Movimentos protestam contra chacina da PM em Paraisópolis

 

Rostos banhados com lágrimas e corpos exaustos se apinhavam na frente da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP), na quarta-feira (4), na região central da capital paulista, para protestar contra mais nove mortes de jovens negros após intervenção da Polícia Militar do estado, em Paraisópolis, na zona sul do município.

Depois da jornada de trabalho, sem direito ao lazer e ao descanso, os manifestantes seguiram até a porta da SSP para exigir, mais uma vez, justiça. “Chega de chacina, eu quero o fim da PM assassina”, gritava o movimento negro.

Antes da entrevista, Douglas Belchior, membro da Coalizão Negra por Direitos, que convocou o ato, se queixa do cansaço. “É todo dia”. Para o militante, parte da sociedade perdeu a capacidade de se indignar.

“A morte de negros é a coisa mais natural na história desse país. A morte de jovens negros em favela não comove mais a sociedade”, critica Belchior, lembrando que o Massacre de Paraisópolis integra uma longa lista de “provocadas pelo estado.”

“Há uma política de segurança pública que é genocida, permanente e cotidiana e não diz respeito à governos, embora ela seja mais explícita nos governos de João Dória e Jair Bolsonaro”, encerra Belchior.

Entre bandeiras de movimentos diversos, estava a enfermeira Eliana Prado, mãe de três crianças e moradora do M’boi Mirim, também na periferia da zona sul de São Paulo. Para a profissional da saúde, que entrou no trabalho às 8h, o massacre de Paraisópolis pode “despertar a consciência de muita gente”.

“Eu trabalho em um hospital aqui perto e não sabia da manifestação. Aí descobri que era por causa dos meninos de Paraisópolis. Meus filhos são negros e eu tenho muito medo deles chegando em casa de madrugada e cruzando com a polícia na rua”, lamenta Prado. “É muita violência, que é mãe, nem tem como não se emocionar.”

Bianca Santana, escritora e jornalista, também membro da Coalizão Negra Por Direitos, explicou e lamentou a sequência de mortes nas periferias.

“Foram nove mortes em Paraisópolis, uma em Heliópolis e outras tantas em várias periferias do país. Isso acontece porque a política do Brasil é de extermínio da população negra. Seja efetivando essa prática violenta da polícia, seja retirando saúde ou uma Previdência que nos retira direitos. O genocídio está em curso”, argumentou.

Passava das 21h quando os manifestantes, cansados – de trabalhar e chorar as chacinas –, começaram a voltar para casa. No dia seguinte, a rotina continua. Chacinas e trabalho.

Advogados denunciam ‘política de falsa segurança baseada na violência’

O Sindicato dos Advogados de São Paulo afirma que o governador João Doria (PSDB) deve ser responsabilizado no caso do massacre de Paraisópolis, “pelo incentivo de uma política de falsa segurança baseada na violência”, que culminou na morte de nove pessoas, após ação policial que emboscou frequentadores de um baile funk, na madrugada de sábado para domingo (1º) . “O ocorrido não pode ser tratado como um infeliz acidente, mas como mais um episódio de um método de segurança que criminaliza e ataca cidadãos periféricos, pobres e negros”, diz a entidade, em nota publicada nesta segunda-feira (2).

ação dos policiais foi classificada como “abusiva” pelos advogados, que se solidarizaram com as famílias e amigos das vítimas. Eles destacam que vídeos divulgados por moradores e frequentadores da festa mostram policiais militares encurralando e batendo violentamente nos jovens, com cassetetes e chutes. O sindicato vai acompanhar as investigações sobre o ocorrido, e diz esperar que “a justa responsabilização dos agentes envolvidos” leve a mudanças de postura das autoridades, entre elas o governador.

Os advogados destacam ainda que uma ação como esta seria “inimaginável” em uma festa realizada em área nobre ou com ingressos caros. “A juventude periférica também tem direito a diversão e a criminalização de sua cultura deve ser substituída pelo diálogo e construção de políticas públicas que permitam o pleno exercício da cidadania por estes jovens.”

Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, destaca que a “Polícia Militar de São Paulo precisa apurar com máxima celeridade, transparência e rigor a sequência dos acontecimentos e a cadeia de comando de uma operação que, até aqui, fugiu de todos os padrões de excelência que marcam a corporação. Não é possível transigir com o descontrole da tropa empregada na operação”.

“Na toada de populismos autoritários, a ação destrambelhada em Paraisópolis acontece dias depois do Governador João Doria publicar a sua Política Estadual de Segurança Pública sem qualquer meta de controle de uso da violência por parte das polícias. Por tudo isso, a PMESP deve evitar o canto da sereia do tempo social e não pode se sentir autorizada a abandonar o investimento de décadas no profissionalismo e na supervisão da atividade policial”, afirma Lima.

[Com informações do Brasil de Fato e da Rede Brasil Atual]