Publicado no Diário Oficial do dia 24 de agosto sem alarde, o decreto que determina a extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), na Amazônia, surpreendeu muita gente e ganhou manchetes alarmadas no Brasil e nos principais jornais do mundo. Não foi o que ocorreu com investidores e empresas de mineração canadenses. Em março, cinco meses antes do decreto oficial do governo, o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, anunciou a empresários do Canadá que a área de preservação amazônica seria extinta e sua exploração, leiloada.
A reportagem é de Ricardo Senra, da BBC Brasil, e foi publicada no dia 26 de agosto. Leia a íntegra:
Mineradoras canadenses souberam de extinção de reserva na Amazônia 5 meses antes do anúncio oficial
O fim da Renca foi apresentado pelo governo Temer durante um evento aberto em Toronto, o Prospectors and Developers Association of Canada (PDAC), junto a um pacote de medidas de reformulação do setor mineral brasileiro, que inclui a criação de Agência Nacional de Mineração e outras iniciativas para estimular o setor.
Pouco depois do encontro, em abril, o ministério de Minas e Energia publicou no Diário Oficial uma portaria – que passou despercebida pelo público em geral – pavimentando o caminho para o decreto que seria assinado alguns meses depois e dispondo sobre títulos minerários dentro da Renca.
Conexão canadense
Segundo a pasta, esta foi a primeira vez em 15 anos em que um ministro de Minas e Energia brasileiro participava do evento, descrito pelo governo brasileiro como uma oportunidade para “abordar o aprimoramento na legislação brasileira e também demonstrar os planos do governo para incentivar o investimento estrangeiro no setor”. De outro lado, movimentos sociais, ambientalistas e centros de pesquisa dizem que não haviam sido informados sobre a extinção da Renca até o anúncio da última quinta-feira.
O Canadá é um importante explorador de recursos minerais no Brasil e vem ampliando este interesse desde o início do ano. Hoje, aproximadamente 30 empresas do país já exploram minérios em território brasileiro – especialmente o ouro, que teria atraído garimpeiros à área da Renca nos últimos anos.
Em junho, dois meses antes da extinção oficial da reserva amazônica, a Câmara de Comércio Brasil-Canadá anunciou uma nova Comissão de Mineração, específica para negócios no Brasil, que reúne representantes destas 30 empresas.
À BBC Brasil, o coordenador da comissão canadense defendeu a abertura da área amazônica para pesquisas minerais, disse que a “mineração protege a natureza” e afirmou que “não há uma corrida” para explorar a região da Renca, mas que “acha muito saudável” a disponibilização da região para exploração mineral.
O Ministério de Minas e Energia prometeu responder aos questionamentos enviados pela BBC Brasil durante toda a sexta-feira. No final do dia, entretanto, informou que não daria retorno devido a uma entrevista coletiva de emergência convocada pelo ministro Fernando Coelho Filho.
Na entrevista, o ministro afirmou que a extinção da área de reserva amazônica, com área um pouco maior que a da Dinamarca, não terá impactos ambientais. Segundo Coelho Filho, o início das atividades de exploração na região ainda deve demorar 10 anos.
‘Ninguém pode julgar o Canadá’
Coordenador da recém-criada Comissão de Mineração da Câmara de Comércio canadense, o empresário Paulo Misk participou dos seminários realizados em março no Canadá e não vê problemas na divulgação antecipada do fim da reserva.
“A gente tem que fazer um trabalho de divulgação, promoção e atração de investimento de mais médio ou longo prazo”, diz.
“Não temos pronto nenhum projeto para ser instalado lá”, continua o representante canadense. “Por enquanto estamos no campo das perspectivas, promessas e iniciando o processo. Não é tão rápida a resposta.”
Misk afirma que o Canadá é o país que mais investe em pesquisa no mundo e que “os ambientalistas deveriam repensar a nossa posição: a mineração é extremamente benéfica”.
Sobre a Renca, ele afirma que a liberação permitirá que “uma grande área seja preservada”.
“Se tiver oportunidade de ter uma mineração bem constituída e legalizada (na região da Renca), olha, eu vou ficar muito feliz porque vai ser para o bem do Brasil e para o bem da sociedade brasileira, especialmente no Pará e no Amapá”, diz.
Misk também afirma que a ocupação da região por empresas de mineração deve inibir a presença de garimpeiros, cuja atuação irregular na região já resulta em contaminação de rios por mercúrio.
Presidente da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral (ABPM), o geólogo Luiz Azevedo também esteve em Toronto e concorda.
“Dizer que o governo está abrindo para o desmatamento é ridículo, é coisa de quem não conhece o assunto”, diz.
“Eu não me atrevo a falar sobre música. Fico impressionado como os artistas agora se atrevem a falar sobre mineração e sobre unidades de conservação”, diz, citando a modelo Gisele Bündchen, que criticou o anúncio em suas redes sociais.
Sobre o anúncio antecipado da extinção da área de preservação na Amazônia, Azevedo diz que o ministro divulgou que “uma área muito grande que seria liberada para pesquisa mineral”.
“Foi dito pelo ministro como parte de um pacote de medidas visando mostrar ao investidor que a ideia da Dilma de estatizante tinha acabado.”
“O que eles querem são novas áreas para se pesquisar e novas possibilidades. Ninguém pode julgar o Canadá. Eles têm uma mentalidade mais cosmopolita, 70% da população é de imigrantes, então eles pensam nos outros. É um interesse legitimo”, avalia.
‘Soubemos pela imprensa’
Professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), o geógrafo Luiz Jardim pesquisa a relação entre empresas de mineração canadenses e o governo brasileiro.
Ele explica que o evento de março em Toronto, quando o fim da Renca foi anunciado pelo ministro, era formado essencialmente por empresas menores especializadas em pesquisa mineral e investimentos de risco.
“Há um padrão nessas empresas, chamadas ‘juniors’. Elas vêm, fazem as pesquisas e, ao longo desse tempo, publicam resultados em relatórios na bolsa de valores em Toronto, indicando o que eles encontraram. Esses relatórios fazem elas ganharem valor de mercado. Achando uma jazida significativa, a empresa pede uma licença ambiental e ganha ainda mais valor. Com a licença em mãos, elas anunciam na Bolsa novamente que estão perto do inicio do projeto. Num período de baixa no mercado, como agora, elas costumam vender a operação ou a mina para uma empresa maior interessada e assim fazem seus investidores lucrarem”, explica.
Jardim descorda da tese de que grandes mineradoras podem inibir o garimpo ilegal na região.
“A experiência no rio Tapajós, no Pará, mostra o contrário. O garimpeiro esta interessado em minas superficiais, a mineradora chega a veios mais profundos. Eles coexistem e a exploração formal pode até incentivar a vinda de mais garimpeiros.”
Segundo o engenheiro Bruno Milanez, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora e membro do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, que reúne 110 ONGs, sindicatos e movimentos sociais, não houve qualquer comunicado sobre a Renca para pesquisadores da área ou comunidades – diferente do que ocorreu com os empresários.
“Tudo o que acompanhamos foi pela imprensa”, diz.
Sobre esta aproximação entre governo e empresários, Milanez afirma que o movimento é “parte de um processo histórico, que vem se aprofundando” no governo Temer.
“Isso é reflexo de uma ocupação maior de pessoas do setor corporativo no governo. Hoje, o primeiro escalão da mineração no governo é formado por pessoas que ocuparam cargos de diretorias em empresas”, diz.
“Mas eles estão no governo temporariamente por cargos de confiança, e quando saírem vão voltar a assumir posições em empresas. Eles têm um lado nessa história.”
Fonte: BBC Brasil