Relação entre Estados e empresas petrolíferas nos EUA e Grã-Bretanha

 

Por Rodrigo Leão e William Nozaki, pesquisadores do INEEP


O debate sobre o papel público da Petrobras e as vantagens/desvantagens de uma possível privatização deve levar em conta as particularidades da relação entre o Estado Nacional e a indústria petrolífera, principalmente na era offshore.


Recentemente, o Ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou um amplo pacote de privatizações e sinalizou que até o final do governo quase todo o sistema estatal produtivo, incluindo a Petrobras, deveria ser vendido à iniciativa privada. Tais afirmações reacenderam o debate sobre o papel público da Petrobras e as vantagens/desvantagens de uma possível privatização. Esse texto visa contribuir com esse debate apontando as particularidades da relação entre o Estado Nacional e a indústria petrolífera, principalmente na era offshore.

Ainda que as primeiras descobertas de petróleo no mar (offshore) tenham ocorrido nos anos 1910, o marco inicial da exploração petrolífera offshore se deu nos anos 1940. Foram consideradas as primeiras explorações economicamente viáveis de petróleo no mar no Golfo do México, no estado americano da Louisiana, em 1947, e no Mar Cáspio, na antiga União Soviética, em 1949.

Vários fatores influenciaram no avanço da fronteira petrolífera para o mar, como: (i) a crise geopolítica no Oriente Médio – principalmente no Irã – que ameaçou a posição das empresas britânicas na região, notadamente a BP; (ii) o esgotamento das reservas onshore dos Estados Unidos; (iii) o acelerado consumo de derivados de petróleo num período de industrialização e reconstrução dos países em desenvolvimento; (iv) as inovações técnicas e tecnológicas para descoberta de petróleo e, principalmente, para a construção de equipamentos adequados à exploração de petróleo em alto mar e (v) o crescente risco das nacionalizações do setor dos principais países produtores de petróleo, principalmente na América Latina e no Oriente Médio.

Todos esses aspectos transformaram a descoberta de petróleo offshore não apenas numa estratégia de sobrevivência das grandes empresas do setor – conhecidas como Sete Irmãs –, como também a tornaram uma política de Estado. Isso ocorreu principalmente nas nações que, ao mesmo tempo, eram importantes consumidores de petróleo e possuíam as principais empresas do setor, ou seja, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha. Não foi mera coincidência que duas das fronteiras marítimas mais exploradas a partir dos anos 1950 foram o Golfo do México, na costa americana, e o Mar do Norte, na costa britânica.

Como mencionado, ainda que o esforço em aprendizados técnicos e tecnológicos fossem vitais para a realização de novos empreendimentos de exploração e produção de petróleo no mar, a ação estatal se mostrou fundamental. Em primeiro lugar, porque inexistia uma regulação para a exploração offshore que garantisse uma estabilidade jurídica para a realização desta atividade.

 Em segundo lugar, porque havia riscos geopolíticos consideráveis, uma vez que os investimentos muitas vezes eram realizados em “águas internacionais” e demandavam bastante articulação em termos de política externa. E, em terceiro lugar, porque se apresentava um elevado grau de incerteza sobre os retornos dos investimentos que precisavam ser realizados, o que gerava um risco imenso de capital e de mercado.
No caso da Grã-Bretanha, um país marcado ideologicamente pelo liberalismo econômico e pela liberdade da atuação empresarial, o conjunto de riscos associados ao setor petrolífero motivou uma maior atuação do Estado no suporte ao desenvolvimento da indústria offshore britânica, como analisou Nelsen (1992):

“Os britânicos, com o seu amplo envolvimento político e comercial no Oriente Médio, não quiseram criar um precedente prejudicial para os interesses britânicos no estrangeiro e, por isso, buscavam um sistema de licenciamento não muito intervencionista no seu país. Ao lado dessa questão geopolítica, a prioridade da Grã-Bretanha era conseguir a autossuficiência em petróleo. Por essa razão, foram oferecidas condições favoráveis para exploração dando liberdade à atuação empresas e priorizando os seus interesses. As considerações em termos de política externa encorajaram os políticos britânicos para limitar a intervenção na indústria petrolífera. [Apesar disso], o sistema criado (…) também introduziu incentivos desenhados para encorajar a rápida exploração e desenvolvimento. O tamanho pequeno dos blocos, a implementação de taxas progressivas foram exemplos de medidas para acelerar o desenvolvimento da exploração offshore no Mar do Norte. Além disso, a alocação dos blocos seguiu as diretrizes do Ministério de Defesa, atendendo também aos interesses da política de defesa da Grã-Bretanha”.

Como se observa, os britânicos buscaram atender os interesses das suas operadoras e, simultaneamente, às preocupações da sua política de defesa. E os próprios interesses das operadoras, muitas das vezes, demandavam ações estatais como medidas específicas fiscais e financeiras. A primeira regulação da exploração dos campos offshore britânicos, promulgada em 1964, já apresentava alguns dos aspectos importantes para o Estado Nacional.

Tal regulação se baseava na necessidade de incentivar a exploração mais rápida e completa dos recursos petrolíferos na plataforma continental. Além disso, havia a exigência de que o requerente de uma licença fosse constituído no Reino Unido e de que os lucros das operações fossem tributados neste país. Buscava-se ainda analisar o programa de trabalho do requerente, a sua capacidade e recursos para o implementar, bem como as suas contribuições ao desenvolvimento dos recursos da plataforma continental e para o desenvolvimento economia de combustível britânica em geral.

Embora buscasse dar liberdade à atuação das operadoras, a política de petróleo offshore na Grã-Bretanha foi estruturada, em última instância, a partir de uma visão de Estado Nacional, articulando os objetivos de acelerar a produção, atrair investimentos, desenvolvimento a indústria de derivados, atender a sua política de defesa entre outros.

 No caso dos Estados Unidos, as medidas de protecionismo à indústria offshore foram bem mais agressivas do que na Grã-Bretanha, fazendo com que o analista da Universidade de Iowa, Tyler Priest, afirmasse que em 1960 “os Estados Unidos eram um dos mercados de petróleo mais protegidos do mundo”. Desde 1947, o governo americano implementou várias políticas fiscais, financeiras e tecnológicas para proteger as suas empresas e, ao mesmo tempo, desenvolver o setor petrolífero em alto mar.

Na década de 1950, os arranjos de governança na indústria de petróleo dos Estados Unidos permitiram a transferência de diferenciais de renda de áreas produtoras de baixo custo no exterior para os campos americanos de maior custo na fronteira offshore. Em 1959, logo após grandes guerras e descobertas petrolíferas, a administração do presidente Eisenhower restringiu o fluxo de importações baratas para os Estados Unidos ao impor cotas obrigatórias para o petróleo que poderia ser vendido nos Estados Unidos do exterior.

 Isso impôs um custo adicional aos competidores externos em relação aos produtores americanos que, com a ausência dessa medida, teriam de abandonar as suas operações no Golfo do México. Tais quotas foram ampliadas na gestão Kennedy, criando um vasto mercado para os produtores de petróleo da costa americana.

Uma política de financiamento (leasing) específica para o setor petrolífero offshore motivou que novas empresas, com baixa capacidade inicial de investimento, pudessem arrendar diversas áreas exploratórias. Tal medida, estruturada a partir de 1962, visava manter a indústria de perfuração ocupada por cinco anos e atrair múltiplos atores para a indústria de petróleo em alto mar.

Além dos incentivos fiscais e financeiro, o governo federal também ajudou a indústria de outras formas. Sistemas de radioposicionamento desenvolvidos pela Marinha para a guerra provaram ser essenciais para a exploração de petróleo offshore. A Unidade Experimental de Mergulho da Marinha treinou mergulhadores em operações de salvamento submarino e desenvolveu técnicas de mergulho de gás misto e saturação, impulsionando o negócio de mergulho comercial do pós-guerra que se tornou um complemento vital para a indústria offshore.

Empresas de construção da Costa do Golfo, como a Brown & Root e a J. Ray McDermott, adquiriram embarcações de aterragem com excedentes de guerra por valores subsidiados e as converteram em sondas de perfuração, barcos de abastecimento e de tripulação e navios de construção e de assentamento de condutas.

 A aceleração das atividades petrolíferas no Mar do Norte e no Golfo México permitiu que, no início dos anos 1970, grandes empresas de Estados Unidos e Grã-Bretanha, como a Chevron e a BP, já estivessem direcionando boa parte de seus investimentos para aquelas regiões. A BP já tinha lançado um programa exploratório de larga escala no Mar do Norte e a Chevron já vinham direcionando grandes investimentos no Golfo do México.

Para se ter ideia da importância deste esforço, entre 1947 e 1972, as reservas de petróleo offshore de Estados Unidos e Europa Ocidental (basicamente o Mar do Norte) já estavam num patamar próximo das reservas offshore da América Latina que tinham produtores tradicionais como México e Venezuela, onde já existiam investimentos também em programas exploratórios no mar.

 Como observado, isso somente foi possível a partir de uma forte atuação e coordenação do Estado Nacional. Embora as empresas desses países fossem majoritariamente privadas, em última instância, elas se favoreceram do protecionismo e das condições favoráveis oferecidas pelas políticas públicas. Mas, também, eram instrumentos importantes de política externa e econômica segundo os objetivos de cada Estado Nacional.

Aliás, até hoje, mesmo após mais de cinquenta anos de desenvolvimento da indústria petrolífera offshore, tais empresas continuam sendo instrumentos dos seus Estados Nacionais e recebendo tratamento privilegiado. Isso porque o petróleo não é e nunca terá um proprietário individual, mas sempre fará parte da uma estratégia de Estado, pelo menos daqueles que buscam ter relevância no sistema internacional, pois se trata da mais (geo)política de todas as commodities.


NELSEN, B. F. Explaining Petroleum Policy in Britain and Norway, 1962-1990. Scandinavian Political Studies, vol. 15, n. 4: 307-328, 1992.

PRIEST, T. Extraction Not Creation: The History of Offshore Petroleum in the Gulf of Mexico. Enterprise & Society, vol. 8, n. 2: 227–267, jun. 2007.

[Artigo publicado no Le Monde Diplomatique Brasil]