Escrito por Luiz Carvalho
O Encontro Unitário dos Trabalhadores e Povos do Campo, das Águas e das Floretas chegou ao segundo e último dia nesta terça-feira (21), no Parque da Cidade, em Brasília.
Encerrada a parte teórica, agora é a hora de colocar em prática tudo o que foi discutido e o primeiro passo será ocupar as ruas da capital federal na manhã desta quarta (22). A partir das 8h, cerca de 10 mil militantes devem seguir unidos rumo ao Palácio do Planalto em uma manifestação que o movimento definiu como uma grande marcha de libertação rumo à reforma agrária e em enfretamento ao latifúndio, que encontra respaldo no governo federal.
Aos sete mil presentes no evento devem juntar-se servidores públicos federais em greve e outros parceiros que acreditam na mesma causa.
Debates e homenagens
A terça-feira com oficinas temáticas baseadas que discutiram temas como direito e defesa da terra, agroecologia, educação no campo, políticas públicas, soberania energética e, claro, reforma agrária.
A partir desses debates, os trabalhadores apontaram eixos que foram levados aos grupos de trabalho divididos por estados, já para definir possíveis alianças locais nas mobilizações. Por fim, o resultado dessas discussões fundamentará o documento final, a ser divulgado nesta quarta.
Antes de ir aos grupos de trabalho, porém, a síntese das oficinas foi apresentada ao público. Em linhas gerais, a reprodução da unidade nas regiões, a pressão para políticas estruturantes e não apenas paliativas para os povos do campo, das águas e das floretas, e a cobrança para que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária seja orientada pelo governo a priorizar a agricultura familiar foram os pontos mais lembrados e devem nortear a declaração geral do encontro.
A arte como instrumento de conscientização
A tarde foi reservada para duas grandes homenagens. Atores da Brigada Nacional de Teatro Patativa do Assaré, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) encenaram a peça “Mutirão e Novo Sol”, também apresentada no 1.º Congresso Camponês do Brasil, em 1961, que precedeu esse segundo encontro unitário.
O texto é baseado em uma rebelião de camponeses, em Jales, interior de São Paulo. Os agricultores foram expulsos da terra porque o patrão preferiu continuar plantando capim para engordar o gado.
A grande surpresa ficou por conta da presença na plateia do ator Nelson Xavier, um dos autores do espetáculo e que também participou da peça naquele congresso.
Muito emocionado, ele lembrou do clima da época e destacou que o Brasil era varrido por uma onda democrática que seguia desde o final da segunda guerra e só parou em 1964, ano do golpe militar.
Brasil conformista – “Todos acreditavam que poderiam ser livres e víamos o país crescer em consciência e cidadania, como movimentos de estudantes, operários, trabalhadores. Nós, do Teatro de Arena, começamos a colaborar. Não era o Brasil que conhecemos hoje, uma sociedade fechada, caída e conformista, com pessoas preocupadas em satisfazer o patrão e não em alimentar a utopia, como fizemos”, critica.
Para Xavier, a peça foi, de certa, até “um pouco demais” para o período, devido à reação que causava.
“Escrevemos um texto como esse, mas não estávamos preparados para a luta efetiva. Agora, ele está educando, o objetivo da gente era conscientizar, mostra que há um caminho para a luta para se organizar. A união é que faz a fortaleza da gente”, determinou.
Enquanto o ator descia do palco, outro militante histórico subia para ser homenageado. Histórico combatente do latifúndio no Brasl e um dos fundadores do PT, Manoel da Conceição, aos 79 anos, relembrou o princípio que norteia a luta campesina.
“Não nascemos para sermos escravos de ninguém. Apenas queremos terra para nosso alimento e de nossa família.”
Programa de agroecologia depende mobilização
Assunto da semana no setor agrícola, o decreto da presidente Dilma Rousseff, publicado nesta terça-feira (21) e que institui a Política Nacional de Agroecologia, foi tema de discussões em uma das oficinas pela manhã.
Secretário da Articulação Nacional da Agroecologia (ANA), Denis Monteiro, lembrou que não é possível avançar nessa forma de produção sem promover a reforma agrária
“A agroecologia é feita pela agricultura familiar e é preciso estabelecer um modelo de produção baseado na biodiversidade. Se não houver um programa nacional para redução do uso de agrotóxicos, para incentivar a pesquisa voltada à agricultura familiar dentro da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), para proteção das sementes criolas, para fortalecimento dos agricultores familiares, então, essa política não é pra valer”, afirmou.
Diante disso, Monteiro resaltou o que considera os pontos negativos e positivos da medida. Como retrocesso, ele destacou a ausência de propostas dos movimentos sociais como a referência à função social da terra, instrumentos de política fundiária e a criação de um conselho nacional de agroecologia, substituído por uma comissão paritária.
Por outro lado, ele acredita que, apesar de não ser ideal, a comissão, ao menos abre a possibilidade de participação de organizações sociais. A determinação de um trabalho interministerial dentro do programa e, principalmente, a alteração das leis sobre sementes, que agora permite ao agricultor familiar produzir, comercializar e trocar sementes criolas ele indicou como positivas.
Mobilização é imprescindível –Para o representante da ANA, a forma como essa política vai afetar o campo dependerá da capacidade de pressão dos movimentos campesinos.
“Corremos o risco de a política ser de mercado, direcionada a poucos agricultores certificados que venderão para um público de maior poder aquisitivo. Ou de não sair do papel, já que não houve o anúncio de medidas imediatas, em curto prazo. Para que favoreça os povos nos territórios, teremos de manter nossa mobilização, porque essa política não é um favor do governo, é um direito dos povos”, disse.