[Da imprensa do Sindipetro Unificado SP]
Especialistas traçaram semelhanças e contrastes entre relações de trabalho de diferentes países, com o objetivo de refletir sobre alternativas de organização diante da retirada de direitos e consolidação da “uberização” ao redor do mundo
Na última semana, dois fatos se mostraram como metáforas contemporâneas da classe trabalhadora brasileira. Na terça-feira (30), a divulgação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou que apenas 49,5% das pessoas em idade de trabalhar estão ocupadas no Brasil, recorde negativo na história do levantamento feito pela entidade. Por outro lado, no dia seguinte, quarta-feira (1), entregadores de aplicativos protagonizaram uma greve histórica em todo o país, chamada nas redes de “Breque dos Apps”.
Em São Paulo, cerca de cinco mil trabalhadores participaram da mobilização pelas principais vias da capital, reivindicando aumento da taxa mínima por corrida, fim dos bloqueios injustos nos aplicativos e auxílio por contaminação de covid-19 ou acidentes.
Diante desse complexo cenário, que escancara uma crise sem precedentes ao mesmo tempo que explicita a erupção de movimentos de resistência, a 14ª edição do SindiPapo, live criada no início da pandemia pelo Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo (Sindipetro Unificado – SP), teve como tema: “Modelos sindicais e rumos do sindicalismo brasileiros”.
O bate-papo ocorreu na última sexta-feira (4) e contou com a presença da professora adjunta do Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Larissa Rosa Corrêa; do metalúrgico e secretário-geral da Central Única dos Trabalhadores de São Paulo (CUT-SP), João Cayres; e do diretor da Federação Única dos Petroleiros (FUP), João Moraes.
Modelos sindicais
Além de professora adjunta de História na PUC-Rio, Larissa também é autora do livro “Disseram que voltei americanizado”, título inspirado na canção imortalizada por Carmen Miranda. Por meio de uma pesquisa aprofundada, a obra resgata a tentativa da American Federation of Labor (AFL), a maior central sindical norte-americana, de implementar o chamado sindicalismo “livre e democrático” no Brasil, durante as décadas de 1960 e 1970. A historiadora expõe o intercâmbio realizado por sindicalistas brasileiros e os limites e contradições encontrados pela AFL no regime ditatorial brasileiro.
Os norte-americanos e suas multinacionais se incomodavam muito com esses direitos individuais dos trabalhadores brasileiros. Eles costumavam dizer que a CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] impedia a modernização do Brasil. Toda vez que os brasileiros iam para os Estados Unidos aprender sobre o sindicalismo de negócios, voltavam admirados com o fato de que lá os grevistas não tinham direito de receber pelos dias parados, por exemplo. Também incomodava muito os norte-americanos a atuação da Justiça do Trabalho”, explica Corrêa.
Uma menor rigidez das relações de trabalho não determina, entretanto, um julgamento maniqueísta sobre o modelo sindical norte-americano. João Cayres, que já coordenou a Secretaria de Relações Internacionais da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM), exalta a liberdade de organização dos trabalhadores nos Estados Unidos.
“O que eu gosto do modelo norte-americano é que existe uma certa liberdade de associação. Não existe esse negócio de categoria, eles vão se abrindo. O Still Works, sindicato dos metalúrgicos, assumiu os trabalhadores dos cassinos de Las Vegas, por exemplo. Aqui se cria muito sindicato, isso não funciona. Nós temos uma cultura corporativista. Temos, atualmente, 12 mil sindicatos no Brasil. Essa fragmentação é muito ruim. Agora o que eles queriam implementar no Brasil é o modelo chileno, que é a fragmentação total. Isso permitiria criar vários sindicatos em um mesmo local de trabalho, por exemplo”, opina Cayres.
Atualmente, o país possui cerca de 17 mil sindicatos ativos – 12 mil de trabalhadores e 5 mil patronais. Apesar de concordar com a reflexão de Cayres, o diretor da FUP, João Moraes, vê a necessidade de fazer uma diferenciação sobre a liberdade de associação defendida por setores trabalhistas e a proposta dos patrões sobre o tema.
“No Brasil, muitas vezes, adota-se chavões. Por exemplo, tudo que tem preocupação com o conjunto da sociedade, principalmente com o povo pobre, é taxado de populismo. Para impor um modelo que facilitasse a apropriação do país por capitais externos também criticavam o corporativismo. Principalmente nós, petroleiros, somos muito acusados de corporativos, até pela nossa capacidade de mobilização. Então eu sempre digo que nós precisamos ser corporativos, sem sermos corporativistas. Sempre defendemos a categoria, com uma visão classista, a partir da defesa de uma Petrobrás pública. Isso é ser corporativo, sem ser corporativista. Porque defender os direitos é defender a Petrobrás. E defender a Petrobrás é defender o Brasil”, pondera Moraes.
Apesar dos contrastes de modelos, o fortalecimento da organização sindical é um fator presente em praticamente todos os países desenvolvidos economicamente. “Todo país rico, desenvolvido, tem sindicato forte. Alemanha, França, Itália, Suécia, Noruega. Onde não tem sindicatos fortes? África, Ásia. Se os sindicatos atrapalhassem a economia, a Alemanha não seria o que era”, aponta Cayres.
Retirada de direitos
Desde o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), projetos que retiram direitos dos trabalhadores passaram a ser colocados como prioritários nos governos que a sucederam. Ainda no governo de Michel Temer (MDB), em novembro de 2017, passou a vigorar as novas regras estabelecidas na reforma trabalhista.
Um dos pontos mais contestados pelas entidades trabalhistas foi justamente a possibilidade de negociação direta e individual entre empregado e patrão de temas como compensação de banco de horas e feriados, jornada de trabalho, remuneração, parcelamento de férias e plano de carreira.
“O que está acontecendo agora é uma destruição dos direitos trabalhistas. A negociação direta é no mínimo ingênua, como se patrões e empregados fossem sentar-se tranquilamente para negociar os seus direitos, com os mesmos poderes de decisão. É uma ficção absurda. Mas nem isso está ocorrendo, porque os sindicatos perderam drasticamente seu poder de atuação direta”, avalia Corrêa.
Outra medida da reforma trabalhista foi acabar com a obrigatoriedade da contribuição sindical. “A gente criticava muito a questão do imposto sindical, mas tem que haver um custeio. Mesmo nos Estados Unidos, que os sindicatos são 100% financiados pelos trabalhadores, o Solidarity Center, que tem um trabalho de formação nos últimos anos, recebe financiamento público. As fundações na França, Itália e Alemanha também têm financiamentos públicos”, enumera Cayres.
Desde a sua fundação, a CUT sempre se posicionou contra o imposto sindical, que obrigava os trabalhadores a contribuírem com um valor anual relativo a um dia de trabalho. Entretanto, o fim dessa contribuição deixou um vácuo para a organização financeira dos sindicatos.
“Nós somos a favor de uma taxa negocial acordada com os trabalhadores, como uma forma de sustentar a luta e negociação coletiva. Por outro lado, os patrões propuseram retirar o imposto sindical e não colocar nada no lugar. Isso destruiu a capacidade financeira do trabalhador se organizar. Quando a gente vê o patrão defender a liberdade do trabalhador se organizar é preciso ter um olhar com alguns cuidados, a gente não pode embarcar nessa. Nós apontamos o caminho da liberdade com unidade”, denuncia Moraes.
Com essas mudanças na legislação que rege as relações de trabalho, somado a uma conjuntura internacional da retomada de um ideário neoliberal, o país tem visto uma queda abrupta do trabalho formal. Hoje, o Brasil possui 12,7 milhões de desempregados e 30,4 milhões de pessoas subutilizadas – termo que reúne subocupados e desalentados (que desistiram de procurar emprego).
“A gente precisa sempre lembrar que o presente é a indefinição da história. Eu acho que todos nós compartilhamos essas incertezas do tempo presente, inclusive em relação ao trabalho. Na minha opinião, esse é o momento de discutir regulação e modelos de relações de trabalho. Mas o que a gente tem discutido muito, neste momento, é a própria concepção de trabalho. O que é trabalho?”, questiona Corrêa.
Assista abaixo o bate-papo completo: