“Todas as lutas em defesa da classe trabalhadora são uma só”, afirma doméstica

As domésticas raramente são reconhecidas como trabalhadoras, mesmo tendo papel chave na sociedade (Foto: Licia Rubinstein/Agência IBGE Notícias)

Em entrevista ao Sindipetro Unificado, representante das domésticas comenta os principais desafios enfrentados pela categoria e reafirma a necessidade de união dos trabalhadores

[Por Marcelo Aguilar | Edição: Guilherme Weimann, da imprensa do Sindipetro SP]

“Infelizmente, a maioria da sociedade não nos enxerga como trabalhadoras ainda”, afirma a tesoureira do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Campinas e Região, Aparecida Marcondes de Oliveira. Essa é uma realidade que afeta, em diferentes graus, o cotidiano de uma série de profissões circunscritas ao ambiente doméstico: cuidadoras, babás, faxineiras, diaristas. Todas elas, agentes chaves na vida de muitas famílias e, consequentemente, de toda a sociedade.

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Porém, como constata a sindicalista, raramente são reconhecidas como trabalhadoras, à sombra da “colaboração”, do “é quase da família”, entre tantas outras figuras de linguagem que ocultam o “trabalho” e a sua exploração. Isso impõe grandes desafios à categoria, que são abordados por Aparecida nesta entrevista exclusiva concedida à comunicação do Sindipetro Unificado.

Confira na íntegra:

Após mais de 10 anos da PEC [Proposta de Emenda Constitucional] das domésticas, como você avalia a situação laboral do setor?

A gente avalia que a PEC foi um avanço para as trabalhadoras domésticas. Somos uma categoria muito antiga no Brasil e no mundo, mas sempre ficamos de fora da Constituição, sempre fora da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]. A PEC vem trazer direitos trabalhistas, sim, mas ainda não veio a igualdade de direitos com outros trabalhadores e trabalhadoras. Foi um avanço, foi muita luta, mas mesmo assim ainda estamos longe [dos direitos de outras categorias]. 70% da categoria infelizmente não têm carteira assinada. Temos muito trabalho pela frente. Precisamos formar consciência, levar informação para a categoria. O trabalho doméstico tem diferenças em relação a outros trabalhos. Vocês, petroleiros, têm um mesmo empregador, aqui cada uma tem um empregador diferente. A lei do registro é obrigatória, mas nem sempre é cumprida. Precisamos levar mais informação para cobrar os empregadores, e fortalecer a união das trabalhadoras, que se entendam como categoria.

Quais são ainda os principais desafios para as domésticas na sua luta por direitos?

O principal desafio é conseguir a igualdade de direitos: salário, seguro desemprego, PIS [Programa de Integração Social]… Avançar na quantidade de carteiras assinadas e incluir outros setores como as diaristas. A jornada de trabalho é outro grande desafio. Segundo a Lei Complementar nº 150, pode haver escala de horário de trabalho de 12 horas seguidas por 36 horas de descanso, desde que seja acordado pelas duas partes, mas estão aparecendo jornadas 24×24, por exemplo, ou outros tipos de jornadas. Às vezes por falta de consciência ou por necessidade, as companheiras acabam aceitando essas situações, mas precisamos lutar muito para que isso deixe de acontecer.

O que representa a chegada do novo governo Lula para as domésticas e para a luta das mulheres como um todo?

Para nós, significa muito no sentido do avanço das políticas públicas. Fortalece a classe trabalhadora. Tem várias iniciativas do governo que contam com a participação das trabalhadoras, com as quais não vamos conseguir tudo, obviamente, mas que vão nos permitir avançar na garantia de direitos. É só com um governo popular que podemos obter essas conquistas. Há uma diferença enorme com o governo anterior, temos a Secretaria da Mulher, temos um foco na questão racial, e tem ações concretas como a igualdade salarial entre mulheres e homens, que são importantíssimas. Em resumo, esse é um governo que recebe os movimentos sociais, é um governo que dialoga, e isso é sempre um grande avanço.

Encontro de Lula com trabalhadoras domésticas no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo (SP), durante a campanha para a eleição presidencial de 2022 (Foto: Ricardo Stuckert)

Cada vez mais mulheres têm assumido postos de liderança dentro do movimento sindical, mas o consenso é de que ainda falta muito por avançar. Como você avalia a participação das mulheres no movimento e porque é importante que elas liderem entidades de trabalhadores?

Desde que começou minha caminhada eu vejo que avançamos bastante, nos últimos anos temos avançado, mas de fato ainda falta muito a respeito da participação das mulheres. Temos mais mulheres na política, sindical e partidária, é verdade, mas esse crescimento ainda está longe de acompanhar a igualdade. A mulher pode e deve estar onde ela quiser. Somos mais de 50% do Brasil e temos que ser representadas por nós mesmas. Quem vai sentir e representar nossas dores senão nós? A gente é que tem que estar participando e lutando. No caso das domésticas, nós mesmas temos que nos valorizar como trabalhadoras, e nos colocar na luta junto com as outras categorias em busca dos nossos direitos. Não adianta ficar reclamando se a gente não participa. Nós queremos que nossos direitos sejam respeitados.

Cida, segunda à esquerda, em atividade com integrantes do Sindicato das domésticas (Foto: acervo pessoal)

Você acha que o trabalho doméstico é subvalorizado? Qual é a importância dele para a sociedade e economia brasileira?

Sem dúvidas. Infelizmente, a maioria da sociedade não nos enxerga como trabalhadoras ainda. Já ouvimos muito argumento contra o PIS que dizia que não produzimos. Mas produzimos, sim. Geramos economia. Enquanto você trabalha numa casa você está permitindo que essa pessoa desenvolva uma carreira ou um trabalho, que seja médico, professor ou advogado, então estamos contribuindo com a sociedade, mas ainda é um desafio enorme para que a gente seja respeitado. Porque isso geralmente é invisibilizado. As relações se misturam muito também, e isso faz com que a sociedade às vezes não enxergue. É aquilo de “minha colaboradora”, a “minha secretária”, “é quase de família”, “a pessoa que está me ajudando”. Muitas vezes as trabalhadoras acabamos reproduzindo isso também. Essa relação confunde as coisas e dificulta o reconhecimento dos nossos direitos. Não é que a gente não possa estabelecer relações de amizade, mas desde que sejam respeitados nossos direitos na relação de trabalho.

Outro aspecto que dificulta bastante é o fato de ser um trabalho individual, como cada uma negocia com seu empregador, muitas vezes não enxergamos esse lado de que precisamos umas das outras para conquistar mais coisas, isso dificulta até o entendimento de que somos uma categoria das domésticas. Para conquistar direitos, a gente tem que se sentir classe trabalhadora, não é cada uma cuidar só do seu território. Todas as lutas em defesa dos direitos da classe trabalhadora são uma só, mesmo vindo de setores e trabalhos tão diferentes. Nós temos que nos sentir parte dessa luta maior e avançar juntas.