É frutífero o debate sobre a criação de uma nova empresa estatal para gestão, controle e apropriação dos benefícios financeiros do petróleo do pré-sal descoberto pela Petrobras. O curioso é o alinhamento, de um lado, da grande mídia e dos grupos econômicos envolvidos com o petróleo e, de outro, da quase totalidade da esquerda e dos defensores do desenvolvimento nacional menos dependente, ambos os lados criticando a nova empresa. Os primeiros argumentam em nome do mercado livre competitivo e da globalização econômica e, portanto, da abertura das reservas de petróleo ao mundo. Os últimos, em defesa da Petrobras, líder mundial na tecnologia de águas profundas. Mas esse dilema é equivocado.
A nova empresa é a pedra da sopa de pedra. Pode-se tirá-la e ingerir a sopa, mas, sem pedra, não haveria os ingredientes para fazer a sopa. A empresa nova será finalmente criada ou não, mas o fundamental é a sinalização de que as coisas não podem ficar como estão: terá de haver mudanças, embora não qualquer mudança. O objetivo deve ser usar as grandes reservas em favor do interesse da população do país, em grande parte muito pobre, e não só no interesse dos investidores.
Sendo confirmadas as dimensões da quantidade de petróleo no pré-sal, as reservas brasileiras, que eram de 14 bilhões de barris, terão um volume adicional que pode variar desde 30 bilhões a 50 bilhões de barris até 80 bilhões a 100 bilhões de barris. Ora, se colocamos uma casa para vender e descobrimos que há um tesouro enterrado no seu terreno, mudamos o seu preço ou não a vendemos.
O risco do investimento na exploração do petróleo no país caiu, pois a probabilidade de encontrá-lo aumentou. No regime atual de concessão, são licitados blocos para a exploração por empresas, a maioria de fora do país, e pela Petrobras, tendo elas a propriedade do petróleo retirado. A remuneração máxima ao Estado em seus diferentes níveis fica abaixo de 50% da renda da empresa petrolífera.
Em países grandes produtores de petróleo, a remuneração do Estado pelas empresas petrolíferas pode ultrapassar 80%. Em vez do regime de concessão, alguns usam o regime de contratos com partilha do petróleo produzido ou com posse desse produto pelo Estado, por meio de uma entidade estatal, remunerando a empresa petrolífera pelos serviços.
Alguns defendem que não se pode mudar nada, pois espanta os investidores de fora. Ora, esse argumento é ahistórico, ao estilo de Fukuyama, pois, se fosse assim, estaríamos no império ou ainda seríamos colônia. O mundo do capitalismo é mais o de Heráclito: tudo se transforma o tempo todo. Ou de Marx: tudo que é sólido se desmancha no ar. Outros dizem que a Petrobras não terá os US$ 600 bilhões necessários para retirar o petróleo do pré-sal, sendo importante dar concessões às empresas estrangeiras.
Ora, é verdade que o custo de investimento será alto, dadas a profundidade sob o mar e a própria natureza da camada de sal a ser atravessada. A Coppe-UFRJ (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro), inclusive, vem colaborando no desenvolvimento de tecnologia para superar esse desafio. Mas, se o preço de US$ 120 por barril de petróleo cair para US$ 100, 30 bilhões de barris já dariam uma renda potencial de US$ 3 trilhões.
Esse é um tesouro enterrado, e quem o possui não terá dificuldade de alavancar dinheiro ou encontrar parceiros. Na Noruega, há uma empresa estatal enxuta para a gestão das reservas, a Petoro, e outra para exploração, a Statoil. Mas alegam que aqui uma estatal será sempre inoperante e cobiçada pelos partidos aliados para ocupar cargos. No entanto, a Petrobras é eficiente e todos reconhecem isso. Se a Petrobras é hegemônica no atual regime, por que a nova empresa? Esse é um argumento forte dos defensores do desenvolvimento nacional independente.
De fato, pode-se aumentar a participação da União e reduzir os dividendos remetidos ao exterior. Mas isso não basta, é preciso mudar o regime, e a mudança mais efetiva colocada até agora é a nova empresa, desde que contrate a Petrobras como detentora da tecnologia para explorar o pré-sal, com ou sem parcerias, e sejam mantidos com ela os contratos das áreas concedidas em torno de Tupi.
(artigo originalmente publicado no jornal Folha de São Paulo, edição de 30/08/2008)