Por Carlos Lopes, da Hora do Povo
Algumas semanas atrás – dois meses, para ser exato – o economista Amir Khair, escrevendo na revista “Teoria e Debate”, da Fundação Perseu Abramo, do PT, alertou: “É imperioso retomar a defesa da Previdência Social e exigir do governo a imediata compensação das desonerações”.
Khair explicitava o problema: “Um dos artigos da legislação que criou a desoneração prevê que a perda de arrecadação terá de ser compensada pelo Tesouro Nacional à Previdência Social. Não há, porém, nenhuma sanção pelo descumprimento dessa obrigação, o que pode causar problemas no futuro. Como até agora não foi feita nenhuma compensação do Tesouro Nacional ao regime geral dos trabalhadores, já começaram na grande mídia críticas à sustentabilidade das contas previdenciárias” (Amir Khair, “Ataques à Previdência Social”, Teoria e Debate, ed. 106, 27/11/2012).
Ao que parece, o futuro já chegou. Na última terça-feira, a Secretaria do Tesouro Nacional publicou o “Resultado do Tesouro Nacional”. Neste relatório, consta que a única compensação às desonerações que a Previdência recebeu do Tesouro foi R$ 1,790 bilhões em dezembro. Fora isso, nada.
Segundo o secretário de Políticas de Previdência Social, Leonardo Rolim, o rombo causado pelas desonerações em 2012 monta a R$ 4,3 bilhões, mas o Congresso somente votou a compensação de R$ 1,790 bilhões, que corresponderia à primeira leva de desonerações – mas não às outras, que dependeriam da votação do Orçamento de 2013, já atrasada de alguns meses, assim como mais R$ 15 bilhões em desonerações que o governo pretende fazer neste ano.
No entanto, a lei aprovada pelo Congresso, e assinada pela presidente Dilma, diz explicitamente:
“Art. 9º, inciso IV – a União compensará o Fundo do Regime Geral de Previdência Social, (…) no valor correspondente à estimativa de renúncia previdenciária decorrente da desoneração, de forma a não afetar a apuração do resultado financeiro do Regime Geral de Previdência Social (RGPS)” (Lei nº 12.546, de 14/12/2011, grifo nosso).
Além disso, em um Orçamento que está longe, muito, muito, mas muito longe mesmo, de ser imperativo (a rigor, o governo é obrigado pela Constituição a cumprir apenas dois itens – o pagamento da dívida e a folha salarial), qual a dificuldade de redefinir recursos – ou, se for o caso, pedir uma suplementação orçamentária ao Congresso?
Certamente que a presidente Dilma exigirá que esse problema seja resolvido com a mesma presteza com que exigiu que as bolsas atrasadas do “Ciência Sem Fronteiras” fossem pagas.
Naturalmente, impostos são uma contribuição à vida coletiva – nesse caso, à Nação. Não é à toa que os defensores das desonerações geralmente associam-na a um suposto “espírito animal” que seria necessário despertar nos empresários. Realmente, não pagar impostos é coisa de animal.
Pode-se argumentar que seria melhor que os impostos fossem assim ou assado, mas não se pode discutir que a “contrapartida” da tributação é o gasto público – em prol do cidadão, e, inclusive as empresas, quando o governo corresponde – e que, portanto, a contrapartida das desonerações é o oposto (ver o interessante estudo de F.G. Silveira, Jh. Ferreira, J. Mostafa, J.A.C. Ribeiro, “Qual o impacto da tributação e dos gastos públicos sociais na distribuição de renda do Brasil? – observando os dois lados da moeda“, in J.A.C. Ribeiro, A. Luchiezi Jr e S.E.A. Mendonça (orgs.), “Progressividade da Tributação e Desoneração da Folha de Pagamentos – elementos para reflexão”, Ipea/Sindifisco/Dieese, Brasília 2011, págs. 25 a 63)
A outra questão é o verdadeiro tamanho do rombo produzido na Previdência por essas “desonerações”.
Em abril passado, o Ministério da Previdência declarou que “a renúncia fiscal seria de aproximadamente R$ 7,2 bilhões ao ano. Já a Anfip estimou em R$ 7,06 bilhões a perda de arrecadação previdenciária em 2012, para os setores incluídos na Lei 12.546/2011, com as alterações da MP 563/201214” (Dieese, NT nº 115, “A Desoneração da Folha de Pagamentos: Avaliar para não perder”, outubro 2012, pág. 9).
Agora, pela primeira vez, aparece R$ 4,3 bilhões.
Obviamente, mal saiu o “Resultado do Tesouro”, a mídia reacionária saiu trombeteando um déficit de R$ 40 bilhões ou algo semelhante – aliás, completamente fantasioso, como sempre omitindo as receitas de impostos ou contribuições que são específicas para financiar a Seguridade Social, formada pela Previdência, Saúde e Assistência Social. E, além disso, manipulando os gastos com os aposentados rurais, como se estes não fossem um caso, como disse o então presidente Lula, de política social.
Se o leitor nos permite um desvio do nosso tema central, esse último caso é bem revelador da índole dessa malta mídio-plutocrática: em 2012, os trabalhadores urbanos contribuíram para a Previdência Social com R$ 270 bilhões e houve benefícios no valor total de R$ 245,5 bilhões. Portanto, mesmo sem os impostos e contribuições que a Constituição designa especificamente para o financiamento da Seguridade, portanto da Previdência Social, haveria superávit, quanto aos trabalhadores urbanos, de R$ 24,5 bilhões.
No caso dos trabalhadores rurais, o montante de suas contribuições em 2012 foi R$ 5,8 bilhões, enquanto os benefícios foram R$ 71,1 bilhões, um resultado de R$ -65,4 bilhões. O suposto déficit de R$ 40 bilhões é a subtração do superávit das contribuições dos trabalhadores urbanos (R$ +24,5 bilhões) e do resultado da previdência rural (R$ -65,4 bilhões).
Porém, somente três contribuições específicas para a Previdência já montam, em 2012, a R$ 278,2 bilhões: a Cofins (R$ 174,5 bilhões), a CSLL (R$ 57,5 bilhões) e o PIS/PASEP (R$ 46,2 bilhões). Aliás, as duas arrecadações que mais cresceram em 2012 foram a da Cofins e a do PIS/PASEP).
Somente aí já haveria um superávit de R$ 212,8 bilhões – sem contar, por exemplo, as receitas advindas das loterias que a lei determina que sejam canalizadas para a Previdência.
Todos esses dados estão no relatório do Tesouro (STN, “Resultado do Tesouro Nacional”, Vol. 18, Nº 12, Dezembro/2012, págs. 8, 19 e 20).
Mas, além disso, o resultado de R$ -65,4 bilhões da previdência rural é apenas um gasto. Por exemplo, existe alguém que diga que o gasto do governo com funcionários ou com a compra de livros didáticos, por exemplo, é um déficit? Evidentemente, ninguém é tão estúpido. Pelo menos em público. A previdência rural, que apenas reflete as condições de trabalho no campo brasileiro, historicamente uma desgraça para os trabalhadores (até a Constituição de 1988 a Previdência ainda não se estendera aos trabalhadores rurais – os antigos FUNRURAL e PRÓ-RURAL eram quase serviços de indigência – quase 60 anos depois dos trabalhadores urbanos), também é um gasto do Estado, não um déficit.
Estamos falando de 8,8 milhões de trabalhadores que percebem, via de regra, salário-mínimo, e de uma população rural total de 29,4 milhões de pessoas (cf. “Boletim Estatístico da Previdência Social – BEPS”, Novembro/2012).
O único rombo que existe na Previdência é o que está sendo causado pelas desonerações sem cobertura do Tesouro. Apesar disso, há gente (gente?) que, se pudesse matar os idosos – não todos, apenas os pobres, homens e mulheres que, com seu trabalho, contribuíram para enriquecer o país – não tenhamos dúvida sobre qual seria sua política…
Portanto, alerta, presidente Dilma!