Trabalhadores de Jirau e Santo Antônio atropelam consórcios e arrancam 7% de aumento antecipado

Os representantes da Camargo Correa, empresa responsável pelas obras da usina de Jirau, e da Odebrecht, à frente da construção da hidrelétrica de Santo Antônio, ambas em Rondônia, choraram o quanto puderam. Levaram estatísticas para mostrar como investiam na melhoria de salários e benefícios para os operários, como tudo estava acima da inflação, do IGPM, de qualquer índice e, talvez, imaginaram que o show de encenação seria capaz de sensibilizar corações ali presentes. Não deu certo.

Por algum motivo inexplicável, durante a audiência de conciliação no Tribunal Regional do Trabalho, em Porto Velho, nessa sexta-feira (30), aqueles que chegam a realizar jornadas de até 16 horas sob o sol escaldante para conseguir incrementar o salário com horas extras, muitas vezes, não pagas, resolveram endurecer a negociação.

E arrancaram um aumento antecipado de 7% nos salários, além da elevação do Big Card, uma espécie de vale alimentação, para quem recebe até R$ 1.500. De acordo com as próprias empresas, 80% do pessoal. Os demais operários terão 5% de reajuste e R$ 200 no vale alimentação.

Nesta segunda (2), a proposta vai à assembleia em Jirau e Santo Antônio. Caso seja aprovada, todos retornam às atividades imediatamente e dão início às discussões da campanha salarial.

A pauta da categoria cuja data-base é em maio já está pronta: 30% de aumento, pagamento de 100% de todas as horas extras, baixada de 10 dias a cada 70 trabalhados, entre outros pontos.

Queda de braço
O discurso inicial da Camargo Corrêa e da Odebrecht estava bem ensaiado: não poderiam antecipar mais do que 5% porque chegaram ao limite Diziam que tudo estava de acordo com o momento, a economia. Numa tentativa singular de vencer o Oscar para ator coadjuvante, o representante da terceirizada Enesa Engenharia ainda citou que lá o pessoal havia aceitado a proposta em assembleia (clique aqui para ler). Maneira delicada de afirmar que assim estava bom e bastava pressionar os demais.

Porém, o representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria da Construção e da Madeira (Conticom), Cláudio Gomes, mediador da negociação desde o início, fez questão de ressaltar que a proposta de 5% era dos empresários e não dos operários e destacou o papel da Enesa como estopim de todo o problema. “Foi a partir de lá que começou o movimento.”

No último dia 9, 1.500 trabalhadores da empresa que presta serviço em Jirau ao Consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR) – comandado pela Camargo Correa – resolveram cruzar os braços por conta das precárias condições no alojamento. Três dias depois, a mobilização se estendeu a todo canteiro. Já em Santo Antônio o movimento paredista começou no último dia 26.

Patrão faz compra com R$ 174?

Não faltaram outros grandes momentos. Diretor financeiro da Odebrecht, Antônio Cardille, tentou injetar um pouco de drama ao momento, destacando que recebeu ameaças anônimas por telefone. Postura bem diferente daquela adotada pela construtora de Santo Antônio e pela Camargo Corrêa, que ameaçaram sem cerimônia nenhuma, através de comerciais de TV, na última quarta, a demissão de todos os trabalhadores que não voltassem ao trabalho, instaurando um verdadeiro clima de guerra nos canteiros (clique aqui para ler).

A discussão continuava dura, os representantes das usinas permaneciam batendo na tecla da inflação e de todos os índices imagináveis, até que o armador João Batista Arc, um dos membros da comissão de trabalhadores de Jirau, resolveu lembrar como era difícil criar os filhos e fazer as compras com um vale alimentação de R$ 174. Naquele instante, parecia que os patrões descobriam a pólvora e, enfim, resolveram agir com alguma sensibilidade.

Trabalhadores abandonados, Camargo não assume

E retomou, em particular, o caso dos 80 funcionários da WPG Construções, subcontratada do consórcio ESBR, que abandonou os trabalhadores no canteiro e desapareceu. O grupo comandado por um homem chamado Júlio Schmidt foi pago para realizar  desmatamento de uma área a ser inundada pelas águas do Rio Madeira, mas deixou o local e não quitou as dívidas trabalhistas e nem deu baixa na carteira dos operários. 

Desde setembro, é o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Construção Civil de Rondônia (Sticcero) quem custeia alimentação, hospedagem, transporte e outras necessidades como remédios. Em dezembro do ano passado, a Justiça do Trabalho determinou o bloqueio da conta bancária e de 50% do salário de Victor Paranhos e de Paulo Maurício Mantuano, respectivamente, presidente e diretor financeiro da ESBR. A mesma pena foi aplicada a Schimdt.

Mas, já no final do mês o ministro do Tribunal Superior do Trabalho, João Dalazen, ordenou a suspensão da liminar. Dessa forma, os valores nas contas dos trabalhadores, inclusive os que já estavam antes da definição judicial, foram bloqueados prejudicando sensivelmente pessoas como Antônio Leal.

Os nomes atrás dos números – O trabalhador que deixou Pimenta Bueno, ao sul de Rondônia, sofre com cólicas renais e, sem recursos para comprar remédios nas farmácias, precisa recorrer a medicamentos naturais. “Tinha até uma economia no banco, mas perdi tudo quando confiscaram a conta”, comenta.

Já o operador de motosserra Helvécio Elídio está há dois meses sem poder pagar pensão alimentícia. “Tenho dois filhos em Cacoal – outro município rondoniense –, um de 9 e outro de 12 anos. Ontem, um deles me ligou pedindo para que eu pelo menos comprasse um ovo de Páscoa”, disse o homem negro, de fala simples, que ainda mantém a esperança receber pelo trabalho que realizou em Jirau e que lá permanece para utilização da usina.

O contrato firmado entre consórcio e WPG prevê a responsabilidade solidária no pagamento aos trabalhadores. Dessa forma, caso a terceirizada não cumprisse com suas obrigações, como aconteceu, o ESBR seria o responsável por acertar os valores. Tarefa, claro, muito árdua para quem enxerga simplesmente lucros e números ao invés de vidas.

Relações suspeitas
Contudo, há quem observe algo além do desejo de diminuir o prejuízo nessa postura. O encarregado da WPG, Nilson Arruda, classifica o acordo entre as empresas como contrato bandido. E tem conhecimento para tal: segundo ele, que já prestou depoimento ao Ministério Público, um link entre as contas de internet dele e do senhor Schimidt permitiram que tivesse acesso a informações, no mínimo, intrigantes.

Sem precisar comprovar qualquer aptidão para executar o serviço, a WPG fechou o acordo com a ESBR no valor de R$ 56 bilhões. Logo de cara, a empresa que necessitou de dois avalistas para financiar duas caminhonetes com o banco no valor de R$ 93 mil, obteve 10% de adiantamento. E mesmo após os trabalhadores procurarem José Marcos Torres Lajes, gerente de obras do reservatório de Jirau, para denunciar a falta de pagamento, os valores continuaram sendo repassados.

“Durante todo o tempo em que ficou no canteiro de obras, a empresa não executou nem 6% do valor do contrato. Mesmo assim, recebeu em março R$ 1 milhão. Em setembro fomos à Nova Mutum, onde fica o escritório do consórcio, e colocamos que não estavam pagando os salários e os fornecedores. Simplesmente não tomaram conhecimento e no dia 16 de setembro depositaram mais R$ 444 mil na conta da WPG. Será que não há alguma jogada financeira para que todos ganhem? Porque é muito estranho esse negócio”, questiona.

Ranking das picaretagens
Procurador chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Rondônia, Ailton dos Santos, que já flagrou casos de trabalhadores em situação análoga à escravidão na obra, acredita que a terceirização é o ponto irradiador desse cenário. “O consórcio recebe dinheiro do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social), do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), mas não assume responsabilidade sobre os trabalhadores, não contrata, fraciona para não arcar com encargos trabalhistas”, apontou ele, lembrando que já foram despejados R$ 15 bilhões de investimentos públicos apenas nas duas usinas.

Para Santos, é necessário exigir contrapartidas. “A União deve ser instada a inserir no contrato a obrigação dos consórcios contratarem de forma direta para que não possam fugir de suas responsabilidade.”

Secretário de Formação da CUT-RO, João Anselmo também sugeriu durante a audiência a criação de um ranking com nomes de empresas que não respeitam os direitos humanos. “Quem estivesse nessa lista não poderia participar de concessões do governo federal”, sugeriu. Vale lembrar, com bem destacou o dirigente cutista, que o projeto do deputado federal Sandro Mabel (PR-GO), responsável por permite a terceirização até nas atividades principais das empresas e que acaba com a solidariedade das contratantes, já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.

A ideia da lista parece ser uma boa saída, porque, como lembrou o vice-presidente do Sticcero, Altair Donizete, as relações pouco claras de governos e empreiteiras não são privilégio das hidrelétricas. “Vivemos uma situação de escravidão organizada e não é só na usina, mas também na área predial. Tem uma empresa chamada LA Engenharia, que há três anos atrasa pagamento, passa quatro, cinco meses sem pagar e continua pegando obras da prefeitura e do Estado. Eu queria saber como consegue.”

A maior parte dos brasileiros Donizete, também gostaria de obter essa resposta.