Temer afaga ruralistas e viola direitos humanos com portaria do trabalho escravo

O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) recomendaram ao governo Michel Temer a revogação da Portaria 1.129/2017, publicada na última segunda-feira, 16 de outubro, pelo Ministério do Trabalho, que dificulta a punição do trabalho escravo no Brasil. Antes da medida, a configuração de escravidão estabelecia servidão por dívida, condições degradantes, jornada exaustiva e trabalho forçado. No entanto, com a publicação do documento, o governo golpista de Michel Temer determinou que é imprescindível comprovar a restrição da liberdade de ir e vir para caracterizar o trabalho escravo.

Os dois órgãos ressaltaram que a portaria é ilegal e que contraria o Código Penal e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), trazendo “conceitos equivocados e tecnicamente falhos dos elementos caracterizadores do trabalho escravo”. Se o governo não se manifestar em dez dias, MPF e MPT devem entrar com ações na Justiça para anular os efeitos da medida. A portaria também foi denunciada à Organização das Nações Unidas (ONU) pela ONG Conectas Direitos Humanos e pela Comissão Pastoral da Terra.

“Temer uma vez mais conduz o governo do país por meio de encomendas privadas de ocasião, neste caso, em benefício dos ruralistas e demais setores com forte incidência de trabalho análogo à escravidão, como o têxtil e da construção civil. Essa medida constitui grave ataque a direitos respaldados pela legislação brasileira e pelas Convenções 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificadas pelo Brasil. Esta portaria se soma à medida tomada no mês de julho sobre a redução no orçamento da ordem de 70% para fiscalização do trabalho escravo, inviabilizando na prática também a fiscalização do trabalho infantil e violando frontalmente a Convenção 81 da OIT, sobre a fiscalização do trabalho”, denunciou a Central Única dos Trabalhadores (CUT), em nota assinada pelo secretário-geral Sérgio Nobre e pela secretária de Políticas Sociais e Direitos Humanos, Jandyra Uehara Alves.

“O que testemunhamos é uma ofensiva sem limites contra o nosso povo. Essa decisão não só atende aos interesses daqueles que exploram de forma desumana a classe trabalhadora, como dificulta a fiscalização dos que ainda hoje são condenados a condições de total precarização”, escreveu Adílson Araújo, presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB). “Uma medida como essa, associada à Terceirização e à Reforma Trabalhista, constroem o cenário ideal para um mundo de trabalho precarizado e com altos índices de mortalidade, já que para ser considerado ‘trabalho escravo’ a nova norma exige a existência de cerceamento de liberdade. E mais, exige a prova de que houve ou não consentimento do trabalhador.”

“A posição do governo é afagar os ruralistas e afagar os escravagistas”

“Nunca houve um ataque tão duro orquestrado pelos exploradores de mão de obra escravizada como a publicação da portaria do trabalho escravo”, declarou Carlos Silva, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores do Trabalho (Sinait) em entrevista quinta-feira (19) ao Portal Vermelho. A Portaria 1.129/2017 redefine o conceito de trabalho escravo, o que, na opinião dos trabalhadores do setor, significa o fim do combate ao trabalho escravo no Brasil.

“O ministro do Trabalho disse que é uma decisão de governo. A posição do governo é afagar os ruralistas e afagar os escravagistas e para isso passou por cima da Constituição e da lei no nosso pais”, disparou Carlos.

Ele não tem dúvidas de que a regulamentação do trabalho escravo virou moeda de troca para o governo de Michel Temer. “Essa portaria é para atender interesse dos ruralistas, que precificaram o apoio ao presidente da República que segue no Congresso com uma denúncia de corrupção envolvendo o nome dele”, reiterou o dirigente.

Na quarta-feira (18), Carlos e outros dirigentes confirmaram em reunião com o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, que não há disposição do governo em revogar a portaria.

Em reação à medida, auditores fiscais nos estados paralisaram as atividades em todo o pais. O Sinait anunciou protesto nacional da inspeção do trabalho, em todas as áreas, no dia 25.

Retrocesso

O Brasil reconheceu em 1995 a existência de trabalho escravo no país. São 22 anos de existência do grupo de fiscalização móvel que resgatou 51 mil pessoas na condição de escravizados. As ações no país sob a orientação da atual legislação ganharam reconhecimento internacional.

Com a portaria publicada no Diário Oficial na última segunda-feira (16), o cenário deve sofrer um retrocesso. Para caracterizar trabalho escravo por jornada exaustiva e condição degradante agora é preciso provar que o trabalhador está privado do direito de ir e vir.

Segundo o artigo 149 do Código Penal que orienta a atuação dos fiscais do trabalho, o trabalho escravo pode ser caracterizado por servidão por dívida, condições degradantes, jornada exaustiva e trabalho forçado.

A portaria de Temer também cria a “fiscalização” sobre os fiscais do trabalho, que devem ser acompanhados nas ações por autoridade policial, que poderá ou não emitir um boletim de ocorrência, agora exigido para comprovar o trabalho escravo.

“É uma ousadia jamais vista e deslavada. O ministro insiste em dizer que traz segurança jurídica e que estabelece melhores condições para realizar o trabalho. Coisa nenhuma”, reiterou, indignado, o presidente do Sinait.

Degradação humana

Reduzir o trabalho escravo à privação do direito de ir e vir legitima outras formas de exploração do trabalho humano que atualmente são consideradas trabalho escravo, observou Carlos.

Há 10 anos atuando na área, ele afirmou que causa indignação a situação vivida por homens, mulheres e crianças que, pelo conteúdo da Portaria 1.129, não se caracterizariam como análogas à escravidão.

Carlos citou o caso de trabalhadores submetidos em áreas rurais a jornadas sem registro trabalhista, equipamento de segurança, sem instalações sanitárias e sem direito a consumir água tratada, por exemplo.

“Consomem a água onde os proprietários lavam os animais, fazem as necessidades no mato, não têm uma cama para dormir, não têm lençol. Em regiões frias são submetidos a banhos frios e não têm cobertor. São tratados como coisas”, descreveu.

Portaria incentiva exploração

O dirigente informou que a ocorrência de trabalho escravo está disseminada pelo país no campo, nas cidades (áreas têxtil e construção civil) e marítima. Trabalhadores de cruzeiros na costa brasileira eram submetidos as jornadas de 14 horas, assédio moral, sexual e sem a garantia de pagamentos.

Segundo ele, o Estado que deveria assegurar dignidade a esse trabalhador tira dele o direito de ser resgatado e vai tratar a escravidão como irregularidade trabalhista.

“A empresa vai ser autuada mas o trabalhador vai continuar lá, agora desamparado. Os exploradores estarão estimulados a explorar já que esses casos não serão mais tratados como casos de trabalho escravo. A portaria é um incentivo”, completou Carlos.

Governo e Congresso de costas para o trabalhador

Ele relatou que se sente emocionado ao ver que a falta de políticas públicas para esses trabalhadores nos locais de origem os tornam presas fáceis para aliciadores do trabalho escravo.

“São pessoas quem mal sabem pronunciar o nome ou se localizar geograficamente. Trabalhadores que não têm o hábito de serem tratados como pessoa, se sentem como um objeto. Nós nos sentimos na obrigação de dizer que eles são pessoas e estamos ali para assegurar que o trabalhador será retirado dessa situação de degradação”, relatou Carlos.

O dirigente comparou a lógica da portaria de Temer à reforma trabalhista. “É conduzida pelo mesmo grupo que está de costas para o trabalhador e de mãos dadas com empresários exploradores e criminosos. Sabemos que não são todos mas é uma boa parte que está no governo e tomou conta do Congresso Nacional.”

Com informações do Portal Vermelho, CUT e CTB