Sindicalista demitido na greve de 83 fala sobre a importância do movimento

Demitido na greve de julho de 1983, o diretor do Sindipetro-BA, Gildásio Ribeiro, integrante da Comissão Nacional de Anistia, lembra uma época que  para ele, assim como para muitos, foi repleta de sofrimento, mas também de muito aprendizado. Confira a entrevista feita pelo jornal Diálogo, do Sindipetro-BA, em homenagem aos grevistas que ficaram à frente de um movimento que entrou para a história da categoria petroleira:  

Em 1983 você participou da greve como militante de base. O momento político que o Brasil  vivia teve influência nesta decisão de participar de uma greve em plena ditadura militar?

Eu estava muito recente na Petrobrás, já era sindicalizado, mas não fazia parte do sindicato, era um militante de base. Mas a força do sindicato em Mataripe era grande, principalmente para nós que trabalhávamos de turno. Na época o presidente e o vice-presidente eram trabalhadores de turno, na operação e no laboratório. No dia de folga quando nos reuníamos para bater aquele babinha os comentários entre nós eram o de vencermos aquele momento da ditadura, constituinte, eleições diretas, a volta da democracia.

Como a categoria recebeu o Decreto Lei 2036, que retirava direitos dos trabalhadores?

Naquele momento a gente tinha a consciência que quem mandava no Brasil era o FMI e quem determinava, além do presidente Figueiredo, quem dava o tom na economia do país, era o então todo poderoso Delfim Neto. E se nós aceitássemos aquele Decreto, aquela redução de direitos, ele não pararia por ai. Então, foi mais do que não deixar implantar, foi dizer um basta àquela onda nefasta de pacotes, de decretos, objetivando reduzir os direitos do povo brasileiro.

Mas esta decisão teve conseqüências.

Sim. A demissão. Depois da greve, nós tínhamos um fórum sindical, que funcionava na Rua da Mangueira, toda a quarta-feira à noite, que reunia os sindicalistas baianos. Passei a freqüentar estas reuniões até mesmo para entender todo o processo que estava acontecendo. Nós, os demitidos de Mataripe e os de Paulínia, criamos uma associação beneficente e eu fiz parte do quadro diretivo desta associação. O fórum é o que nos sustentava como seres políticos porque a gente tinha estrutura política e procurava manter o contato com a base. Durante este tempo muitos procuraram novos empregos.

Os demitidos conseguiram se empregar novamente?

Alguns conseguiram emprego na Rhodia, que era uma multinacional francesa e que, portanto, não tinha ingerência do governo brasileiro. No meu caso não consegui ficar empregado de jeito nenhum porque a Divisão de Informação da Petrobrás (DIVIN) não me deixou em paz. Recordo-me que nos dois anos que levei afastado da Petrobrás eu consegui emprego em  uma empresa no SUBAÉ, que é o Centro Industrial de Feira de Santana, chamada Química Geral do Nordeste. Mas me descobriram e mandaram me demitir. Depois o finado Jair Brito, companheiro de muita luta, comunista de primeira linha, conseguiu me encaixar  na Deten. Foram 45 dias até entrar em cena o famigerado repressor, coronel Silvio Dantas, que perseguia a mim e a outros. Fui trabalhar no turno de quatro a meia noite quando o vigilante chegou para mim e disse: “você é um cara legal, mas o diretor de divisão mandou dizer que se você reagir eu podia puxar a arma. Você me acompanhe até o setor pessoal.” Quando cheguei ao setor pessoal, ele foi curto e grosso: “eu não tenho nada contra você. Foi o Serviço de Informação que mandou lhe demitir.” Eu, revoltado, voltei para casa e no outro dia fui ao escritório do DIVIN, que era na cidade baixa. Entrei na sala do coronel e para minha surpresa vi fotos dos demitidos, inclusive minhas. E ele, de uma forma muito cínica disse que só estava cumprindo ordens. Foram dois anos de muito sofrimento, mas também de muito aprendizado. Presenciei diuturnamente o movimento Diretas Já. Vimos o quanto o povo brasileiro apostou na mudança, na saída de um general para que um civil assumisse a presidência.

Quando conseguiu retornar ao trabalho?

Em agosto de 1985. Mas ainda assim a Divisão não me deixou em paz. Não me deixaram voltar para a minha unidade de origem, a Rlam. Então eu fui locado para a então Região de Produção da Bahia. A qual eu só tenho a agradecer todas as décadas que lá estive.

Passados 30 anos da greve qual a lembrança mais marcante?

Uma recordação muito triste é você estar no seu local de trabalho e ser posto para fora por um batalhão da polícia militar, você está ali lutando por seus direitos e é posto para fora de sua própria casa. Uma lembrança positiva foi o momento que eu voltei, assinei meu contrato de trabalho, ainda que não tenha voltado para o meu local de origem. Foi um motivo de felicidade. E mais recentemente, 10 anos atrás, quando fizemos aquele histórico ato na Rlam, lembrando os 20 anos da greve.  Até hoje acima do relógio de ponto da Rlam tem uma placa alusiva aos 20 anos da greve. Não pensei que esta felicidade pudesse ser suplantada, mas foi.  Agora em 2013, no dia 11 de julho, no Dia Nacional de Luta, convocado pelas centrais sindicais, e quando foram completados 30 anos da greve de 1983, estávamos participando do ato das centrais, uma greve também,  e tivemos a oportunidade de subir em um carro de som e conseguimos falar para toda aquela gente. Se 30 anos atrás saímos escoltados da Refinaria, agora vemos na rua a maior central da América Latina, que ajudamos a criar, vemos a multidão de jovens, trabalhadores, com bandeiras de todas as cores, mobilizados, exatamente, com os mesmos princípios de 30 anos atrás: melhoria nas condições de vida e trabalho da população brasileira.