países, são resultado de dez, 20, 30, 40 anos de trabalho desses grupos que hoje estão procurando também um jeito novo de se comunicar. Apontar os problemas, eu diria que é o primeiro passo. Mas, quando você detecta um problema, deve pensar na saída, na solução. Então, ninguém melhor que essas pessoas para detectar o problema e encaminhar a solução, porque inclusive elas participam da solução. Não ficam criticando e dizendo: “Governo, faça isso, faça aquilo”. Não, eles já encaminham a solução. Portanto, quem participa da criação e da condução desses meios é exatamente aquela sociedade que está preocupada com a cidadania, com o futuro do país, com a construção de um país, de uma América Latina, é aquela organização de povos onde as necessidades das pessoas que ficaram até hoje à margem do interesse dos governos sejam colocadas em primeiro lugar. E esse é um elemento fundamental como base sólida desses meios de comunicação.

 Então, não é preciso nenhum tipo de formação para atuar nessa mídia livre?

A formação deve ser uma atitude fundamental. Não podemos brincar em serviço. Se fazemos um jornal, um boletim, um programa de rádio, de televisão mal feitos, perdemos os fregueses. A profissionalidade, ou como jornalista profissional ou como comunicador profissional, pessoas que sabem como lidar com rádio, com televisão, com internet, é extremamente necessária. Não podemos, simplesmente, jogar dois ou três rapazes: “Ah, façam ali um programa”. Não. Inclusive, percebemos muito, nesse encontro do Rio de Janeiro – porque havia algo em torno de 500, 600 participantes, devia haver uns 200 estudantes de comunicação do Rio de Janeiro –, como esses estudantes tinham competência e capacidade de falar de todo o setor de informática, o setor que hoje a internet representa, sabiam mexer em vários programas. Eles têm isso nas mãos. E, portanto, devem saber usar todos esses meios para saber chegar não a pessoas altamente especializadas, mas às massas. Acho que o nosso problema fundamental – e essa mídia livre ajuda a resolver – é chegar ao maior número de pessoas possível. Não podemos fazer simplesmente um boletim especializado para dez, ou 500, ou mil pessoas. São milhões de pessoas que estão esperando por uma comunicação de qualidade e com conteúdo sério. Portanto, toda a nossa técnica, toda a nossa profissionalização, deve ser orientada para simplificar a comunicação e para chegar às mãos de todos.

O senhor pode nos contar como surgiu a Adital e qual o espaço que ela ocupa dentro da mídia livre?

A Adital nasceu de uma proposta que veio de um grupo interessado na comunicação que veio da Itália. E essa proposta veio porque nós já estávamos trabalhando com uma pequena agência de notícias, a AnotE, a Agência de Notícias Esperança, uma agência do Estado do Ceará, criada pelas pastorais sociais, juntamente com movimentos populares, sindicatos etc. Então, essa agência de notícias, que tem como fonte a América Latina e é dirigida ao mundo, nasceu por essa proposta que encontrou, de fato, um terreno que estava esperando por uma proposta desse tipo. De fato, criamos um grande cadastro das nossas fontes de informação, formado por mais de 2.500, três mil entidades que trabalham em toda a América Latina. De modo que todos os dias nós recebemos 300, 400 e-mails com notícias que vêm desde o México até a Terra do Fogo, lá no sul da Argentina.

A difusão a que chegamos é uma coisa que às vezes surpreende até a nós mesmos. Temos hoje um cadastro de 30 mil pessoas que diariamente recebem a informação. E eu queria sublinhar uma coisa: essas 30 mil pessoas não são listas aleatórias que colocamos apenas para enviar notícias, mas elas fizeram o seu cadastro e foram consultadas. Ou seja, são pessoas que querem esse tipo de informação. São jornalistas, comunicadores, formadores de opinião de todos os níveis, desde as comunidades eclesiais às universidades, às ONGs, os movimentos sociais. Nós chegamos a uma média de 800 mil visitantes únicos por mês, com mais de dois milhões de páginas vistas por mês. Portanto, um alcance bastante amplo. E fizemos um cálculo aproximativo de quantas pessoas, todos os meses, recebem ou têm contato com notícias de Adital e chegamos a contabilizar mais de cinco milhões de pessoas, porque há milhares de sites, de revistas, boletins, muitas rádios e até televisão que aproveitam o tipo de informação que oferecemos para reproduzir, para mandar a listas sucessivas. Portanto, é uma multiplicação desse tipo de informação que nos alegra, que nos ajuda inclusive a dar continuidade, apesar das dificuldades que encontramos. Mas, com certeza, esse tipo de informação é a que tem futuro, porque tem conteúdos e quer chegar a formar uma capacidade crítica maior, a oferecer aquilo que serve de fato às pessoas para poder tomar decisões pessoais e decisões políticas.

O senhor pode nos contar como começou a se envolver com a Adital?

Começamos com a Adital no ano 2000. Em dezembro, nós encontramos um grupo de três pessoas, um empresário, um jornalista e um amigo da Itália que vieram fazer essa proposta. E ali foi que começamos a fazer essas duas grandes listas, das fontes e dos destinatários. E, depois de um ano, um ano e meio desse trabalho que foi necessário para estabelecer a base, começamos a divulgar as notícias sempre nesse crescendo do nosso cadastro de pessoas que recebem.

Que tipo de jornalismo é feito pela Adital?

Eu diria que é um tipo de jornalismo sério, em primeiro lugar, porque, se o jornalismo não é sério, não tem valor. Um tipo de jornalismo que procura, de fato, democratizar a mídia, em primeiro lugar democratizando as fontes. Nós sabemos que os jornalistas, muitas vezes, têm uma formação em que setores populares e sociais não são considerados nem indicados como fontes de informação. Se num determinado município acontece um fato, poucas vezes jornalistas prestam atenção se naquela região tem movimentos sociais, se o que aconteceu tem como protagonistas pessoas de uma certa formação, por exemplo, social, ou eclesial, ou ligada ao meio ambiente, ou aos direitos humanos. Mas parece que só vão consultar o prefeito, o delegado de polícia, e pronto. Quer dizer, o nosso jornalismo nós chamamos de jornalismo social. Inclusive, existe um prêmio que a Caixa Econômica Federal, já pela terceira ou quarta vez, instituiu sobre jornalismo social. Portanto, é um jornalismo que hoje está percebendo a necessidade de que a sociedade como um todo possa ser a fonte e o destino da informação. Um jornalismo social não significa um jornalismo de parte. Significa um jornalismo preocupado com o crescimento e o fortalecimento da sociedade, porque é esta que constrói o país, a nação, e ajuda a superar todos os problemas e as dificuldades que se encontram no dia-a-dia da vida política de um país.

IE quais são as principais dificuldades enfrentadas pela mídia livre hoje?

Poderia lembrar das dificuldades que todos esses meios têm de se sustentar. Nós, continuamente, de um mês para outro, estamos tentando vias novas de autofinanciamento, de apoio de entidades, inclusive de governos. Esses governos de esquerda, ou progressistas, devem se decidir a considerar a comunicação como um dos elementos fundamentais. Há muito governo de esquerda que não entendeu ainda o que significa a comunicação. Eu tiro o chapéu ao governo do Piauí, por exemplo, que está programando esse grande Seminário Latino-americano de Comunicação. Significa que esse governo percebeu que é necessário se comunicar, que é necessário informar, se conhecer. As coisas podem ser maravilhosas, mas, se ficam fechadas no meu restrito âmbito dos meus fregueses, é muito pouco. A sociedade é muito ampla. É para a sociedade que nós devemos falar.