Por Tereza Cruvinel, no Brasil 27
A 72 horas da greve geral convocada contra as reformas previdenciária e trabalhista, o governo Temer tentará aprovar hoje na Câmara a maior revisão reacionária da CLT e dos direitos trabalhistas jamais ousada, seja pela ditadura, pelo collorato ou pelo tucanato. O discurso governista que sustenta a reforma é o da “modernização”, eufemismo para o que é inequívoco: trata-se de garantir ao empresariado que apoiou o golpe o aumento da remuneração do capital. Garantir mais lucros através da supressão de direitos e obrigações sociais para com os trabalhadores. Aprovando a reforma trabalhista hoje, o governo agredirá perigosamente o movimento sindical nas vésperas da greve geral, flertando com a radicalização da cena social.
Da reforma, tudo já foi dito. Faz prevalecer acordos entre patrões e empregados sobre os direitos fixados em lei, cria categorias precárias de trabalho, como o “intermitente”, formalizando o “bico”, autoriza o trabalho de gestante em locais insalubres e tenta golpear a organização sindical tornando facultativa a contribuição dos filiados. Mesmo enfrentando defecções em sua base, o poderoso rolo compressor montado pelo governo pode funcionar e garantir os 257 votos. A mesma marca não foi alcançada, na noite dessa terça-feira, para obrigar os estados a aumentar a contribuição previdenciária de seus servidores. O governo conseguiu apenas 241. A aprovação de uma reforma tão rudemente regressiva pode levar água para o moinho da greve e adubar a radicalização contra o governo ilegítimo e impopular de Temer, até aqui poupado de grandes protestos.
– A Greve Geral é para alertar o governo, em especial os deputados e senadores, para que não traiam a classe trabalhadora. O Brasil vai parar e teremos muito prazer em divulgar o nome e as fotos de todos os que traírem os trabalhadores – diz Vagner Freitas, presidente da CUT.
Ontem, na votação da reforma na comissão especial, o deputado Mauro Pereira (PMDB-RS) protestou contra os outdoors espalhados por sindicalistas nas proximidades de sua cidade, Caxias, denunciando os votos que ele tem dado a favor do governo, como na PEC do gasto público e no projeto de terceirização. Os deputado sabem do poder corrosivo que campanhas deste tipo costumam ter sobre o eleitorado. É isso que Vagner Freitas promete em relação a todos que votarem a favor das reformas.
Assim como a reforma previdenciária, a trabalhista também já caiu no entendimento popular, diferentemente de medidas como o congelamento do gasto público, de mais difícil decifração.
– Eles pensam que enganam o pais com este discurso da “modernização”. Tem de ser muito cara de pau e sem qualquer compromisso com os trabalhadores para dizer que essas mudanças representam a modernização da legislação trabalhista. Desde quando aumentar a terceirização, transformar emprego fixo em bico, permitir que seja mais fácil demitir e diminuir multa para o patrão que descumpre obrigações é modernizar a legislação trabalhista?. Quem eles pensam que enganam? – questiona Vagner.
Aprovada ou não a reforma trabalhista nesta quarta-feira, a greve geral virá e é bastante provável que tenha êxito e pare o país na sexta-feira. A proposta está conseguindo uma agregação política, no campo sindical, que não se verificou, por exemplo, nos protestos contra o impeachment. Só a CUT, entre as centrais, marchou com os outros movimentos sociais contra o golpe. A unidade entre as centrais na organização da greve agora é efetiva, incluindo a Força Sindical, cujo fundador, o deputado Paulo Pereira da Silva, apoiou o golpe e é da base governista, pelo menos teoricamente. Ainda.
A adesão no setor de transportes é grande, segundo fontes sindicais, envolvendo rodoviários, ferroviários, metroviários, aquaviários e talvez até os aeronautas, embora isso seja mais difícil de acontecer. Comerciários, professores, funcionários públicos e bancários, entre outras categorias, já decidiram parar. Escolas já decretaram feriado. A Igreja Católica criticou as reformas e deve endossar a greve, assim como muitas igrejas evangélicas.
Se houver repressão, mais fermento na radicalização. Ontem a polícia reprimiu com violência os índios que protestaram em frente ao Congresso.
Até aqui, nestes 11 meses de governo Temer, a frustração era grande mas passiva, exceto pela ação dos movimentos sociais mais ativos. Com a iminente aprovação de reformas que mexem com a vida de cada um, reduzindo ou suprimindo direitos, precarizando o trabalho ou ameaçando a aposentadoria, o ânimo das ruas está mudando sensivelmente, dizem os que estão envolvidos com a organização da greve. Protestar contra o golpe soava como solidariedade ao PT, o que muita gente não queria externar naquele momento. Agora, o governo petista é uma lembrança vista pelo retrovisor, e o de Temer está aí, atirando-se com sofreguidão contra tudo o que significou avanço social nas últimas décadas, afora a compulsão por entregar e desnacionalizar o patrimônio nacional, num raio que vai do pré-sal às terras agrícolas. O quadro é tão feio que vem unindo adversários, pelo menos no sindicalismo, e devolvendo aos intimidados a desenvoltura perdida. Com 10% de popularidade, a economia congelada e começando a perder apoio no Congresso, Temer flerta com a radicalização e suas consequências. O terreno vai ficando propício ao confronto, à convulsão.
Algum deputado da oposição, já não me lembro quem, na votação de ontem citou o jurista português Canotilho, de renome mundial. Para ele, direitos e conquistas sociais, uma vez consagrados pela Constituição de um país, tornam-se cláusulas pétreas, não podendo ser removidos. A roda da História não devia mesmo poder girar para trás mas aqui faltou escrever isso na Carta de 1988, que vem sendo desconstruída e apagada. E para tristeza da alma de Ulysses Guimarães, por seu partido, o PMDB, com a ajuda inestimável da dissidência peemedebista que deu no PSDB.
Via Brasil 247