O Conselho da Justiça Federal confirmou que quem trabalha sem proteção em locais onde há uso de produtos cancerígenos, como o amianto e o benzeno, tem direito à contagem de tempo especial quando entrar com pedido de aposentadoria.
A decisão dos membros da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, do Conselho de Justiça Federal (CJF), foi em resposta a um pedido ajuizado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que questionou acórdão (sentença de instância superior) da Turma Recursal de Santa Catarina, favorável a um trabalhador exposto a um agente químico cancerígeno.
A juíza federal Luísa Hickel Gamba, relatora do processo, rejeitou a tese do INSS de que o reconhecimento da especialidade pela exposição aos agentes só poderia ser concretizado a partir da vigência da Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos (Linach), como informou o Conjur.
Os técnicos do INSS se referiram ao Decreto 8.123/13, que trata das condições especiais da aposentadoria especial no caso de trabalhadores e trabalhadoras expostos a agente noviço que prejudicam a saúde e a integridade física no ambiente de trabalho. Segundo o Decreto, a aposentadoria especial depende do tempo em que esses trabalhadores tiveram contato com o produto cancerígeno.
A magistrada discordou. Segundo ela, o que vale é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), “no sentido de que a lei que rege o tempo de serviço é aquela vigente no momento da prestação do labor. Por outro lado, deve ser reconhecido que os critérios trazidos pelo novo Decreto, por serem meramente interpretativos, podem retroagir”.
Segundo explicou ao Portal da CUT o médico do trabalho Mário Borciane, todos os cancerígenos têm uma atuação demorada e raramente se consegue fazer a conexão entre o agente com a exposição, especialmente as profissionais, quando o trabalhador e a trabalhadora muitas vezes acabam adquirindo a doença após décadas de contato.
“Recentemente a legislação previu um número muito restrito de cancerígenos e o acompanhamento pela empresa, especificamente para o amianto e o benzeno, que são os mais nocivos, aumentaram de 20 para 30 anos. Mas o número de cancerígenos a que os trabalhadores estão expostos é enorme. Muito maior do que a lista sugerida pelo Estado brasileiro”, disse o médico.
Borciane, que é auditor fiscal aposentado do Ministério do Trabalho (MT), foi diretor de Segurança de Saúde do MT no período do governo Lula e atualmente integra o Grupo de Trabalho sobre Segurança e Saúde do Trabalhador no Fórum Nacional das Centrais Sindicais, contou que, para esses dois cancerígenos [benzeno e amianto] houve uma luta intensa dos trabalhadores para que fosse reconhecida por lei uma maior salvaguarda.
“O resto dos cancerígenos que estão na Linach, são de 20 anos, o que é absolutamente insuficiente para identificar a ação desses agentes químicos. Então, mesmo nesses cancerígenos onde se tem um controle do Estado, existe uma subnotificação importante. Para os demais, não existe sequer qualquer tipo de notificação seja porque apareceram após os 20 anos de exposição, seja porque não se conseguiu comprovar que o trabalhador adquiriu essa doença devido à exposição diária”.
Isso também pode acontecer por interesse das empresas em não fazer essa caracterização do aparecimento da doença com a exposição ao agente químico, ou em razão da assistência médica que se tem aqui no Brasil – e até no mundo – onde não se faz a conexão entre o trabalho e a exposição a agentes cancerígenos, completou.
“Na verdade, praticamente, não se faz diagnóstico de câncer decorrente do local de trabalho, com raras exceções. E, a caracterização melhor feita é quando se tem uma certa estabilidade do trabalhador. E como isso vai acontecer agora nesta nova legislação trabalhista que prevê trabalho intermitente e a precarização?”, questiona.
É importante lembrar que não existe tolerância quando se fala em ação de agente cancerígeno, alertou o médico do trabalho. Ele disse que uma exposição pequena já pode gerar um câncer e o trabalhador do meio rural é o que está mais exposto.
“Obviamente a caracterização desses agentes químicos se torna praticamente nula quando se tratam de trabalhadores com baixo poder aquisitivo e menor organização. Os trabalhadores industriais, por exemplo, estão mais atentos. Os que estavam mais expostos ao benzeno e ao amianto fizeram manifestações e greves em diversos momentos para chamar a atenção para os perigos dessa atividade e da necessidade de se ter uma proteção especial. Mas isso infelizmente é uma exceção”, lamentou.
Para a secretária de Saúde do Trabalhador da CUT, Madalena Margarida da Silva, é preciso estar atento aos movimentos do Ministério da Previdência que tentam tirar direitos dos trabalhadores e trabalhadoras.
“Esse caso é só mais uma punição do INSS que constrange um trabalhador porque ele recorreu da decisão do colegiado de Santa Catarina que reconheceu o período especial de aposentadoria quando o trabalhador se expôs ao agente químico, que é o agrotóxico”, avaliou a dirigente.
Para ela, o modelo predador de desenvolvimento que está em vigor no país, principalmente do agronegócio, não está preocupado com a saúde dos trabalhadores, especificamente aos que estão expostos ao uso do agrotóxico.
“Por isso, essa decisão é importantíssima para nós porque parece que não está tendo outra solução diferente, hoje em dia, que a da judicialização. O Estado está o tempo todo pedindo revisão não só das aposentadorias por invalidez, mas dos poucos benefícios e direitos garantidos da classe trabalhadora.”
Esse pedido de revisão faz parte da lógica da previdência social, comentou o médico do trabalho e auditor fiscal do MTE aposentado, Mário Borciane.
“Quem conhece esse tipo de conduta vindo dos peritos da previdência não fica muito admirado com essa atitude. Do ponto de vista ideológico, a previdência social tem uma posição muito favorável ao setor empresarial.
[Via CUT, reportagem de Luciana Waclawovsky]