Trabalhadores do setor petróleo se tornam influenciadores

Quando está próximo do desembarque, o comandante Jordson Moreira, de 33 anos, não precisa de muita coisa. Apenas de “um Rivotril, um Omeprazol, um Dorflex, um Advil, um Cataflan, um floral, um banho de sal grosso, um amuleto, uma sessão de terapia, 15 mil na conta, uma viagem para Maldivas, um chá de camomila e uma oração do Pai Nosso, para as coisas se resolverem”. A resposta bem humorada está em um dos vários vídeos que publica em seu perfil no Instagram, com mais de 42 mil seguidores. Oficial da Marinha Mercante, ele é um dos trabalhadores do mundo offshore que tem ganhado fãs por compartilhar o dia a dia da profissão de modo leve, mas também cheio de verdades exaustivas.

Sindicalistas, militantes sociais ou apenas trabalhadores que compartilham o cotidiano da atividade no setor petróleo têm chamado a atenção para temas que envolvem a categoria. A Imprensa do NF conversou com alguns destes influencers petroleiros. Com diferentes perfis e finalidades nas redes sociais, eles têm em comum o fato de buscarem uma comunicação direta com os seus públicos. Atualizando a antiga máxima do Cinema Novo, de que tudo o que se precisa para fazer audiovisual é uma câmera na mão e uma ideia na cabeça, eles mostram que com um celular e muita criatividade pode-se ainda muito mais.

@jordmoreira: irreverência e criatividade

O Jordson, que abre essa matéria, conta que tudo começou e continua a ser como um hobby. “Eu não tinha nenhuma pretensão de viralizar ou ganhar seguidores, comecei a fazer vídeos, dublagens que relatassem nossa realidade de forma engraçada para me divertir. Mas com a repercussão, passei a fazer para as pessoas conhecerem um pouco do nosso dia a dia, do que passamos”, explica.

Ele relata ainda que tem recebido uma resposta muito positiva do público, chegando a ter dificuldade de responder a todo mundo que entra em contato: “A resposta das pessoas é o meu grande combustível para continuar fazendo, ver o feedback positivo que me passam, as mensagens de apoio e carinho, saber que pessoas gostam e se identificam é muito gratificante é recompensador. Eu tento dar o máximo de atenção e responder as mensagens que chegam a mim”.

Seu objetivo com o perfil no Instagram é “mostrar a realidade de forma leve, engraçada. Que as pessoas vejam as nossas vivências de bordo por um outro prisma, com humores e leveza, seja as coisas boas ou as não tão boas”. Sua inspiração vem sempre do dia a dia a bordo, “com uma pitada de humor” e “às vezes, algum exagero”.

@peaooffshore: informação e ação social

No perfil @peaooffshore, Bernardo Bernard Araújo, 37 anos, supervisor de HSE (gerencia os procedimentos de saúde, segurança e meio ambiente), compartilha muito conteúdo de humor sobre situações a bordo, mas o alcance da página também chamou a atenção para o potencial de solidariedade que a ferramenta pode ter.

“Começou durante a quarentena do hotel, quando ainda ficávamos sete dias. Queria fazer algo pra ajudar a passar meu tempo e dos colegas na mesma situação. Foi quando fizemos a primeira ação social na página e ajudamos cinco pessoas com os cursos de cbsp e huet. Foi ali que percebi que a página poderia ser muito mais do que apenas memes. Poderíamos levar informações e também ajudar o próximo”, afirma o petroleiro.

Bernardo conta que a resposta do público o surpreendeu, com um crescimento que ele não imaginava ter. Atualmente, “a página tem um pouco de tudo. Memes, danças e brincadeiras (comédia) tinder offshore (relacionamento), ações sociais (filantropia), lives informativas, produtos que geram identificação da peãozada”.

A inspiração para os posts, segundo ele, vem de uma mistura entre vida profissional e pessoal. “As ideias vem de outros criadores de conteúdo, porém eu pego o que acho interessante e coloco no contexto do público offshore. Os seguidores da página ajudam muito também na geração de conteúdo e isso que acho mais legal. Por isso sempre digo que a página não é minha, e sim de todos que se identificam com ela”.

@petroleir_lgbt: militância e bom humor

Tiago Franco, 41 anos, técnico administrativo na Refinaria de Capuava (Recap), tem, somando Twitter e TikTok pessoais com Facebook e Instagram da Frente Petroleira LGBT, cerca de 10 mil seguidores. Sua atuação é mais militante, mas sem abrir mão de humor e de sátira, dependendo do momento e do tipo de rede social. Ele conta que, em 2017, quando entrou para a diretoria do Sindipetro Unificado de SP e para o Coletivo LGBT da CUT-SP, passou a usar um perfil no Twitter para registro das atividades do mandato e também de divulgação de fatos de interesse geral da indústria do petróleo, campanhas da FUP com relação à luta por preços justos e contra a privatização.

“A resposta foi muito positiva, muita gente passou a seguir e perguntar detalhes das nossas mobilizações e greves e esclarecimentos sobre as nossas propostas para fortalecimento da nossa Petrobrás, seja por mensagens privadas ou convidando para Spaces. No Instagram e Facebook administro a página da Frente Petroleira LGBT para divulgar a participação de petroleires LGBTs no dia a dia da categoria e divulgar também os episódios do programa “Invisível”, na TV 247, onde debatemos assuntos de interesse do nosso coletivo. E recentemente abri uma conta no Tiktok pra fazer sátira política usando essas novas ferramentas. Mas em todas elas a grande maioria das postagens tem o tema da luta da categoria petroleira por direito a cidadania para todes e por uma Petrobrás forte e nas mãos do povo”, explica.

@mulherespetroleiras: informação e visibilidade da luta

Também sindicalista, a diretora do Sindipetro-Caxias e da FUP, Andressa Delbons, que é coordenadora do Coletivo Nacional de Mulheres Petroleiras da FUP, utiliza o Canal Mulheres Petroleiras para vencer a invisibilidade e divulgar o trabalho das mulheres no movimento sindical petroleiro. “Já havia mulheres quando cheguei, mas raramente encontrávamos registro da atuação delas/nossas nos atos, então essa participação ficava meio que invisibilizada. Eu também acredito na liderança pelo exemplo. Então, divulgar essas mulheres na liderança aproxima as mulheres também do movimento sindical”, aponta.

Ela avalia que os resultados têm sido bons e refletem uma mudança dos próprios sindicatos em relação aos temas que envolvem a mulher. “A resposta do público nas redes tem sido positiva e penso que ajudou a repercutir também numa mudança nos sindicatos ao longo desses anos, que acabaram abrindo mais espaço na comunicação para as mulheres. A interação aqui sou eu mesma que faço, quando tenho tempo. Não é uma coisa muito profissional”, revela.

Andressa caracteriza o conteúdo que produz como informativo e documental, sempre relacionadas ao mundo do petróleo, ao movimento sindical e às questões que impactam diretamente as mulheres.

@mundoffshore: o maior de todos

Outro perfil com grande número de seguidores, que se tornou uma referência importante de informação para a categoria e para a sociedade em assuntos sobre o setor petróleo, é o @mundoffshore. A performance é relatada pelo próprio influenciador petroleiro Thelmo Tonini, 44 anos, técnico de manutenção em atuação no Espírito Santo. “Eu sou podcaster há muitos anos, comecei com podcast muitos antes de virar modinha. De lá para cá eu tive que fazer um site, o site gerou as redes sociais e aí foi passando de uma pessoa para outra de outro para um e foi crescendo. Hoje eu sou maior pelo menos as redes sociais, com o maior Instagram da América Latina se for se for só da área offshore [com 98,2 mil seguidores no momento em que esta matéria era escrita]”.

No Facebook, a página conta com mais de 25 mil seguidores e, canal do YouTube, passa dos 11 mil. E, afirma o petroleiro, “cada dia vai aparecendo mais gente, e a grande maioria são de funcionários da área offshore ou pessoas que querem entrar. A gente trabalha com informação, muito mais informação e educação do que outras coisas. Tanta repercussão virou coisa muito séria: “na minha folga, [a gestão dos perfis] toma 50% do meu tempo”, mas “quando eu estou trabalhando eu esqueço, aí vai com os amigos”.

Novos tempos, novas linguagens

Nos tempos das greves do ABC Paulista, nos anos 70, quando surgiu o novo sindicalismo, um dos bordões dos militantes sindicais era “que ninguém, nunca mais, ouse duvidar da capacidade de luta dos trabalhadores”. Nesta época, a luta e a resistência era feita por meio de boletins e panfletos reproduzidos em mimeógrafos ou em gráficas. Nos novos tempos das redes sociais, esta capacidade se amplia e se renova em múltiplas linguagens, e que ninguém, nunca mais, ouse duvidar da capacidade dos trabalhadores em influenciar e formar seguidores.

[Vitor Menezes / Da Imprensa do NF]