Trump x Biden: o próximo presidente dos EUA pode afetar o mercado de petróleo?

Em entrevista ao Sindipetro-SP, William Nozaki, um dos coordenadores técnicos do Ineep, avalia os impactos que a vitória de Trump ou Biden teria sobre o mercado petrolífero

[Da imprensa do Sindipetro Unificado SP]

Os Estados Unidos vivem nesta terça-feira (3) o dia final para a eleição que contrapõem o democrata Joe Biden ao atual presidente, o republicado Donald Trump.

Uma data importante para vários segmentos, entre os quais, a indústria do petróleo. No início de outubro,  valor do preço do barril recuou e acumulou a segunda semana consecutiva de perdas a partir do teste positivo para Covid-19 do presidente Trump.

Além da preocupação com a instabilidade gerada por problemas de saúde do líder da maior potência mundial, a queda levantou a dúvida sobre como a reeleição do republicano ou a vitória de Biden poderiam afetar o mercado global do petróleo.

Para discutir esse tema, o Sindicato Unificado dos Petroleiros de São Paulo (Sindipetro Unificado-SP) conversou com um dos coordenadores técnicos do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), William Nozaki.

Em entrevista, ele comenta sobre a eleição dos EUA e aponta que Trump hoje enfrenta um momento de turbulência com o setor, mas lembrou da importância econômica e da capacidade de lobby do segmento, verificada na existência de pacotes de auxílio propostos por ambos os candidatos.

Confira a íntegra.

No início de outubro, o preço do petróleo recuou em paralelo à notícia de contaminação de Donald Trump pelo novo coronavírus. Isso foi algo isolado ou a eleição nos EUA é capaz de influenciar todo mercado do petróleo?

A queda no preço foi resultado na baixa da demanda por conta do isolamento social e da redução da circulação de pessoas e mercadorias. Evidentemente, a eleição nos EUA joga água no moinho dessa instabilidade no preço e torna o mercado mais tenso ao longo desse processo. Não é a causa, mas intensifica uma tendência que já vinha se desenhando.

Porque primeiro você tem uma redução bastante relevante pela demanda do petróleo que, por si só, já causa um impacto negativo sobre o preço e a isso se somam os índices da economia norte-americana que não deram demonstração de uma melhora consistente como se esperava. A eleição é a cereja do bolo.

Há um debate hoje por parte das duas campanhas de como irá se desenhar a política energética e petrolífera no próximo período. Os dois candidatos, tanto Biden quanto Trump, sinalizam com pacotes de auxílio para a indústria do petróleo em geral, ambos estão tentando estabelecer um diálogo com as grandes majors.

O problema é que a polarização que está por trás da eleição americana contamina um conjunto de negociações que estão em curso no legislativo dos Estados Unidos para a indústria petrolífera para enfrentar o nível de endividamento que subiu e os efeitos colaterais da redução do preço do petróleo.

De qual maneira, na prática, essas relações afetam a economia mundial?

O preço do petróleo é definido a partir de dois parâmetros, o brent (referência de comomodity no mercado europeu), que é base para a fixação do preço em todos os mercados petrolíferos, e o WTI (West Texas Intermediate, comercializado na Bolsa de Nova York), que é uma precificação do mercado americano.

Apesar de todo o mercado ter sido impactado com a redução da demanda e o preço do barril do petróleo, o mercado do WTI sofreu um impacto negativo maior do que o do brent. O sistema empresarial petrolífero americano é marcado por grandes empresas.

Mas também por médias que atuam no segmento e atuaram muito intensamente nos últimos anos na exploração e produção do shale oil (petróleo de xisto) e tight gas (gás com baixa permeabilidade), os óleos não convencionais. São companhias que trabalham com uma tecnologia específica, de fracionamento, que viabiliza e otimiza a possibilidade de extrair óleo e gás de áreas que sem essa tecnologia não seriam comercializados.

Como o custo para esse tipo de extração é maior, o impacto da redução dos preços afetou de maneira muito intensa e frontal esse conjunto de empresas americanas.

Tudo isso criou um ambiente muito sensível para a indústria petrolífera americana. Dado o peso que tem esse mercado, o governo, apesar do discurso neoliberal e pró-mercado do Trump, precisou intervir com ofertas de crédito para salvaguardar essas companhias.

Propostas que continuam presentes nas campanhas dos dois candidatos…

Exatamente, até pelo peso econômico que tem a indústria do petróleo e pela capacidade de organização do lobby que têm nos EUA, sobre os dois partidos e, consequentemente, sobre as duas candidaturas.

No bojo desse percurso, o governo americano aprovou três pacotes para oferecer subsídio e até mesmo fazer a compra de óleo para aumentar reservas estratégicas e dar condições para que as empresas continuassem funcionando.

Mas como há tendência de que o preço do barril se mantenha em patamares mais baixos do que nas últimas décadas, há uma demanda permanente por novos pacotes e novas fontes de recursos para que a indústria petrolífera dos EUA possa atravessar esse período.

Por conta do acirramento da polarização nas últimas semanas na campanha do Trump com a de Biden, o partido Republicano, por ordem do Trump, interrompeu as negociações dentro do Congresso Americano para aprovação de um quarto pacote que foi discutido com a indústria local.

Isso coloca parte daquelas empresas em situação delicada. Mas, é claro, quando passar o processo eleitoral, tanto Trump quanto Biden vão apresentar um conjunto de medidas para reestabelecer diálogo e criar condições econômicas e financeiras mais adequadas.

Está em curso esta queda de braços que afeta a indústria petrolífera. Como já está endividada e com a não aprovação desse pacote, criam-se riscos ao setor.

Na prática, isso significa o cancelamento ou adiamento de projetos de investimento, a redução da capacidade de exploração e produção. E tudo isso, mais uma vez, joga água no moinho do preço do barril.

Como o mercado, apesar de ter duas referências (brent e WTI), funciona com a lógica da interconexão financeira da negociação das commodities, isso gera um efeito dominó que afeta os mais diferentes players de um setor e todos os países que têm papel relevante da economia do petróleo.

A partir das propostas dos democratas e dos republicanos nas eleições dos EUA, como você avalia o impacto ao mercado do petróleo?

A indústria do petróleo nos Estados Unidos tem uma robustez econômica e um peso político tão significativo que, via de regra, se coloca acima das disputas partidárias.

Ela tem um peso de um peso de organização, um lobby tão intenso que ela apresenta as suas demandas para os dois partidos independente das suas ideologias ou dos seus projetos.

Neste momento, você tem de um lado, no partido Republicano, o desconforto que foi provocado pelo Trump, que motivado pela disputa eleitoral,  suspendeu uma negociação que é desejada pela indústria do petróleo.

Mas, por outro lado, na campanha do Biden tem a presença de uma parte do partido democrata, sobretudo a ala mais à esquerda, ligada a Bernie Sanders, que apresentou dentro do programa eleitoral de governo propostas de discussão do Green New Deal (propostas para o enfrentamento das mudanças climáticas). Uma tentativa de construção de um novo Estado de bem-estar social, mas desta vez com uma perspectiva não só de preocupação com trabalho e renda, mas também com o meio ambiente, com sustentabilidade, com energias renováveis.

Isso também gera desconfiança da indústria petrolífera.

Os dois partidos, no calor da disputa eleitoral de curto prazo, acabaram gerando alguns desconfortos com a indústria do petróleo, e isso não significa que, tão logo termine a eleição e se publicize qual vai ser o candidato vitorioso, que as pontes de diálogo e de lobby se reestabeleçam novamente.

O Trump é tido por Bolsonaro como “alguém próximo”. Você avalia que o rompimento desta relação, caso Biden vença, impactaria o mercado do petróleo brasileiro?

Penso que muda pouco para países como o Brasil que estão no espectro da influência da geopolítica da energia nos Estados Unidos. Basta lembrar que a reativação da quarta frota e outras investidas contra o pré-sal brasileiro aconteceram no governo do Obama, com o partido Democrata.

Do ponto de vista da geopolítica da energia e da geopolítica do petróleo e, sobretudo para nós, eu avalio que muda muito pouco do ponto de vista das decisões econômicas e políticas propriamente ditas.

Mas é claro que há um efeito colateral aí que é difícil de mensurar, mas Bolsonaro vai perder (a depender do resultado) uma parte do seu discurso de alinhamento e de construção de identidade com o Trump.

Isso talvez tenha algum apelo na opinião pública que pode, talvez de maneira indireta, ajudar a mudar a correlação de forças para se pensar um novo posicionamento da indústria do petróleo no Brasil frente às transformações que estão acontecendo. Mas é um efeito muito indireto e não algo imediato e que tenha relação com a eleição dos EUA.

A Petrobrás tem adotado uma postura de aposta, exclusivamente no pré-sal, de venda de ativos. Recentemente houve uma derrota no STF com relação a isso. Você relaciona esta postura a esta necessidade de alinhamento aos EUA? Poderíamos chamar popularmente de “prestar contas” a quem, teoricamente, teria dado um grande apoio ao Bolsonaro?

Como a postura da política externa e, num certo sentido, da política energética no Brasil hoje é a do alinhamento automático, então, você tem razão. A gente acaba entrando nesta dinâmica de prestação de contas, mas o curioso é que é uma prestação de contas antecipada. Muitas vezes, antes mesmo de o governo norte-americano cobrar, já tem gente prestando contas.

Não é novidade que a atuação internacional dos EUA inclui interferir em nações que sejam grandes produtoras de Petróleo, como o Brasil e a Venezuela, para impedir o surgimento de potências regionais. Você avalia que essa política – que inclui até mesmo a pressão bélica – poderia ser mudada com alguma candidatura à presidência dos EUA?

Penso que a gente está vivendo em uma fase histórica em que o avanço da nova etapa industrial com as novas tecnologias, com o 5G, com a ascensão da China e com uma nova correlação de forças entre o capitalismo do Oriente e do Ocidente está promovendo mudanças estruturais muito profundas.

Então, esta tendência de retorno a um certo nacionalismo, a um certo protecionismo, a uma quebra de uma lógica clássica de funcionamento dos organismos multilaterais, há uma tendência que ultrapassa as oscilações provocadas pelas urnas. Isso tende a continuar independente do resultado das eleições.

Na disputa final das eleições, pensando no Brasil, você aponta uma das candidaturas para melhor diálogo e interlocução?

É difícil responder esta pergunta porque, é claro, do ponto de vista dos interesses estratégicos e econômicos que envolvem grandes setores industriais, como o setor do petróleo, como estou dizendo, as mudanças são muito pequenas. Mas é claro que o Trump representa uma visão de política absolutamente marcada por uma lógica privatista, mercantilista, que não respeita nem mesmo os valores do liberalismo clássico e, portanto, flerta com o autoritarismo, o descompromisso com a democracia.

Então, do ponto de vista econômico, dos interesses materiais, as duas candidaturas são equivalentes.

Mas como o Trump representa os valores da barbárie, eu tendo a achar que o Biden é melhor para os países vizinhos que estão no espectro da influência dos Estados Unidos. Não mudam os termos na disputa, mas mudam os termos do diálogo.