Trabalhadores rurais discutem com governo mudanças no crédito fundiário

 

O crédito fundiário, com possíveis mudanças nos prazos de financiamento e prorrogação de datas de renegociação, foi o grande destaque da rodada de propostas e discussões realizada nesta terça-feira (13) entre representantes da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e das várias federações do setor (Fetags) com técnicos e diretores do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA). Os representantes dessas entidades, aproximadamente 200 pessoas, estão em Brasília desde ontem para discutir, ao longo da semana, a agenda referente à pauta de reivindicações dos trabalhadores rurais – que envolve perto de 20 órgãos do Executivo.

A reunião deu início às várias audiências a serem realizadas até sexta-feira, dentro da mobilização para o chamado “Grito da Terra”, no dia 20, que este ano será marcado por passeatas e atos públicos descentralizados em todo o país. No início de abril, o mesmo grupo entregou à presidenta Dilma Rousseff uma pauta formada por aproximadamente 300 reivindicações do setor, que está sendo tratada nesses dias.

No Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), um dos principais pontos abordados foi o Projeto de Lei (PL) 362, que tramita no Congresso Nacional, e trata de mudanças no Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF). O texto permitirá mudanças nos tetos de financiamento e prazos para pagamento por parte dos beneficiados. Aprovado em abril passado na Câmara dos Deputados, foi encaminhado ao Congresso pelo Executivo a partir de minuta elaborada pelo MDA e tramita, agora, no Senado.

A matéria, da forma como se encontra, dá mais prazo de carência para pagamento da terra, permitindo que as parcelas sejam feitas em até 35 anos. Também dá direito à utilização do crédito fundiário para financiamento e compra das áreas dos outros herdeiros. Na reunião, foram abordadas questões como fatores que revisem tetos e prazos para o PNCF por meio do projeto, assim que for aprovado e transformado em lei.

‘Essencial’

“São mudanças essenciais para a agricultura familiar, mas que só poderemos tornar possíveis a partir da aprovação do PL”,  afirmou o secretário de Reordenamento Agrário do Ministério, Adhemar Almeida. O projeto atualiza um texto que data de 1998 e, portanto, apresenta diversos itens que não são mais condizentes com a realidade do país. Principalmente porque, em razão de ser antiga, a legislação limita aos agricultores o acesso ao crédito fundiário. Por isso, dentre as sugestões apresentadas está em discussão a de que, além das mudanças em relação a taxas de juros e de critérios mais atuais, determinados parâmetros para concessão do crédito passem a ser definidos por meio de regimentos adequados à realidade dos estados onde morem os trabalhadores – e não mais através de lei complementar.

No encontro, os representantes do ministério e das federações (Fetag e Contag) apresentaram duas novas linhas para o PNCF, surgidas a partir da aprovação do texto legal, que poderão ajudar trabalhadores antes tidos como inaptos para conseguir o beneficiamento, a serem incluídos no programa. Ambas ainda se encontram em fase de discussão para que possam vir a ser implementadas.

A primeira linha é intitulada CAF Coop. Tem o objetivo específico de atender a agricultores familiares que não possuam ainda uma terra ou tenham propriedade considerada muito pequena. A segunda, intitulada CAF, apresentará teto de financiamento a ser regulado de acordo com as características regionais onde estão as terras. Ou seja, será aplicada na unidade da federação em que o mercado indique um valor médio da área, acima do previsto pelo PNCF.

Uma boa prática que chamou a atenção, ao longo do encontro, foi a do Programa Nacional de Capacitação Profissional para Acesso a Terra, da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai (URI), voltado para a capacitação de jovens agricultores provenientes de famílias beneficiadas pelo crédito fundiário. O programa, criado pela universidade, possui 40 vagas e duração de três anos.

A intenção, conforme destacou um dos representantes da Contag, Zenildo Xavier, com esses exemplos, é mostrar que a preocupação das entidades (Contag e Fetag) em tratar tais questões, como o teto do financiamento e a formação técnica e profissional dos jovens, é encontrar um caminho “que permita a sucessão rural de forma efetiva e consolidada”, como deixou claro. "Acreditamos que a formação é a melhor forma de garantir a sucessão e a consolidação na agricultura familiar", completou o coordenador do projeto, Luiz Pedro Hillesheim.

Renegociações

Outros temas abordados também foram avaliação e formas de serem efetivadas renegociações, com representantes do Banco do Brasil e do Banco do Nordeste, do pagamento de parcelas que não puderam ser quitadas pelos trabalhadores. “Nossa intenção é fazer com que, daqui por diante, mais beneficiários possam consolidar conosco esse processo (de renegociação)”, disse o diretor de Agronegócio do Banco do Brasil, João Alaor Santana da Silva.

Realizada no auditório do MDA, a reunião foi avaliada como positiva pelos participantes, embora tenha tido muito mais o caráter técnico de apresentação e negociação de propostas. Segundo Mazé Morais, uma das representantes dos trabalhadores, esse tipo de encontro e debate parte do trabalho que deve ser empreendido pelos movimentos sociais. “Cabe a nós avaliar propostas, lutar para que elas sejam cada vez melhores e que de fato cheguem aos trabalhadores e trabalhadoras rurais”, enfatizou Mazé.

Novas audiências

A pauta dos trabalhadores rurais tem continuidade em Brasília amanhã (14), com a realização de audiências em cinco órgãos do Executivo: Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República e ministérios da Previdência Social, da Pesca, das Relações Exteriores e do Meio Ambiente. Na quinta-feira (15), mais seis audiências estão agendadas: nos ministérios do Trabalho e Emprego, da Saúde, da Educação, da Integração Nacional, e nas Secretarias de Direitos Humanos da Presidência da República e da Juventude.

Informações da coordenação do movimento são de que as reuniões não estão concluídas por aí e outras serão marcadas até a próxima segunda-feira (19) – véspera do “Grito da Terra”. A expectativa é de que perto de 100 mil trabalhadores rurais vão às ruas em todo o país pedindo melhores condições e programas de políticas públicas para o setor.

A pauta geral abrange desde a reforma agrária ao fortalecimento da agricultura familiar, questões e normas relacionadas ao meio ambiente, juventude e sucessão rural, passando ainda por temas como assalariamento rural. Estão previstas também discussões sobre o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), políticas sociais, relações internacionais, e o debate sobre organização e enquadramento sindical.

Fonte: Rede Brasil Atual