Durante audiência pública realizada terça-feira, 22, na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba), parlamentares e autoridades governamentais do estado levantaram uma série de questões que envolvem a venda da Refinaria Landulpho Alves (RLAM) para o fundo de investimentos do Emirados Árabes, Mubadala. Com participação do coordenador da FUP e diretor do Sindipetro Bahia, Deyvid Bacelar, a audiência discutiu os impactos e responsabilidades sociais e ambientais das atividades desenvolvidas pela refinaria e as obrigações do Mubalada perante os passivos já existentes e as futuras atividades que serão desenvolvidas no parque industrial, instalado no município de São Francisco do Conde.
A RLAM é a primeira refinaria nacional de petróleo do país, que, desde 1950, é responsável por uma importante transformação econômica da Bahia. Entretanto, a unidade também provocou profundos impactos socioambientais na região, com prejuízos à biodiversidade, à qualidade de vida e à subsistência das populações dos municípios de seu entorno. Mau cheiro, poluição sonora, áreas contaminadas por derivados de petróleo e ecossistema marinho afetado são alguns exemplos das consequências ambientais provocadas pela operação da planta.
Licença ambiental
A secretária estadual em exercício do Meio Ambiente (Sema) e diretora-geral do Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Inema), Maria Cristina Telles, afirmou que, para a empresa que comprou a RLAM iniciar as operações, precisa antes estar regular com o processo de licenciamento ambiental. “Qualquer processo de venda, que se dê transferência de ativo, demanda uma transferência de licença que está vigente à época, ou seja, existem as autorizações publicadas e licenciadas. Para que a empresa seja regular no processo de venda é preciso a transferência do licenciamento ambiental. A licença hoje é concedida à Petrobras e terá que ser formalmente transferida através de um requerimento para a nova empresa que irá assumir essa atividade”, explicou.
A RLAM e toda a sua infraestrutura logística, que inclui cerca de 700 quilômetros de dutos e o Terminal de Madre de Deus, foi vendida pela Petrobrás em março para o Mubadala, pela metade do valor. A FUP e seus sindicatos contestam na justiça e em outras instâncias a privatização, cuja transação comercial ainda não foi concluída. Até o momento, a Petrobrás não se manifestou sobre como vai lidar com os passivos ambientais da refinaria.
Falta de transparência
O coordenador da FUP, Deyvid Bacelar, questionou a falta de transparência de todo o processo de privatização que envolve a RLAM, terminais e dutos. “Precisamos garantir a ampla transparência do negócio fechado entre Petrobras e Mubadala. É inadmissível que nada desse contrato de compra e venda seja compartilhado com o público afetado pela transferência. Os passivos ambientais, por exemplo, precisam ser apresentados em relação a todas as cidades, como Jequié, Itabuna ou qualquer outro onde passam os dutos inclusos no contrato de compra e venda”, afirmou.
“Nós temos uma série de passivos já existentes que ninguém conhece. Todas as informações que estamos compartilhando com as autoridades são oriundas de trabalhadores e trabalhadoras da Petrobras, muitos deles da área de segurança e saúde. Quem ficará responsável pelos passivos socioambientais e pelos futuros impactos que ocorrerão? Quem se responsabiliza em relação à perda da biodiversidade e às dificuldades impostas às comunidades que tinham sua subsistência da fauna e flora local? Precisamos instalar um processo investigativo em relação ao que está acontecendo na Bahia. Na privatização da Vale do Rio Doce, com o desastre gigantesco ocorrido em Brumadinho, ninguém foi responsabilizado pelos danos sofridos pelos trabalhadores e população local”, alertou Deyvid.
Impactos econômicos da privatização
André Ferraro, secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento de Madre de Deus, cidade que faz fronteira com a RLAM e abriga o terminal TEMADRE, condenou a exclusão do Estado e dos municípios afetados na discussão da venda da refinaria. “É a movimentação econômica mais importante da Bahia nos últimos 50 anos. É surreal os municípios não participarem, não terem nenhum acesso ao contrato de venda. Não sabemos nem o valor real que cada ativo está sendo vendido”, criticou.
Para o secretário, a operação além de “burlar” uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre venda de patrimônio público, a operação fere até o pagamento do ITIV, Imposto sobre a Transmissão de Intervivos. “Quando a gente tem um apartamento e vai vender, a gente paga um percentual para a prefeitura quando vai transferir, mas eles não querem pagar nada dessa venda, desse patrimônio. Não se faz justiça social sem justiça tributária. Como é que eu posso cobrar para um sujeito que vende um patrimônio de R$ 5 mil e ele tem que pagar 3% de ITIV e uma empresa, que tem 50% de um território, não contribui em nada com o município nessa transferência? É o que está acontecendo hoje na prática”, revelou.
Monopólio privado
O advogado do escritório Garcez, Ângelo Remédio, que também é pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP/UERJ), alertou que a RLAM é responsável hoje por 14% do refino no país, o que levantam-se dúvidas sobre a garantia da continuidade de abastecimento de combustíveis, como a gasolina, para a Bahia e estados do Nordeste. “Com a privatização da Landulpho Alves e de outras refinarias iremos ter a geração de pequenos mercados privados regionais. O intuito firmado entre o Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] e a Petrobras, de gerar concorrência e melhorias para o consumidor, vai caminhar no sentido contrário. Vai gerar monopólio privado e aumento do preço do petróleo, aumentando toda a cadeia de consumo, principalmente para a população mais pobre”, sinalizou.
Sem responsabilidade social
Líder do governo da BA na Assembleia Legislativa e coordenador da audiência pública, o deputado Rosemberg Pinto (PT) criticou a Petrobras por ser gerida como uma empresa privada, apenas para gerar lucro e dividendos para os seus acionistas, sem contrapartida nas responsabilidades que a petrolífera brasileira sempre teve durante todo o período que extraiu petróleo dos solos baianos, gerando riquezas tanto para o país quanto para a própria estatal.
“A venda da RLAM se dá num momento extremamente cruel, porque nós estamos enfrentando uma pandemia e nessa pandemia ninguém vende nada num momento de dificuldades que passa o país. É uma venda extemporânea, fora de horário, fora de tempo, além do mais, a venda não quer dizer que isso seja necessidade da Petrobras, até porque, ela distribuiu R$ 11 bilhões de dividendos o ano passado para seus acionistas”, condenou o parlamentar petista.
Segundo Rosemberg, a operação não é por problemas financeiros da companhia. “Senão esse dinheiro deveria ser para reinvestimento, e ela distribuiu aos acionistas. No mercado internacional, certamente, essa refinaria em qualquer outra circunstância vale três vezes mais aquilo que o governo brasileiro negociou”, disse, ao informar que as discussões na Casa Legislativa terão prosseguimento com diversas ações que serão elaboradas para pressionar a Petrobras a dar satisfação à sociedade baiana sobre a venda de um patrimônio em atividade desde 1950.
Devido à pandemia, a audiência foi realizada de forma semipresencial, com plataforma digital para a interação do público e transmissão pela TV ALBA.
[Da imprensa da FUP, com informações do jornal A Tarde | Foto: Ricardo Figueiredo]