No dia 1 de setembro, urnas foram montadas em todo o país e, até o dia 7 de setembro, as cédulas terão uma única pergunta: “Você é a favor da convocação de uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político?” Chamada de “plebiscito popular”, a consulta à população tem a intenção de pressionar o Congresso Nacional para convocar um plebiscito oficial, para que possa ser possível uma transformação nas regras do jogo da política e da democracia brasileira. Nesta entrevista, o advogado Ricardo Gebrim, da Consulta Popular, uma das 400 organizações que estão construindo a atividade, explica o que pode mudar com a realização de uma reforma do sistema político.
Confira a entrevista publicada originalmente no Brasil de Fato
Brasil de FatoPercebe-se um grande descontentamento das pessoas em relação ao atual sistema político. Em que esse plebiscito pode ajudar a transformar a estrutura atual das eleições e da democracia?
Ricardo Gebrim – Conquistando a democracia. Nosso sistema político é uma herança da ditadura. Para se eleger é preciso dinheiro. Muito dinheiro e cada vez mais. A cada eleição são necessários mais milhões para se eleger. Votamos nas pessoas, não em propostas. Isso não é democracia, isso não gera direitos iguais. Quem não é financiado por grandes empresas não tem chance nenhuma. E os que são financiados representam apenas quem pagou a campanha e não seus eleitores. Nosso plebiscito popular é para começar uma campanha que vai exigir muita luta para mudar nosso sistema político e conquistar democracia de verdade.
Foram realizados vários plebiscitos populares no Brasil, desde a década de 1990. Um plebiscito popular tem algum valor legal? Essas experiências trouxeram avanços?
Um Plebiscito Popular não tem valor legal, mas tem força política, pois demonstra que muitos milhões expressam sua vontade. A atual Constituição diz que somente o Congresso Nacional, com deputados e senadores, pode aprovar um Plebiscito Legal. Claro que jamais farão isso sem pressão popular. A maioria dos parlamentares não quer acabar com as regras privilegiadas que os elegeram. Os plebiscitos populares geram conquistas também. Em 2002, quando queriam que o Brasil assinasse um acordo horrível com os Estados Unidos e o então presidente Fernando Henrique queria ceder o Território de Alcântara no Maranhão para virar uma base militar norte-americana, dez milhões de brasileiros foram às urnas do Plebiscito Popular e tiveram força social para mudar essas propostas.
No caso dessa consulta, o que efetivamente pode fazer uma Constituinte Exclusiva e Soberana? O que significam esses termos?
Uma Constituinte é a reunião de representantes eleitos para escrever as regras de uma nova Constituição. Ela precisa ser Exclusiva para que não queiram transformar os atuais deputados e senadores em representantes constituintes. Isso foi o que aconteceu em 1986. Se um senador é eleito com mandato de oito anos e muitos privilégios, você acha que ele vai querer mudar alguma coisa? Vai aceitar acabar com o Senado se essa for a vontade popular? A Constituinte tem que ser Soberana para que nada fique acima de suas decisões, para que nenhum tribunal ou mesmo o atual Congresso Nacional possa mudar suas decisões.
Além da questão do financiamento de campanha, o que mais pode mudar no sistema político a partir de uma reforma?
A Constituinte vai enfrentar todos os debates de nosso sistema político. O imenso poder dos meios de comunicação, a ausência de controle popular, a possibilidade de revogar o mandato de quem traiu seus eleitores, a forma de participação popular. Tudo que pode assegurar uma verdadeira democracia.
Como seria possível garantir a maior participação de mulheres, negros e jovens no Congresso?
Num país onde 51% da população se autodeclara negra, temos somente 8% no Congresso Nacional. As mulheres, que também são a maioria da população, se limitam a 9% dos mandatos na Câmara dos Deputados e 12% no Senado. No item igualdade de gênero na política, o Brasil está em 106º lugar entre 187 países. Isso é a prova mais evidente de que o nosso parlamento não tem cara do povo. É controlado por empresários do agronegócio, da mídia, das grandes construtoras. A classe trabalhadora, que é a imensa maioria, é minoritária no Congresso Nacional e isso piora a cada eleição.
A presidenta Dilma Roussef chegou a propor um plebiscito durante as manifestações do ano passado e agora declara que é necessária essa consulta popular. Por que o governo não encabeça uma consulta oficial à população, com possibilidade de efetivação?
Nas manifestações de junho de 2013 era visível a presença de milhares de pequenos cartazes que diziam “Vocês não me representam!”. Eles expressavam a profunda insatisfação que temos com o atual sistema político. Isso também foi constatado em pesquisas. Pois bem, quando as massas ganham as ruas, num processo que foi deflagrado a partir de uma bandeira clara, precisa e progressista – a redução das tarifas de transporte – assistimos a uma intensa disputa política e ideológica, patrocinada pela grande mídia e todas as forças conservadoras pelos rumos do movimento. Nesse momento, tenso, com mobilizações crescentes, com a direita apostando todas as suas fichas em desgastar o governo federal, a resposta da presidente Dilma foi extremamente audaciosa. Anunciou um plebiscito para a convocação de uma Assembleia Constituinte Específica sobre o sistema político. Foi atacada de todos os lados e recuou em apenas 16 horas. Claro que a maioria dos parlamentares do Congresso Nacional, o único que pode convocar o Plebiscito Legal, não tem interesse em mudar as atuais regras. Por isso, os movimentos sociais se reuniram e decidiram que já que eles se recusam, nós faremos.
Esse movimento do plebiscito conseguiu articular mais de 400 organizações sociais brasileiras. Essa unidade pode continuar depois do fim das votações?
Vai continuar, com certeza. Já temos mais de 1.600 comitês populares em todos os estados e uma intensa participação jovem. Vamos entregar o resultado do Plebiscito Popular aos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e, se o resultado for favorável à convocação de uma Constituinte, vamos exigir que o Congresso Nacional aprove o Plebiscito Legal. A proposta de uma Constituinte precisa ser convocada através de um Plebiscito Legal. Somente esse caminho irá conferir a legitimidade necessária, impedindo que manobras jurídicas, interpretações jurídicas ou manobras legislativas recortem e desfigurem completamente a proposta. Será uma longa luta. Uma luta decisiva, que decidirá o destino político do Brasil.