[Da imprensa do Sindipetro Unificado SP]
Por necessidade de proteção contra a pandemia de covid-19, mais de 20 mil funcionários do sistema Petrobrás foram afastados de seus postos originais de trabalho, passando a integrar o sistema de teletrabalho instituído pela a empresa.
Nas bases do Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo (Sindipetro-SP), ingressaram nesse modelo trabalhadores da Refinaria de Paulínia (Replan) e Refinaria de Capuava (Recap), em Mauá, que atuam em horário administrativo e/ou fazem parte dos grupos de risco mais suscetíveis à doença.
Somada às medidas de isolamento recomendadas, essa nova rotina trouxe dificuldades como sobrecarga de jornada, ansiedade, depressão e, ataque de pânico a quem está trabalhando de casa.
Inicialmente, o petroleiro Guilherme Galdiano, que está passando pelo período de isolamento sozinho, diz que achou a adoção do teletrabalho uma medida vantajosa, até por não precisar gastar com transporte até o local de serviço. Contudo, com o passar do tempo, se tornou cansativo. “Ficar todos os dias em casa se torna desgastante e não temos mais aquela separação de ambiente de trabalho e ambiente de descanso, vira tudo uma coisa só”, admitiu.
Doutora em sociologia e professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), Carla Diéguez explica que o isolamento social faz com que o trabalhador perca a referência do local de trabalho. “As atividades presenciais são importantes por conta do olho no olho, da linguagem corporal, e esses elementos foram perdidos, e num momento de crise econômica isso tende a se agravar e gerar mais ansiedade aos trabalhadores”, explicou.
Necessidade de equipamentos próprios
Ao afastar parte de seus trabalhadores, a Petrobrás não prestou suporte inicial para que houvesse uma adaptação das casas para o trabalho. A empresa não disponibilizou cadeiras, computadores e nem internet para os petroleiros que precisavam trabalhar de suas residências.
“Como tínhamos móveis próprios [na empresa], não percebíamos como isso fazia diferença. [em casa] Tenho sentido um pouco mais de dor na região do pescoço e coluna e tento fazer alguns exercícios para dar uma soltada”, afirmou Galdiano.
Acostumado com a rotina na refinaria há quase 40 anos, um petroleiro que preferiu não se identificar explicou que entrar em home office foi difícil logo de início por conta da falta de apoio da Petrobrás. “Foi angustiante ter que providenciar tudo, a estrutura residencial não está preparada. Antes de enviar alguém para teletrabalho, a empresa precisa pensar nas condições ergonômicas do funcionário”, declarou o trabalhador que precisou comprar computador e cadeira.
Após reclamações, a companhia reembolsou parte do investimento que os trabalhadores fizeram para a adequação do espaço residencial.
Jornadas em excesso
Assessor do Unificado, o médico do trabalho Adilson Campos explica que a ergonomia é de extrema importância e que em casa os móveis geralmente não são adequados para o exercício profissional contínuo. “As casas são feitas pra viver, não pra trabalhar e diversos fatores deste ambiente contribuem para a desatenção da pessoa que está em teletrabalho”, esclareceu. Para ele, há ainda as distrações e responsabilidades particulares que podem resultar em maiores jornadas a partir do no novo ambiente.
Para o petroleiro Uiram Kopcak, criar uma rotina deve ser fundamental e o trabalhador deve se atentar ao horário em que loga e desloga do sistema. “Não é porque estou com o computador ou celular do meu lado, mesmo que fora do horário de expediente, que estou disponível para a empresa”, alertou.
“Se o trabalhador estiver frequentemente trabalhando fora do horário de serviço, por conta de uma maior demanda ou afins, deve contatar o Sindicato para um apoio jurídico em busca de seus direitos”, indicou Kopcak, reiterando que, apesar do distanciamento, os trabalhadores devem se unir.
Conciliação entre família e trabalho
Uma das principais dificuldades relatadas por trabalhadores de diversas áreas que migraram para o sistema de home office foi ter de lidar, de uma hora para a outra, com trabalho e família no mesmo ambiente.
A situação foi totalmente nova e inesperada e, de acordo com o petroleiro que não quis se identificar e que já não está mais em teletrabalho, essa foi uma tarefa árdua. “É muito complicado. Em casa, a minha esposa já tinha a rotina dela e eu e minha filha, que também está em home office, passamos a fazer parte integralmente deste ambiente, o que resultou em estresse emocional e dificuldade na convivência”, explicou.
Para outra petroleira que também preferiu não se identificar, a dificuldade é a mesma somada à maternidade de duas crianças.
Também com filho em idade escolar, Uiram Kopcak admite ter dificuldades para relacionar as tarefas do trabalho com a vida em casa, mas conta com sua esposa para revezar no auxílio aos estudos da criança. “Minha esposa trabalha no quarto e eu na cozinha, meu filho sempre acompanha um de nós dois, mas é desafiador porque ele sente falta do convívio com outras crianças”, completou.
Para amenizar os conflitos em casa, a socióloga Carla Diéguez explica que negociações sobre o uso dos espaços e horários são importantes para conseguir promover uma convivência de forma mais saudável. “A vida familiar é importante para a nossa sanidade mental, mas essa intensificação não”, concluiu.
Saúde mental
Um dos aspectos mais delicados e que sofre mudanças bruscas com as medidas de isolamento e home office é a saúde mental dos trabalhadores. Pesquisas apontam que após o início da pandemia houve um agravamento de doenças psiquiátricas, causadas principalmente por conta do estresse e tensão.
Conciliando os afazeres domésticos com maternidade e trabalho, a petroleira que não se identificou afirmou que teve crises de ansiedade por sentir falta em trabalhar na refinaria. “Fico em casa o tempo todo com meus filhos e tive crise de ansiedade por sentir falta da minha vida adulta, conversando com outras pessoas, é uma situação angustiante”, explicou.
Já para Guilherme, existem altos e baixos e o home office não é algo que funciona todos os dias. “Acho que se pudéssemos sair, fazendo nossas atividades normais, o impacto seria menor. Além disso, o trabalho presencial é muito importante para resolver algumas pendências”, concluiu, afirmando que o teletrabalho tem que ser negociado dentro do Acordo Coletivo de Trabalho, e não individual.
Mas há situações que demonstram como identificar e responsabilizar a empresa por doenças de trabalho será desafiador, como explica outro trabalhador que não se identificou. Ele teve de procurar ajuda psiquiátrica por conta dos problemas que desenvolveu devido ao isolamento e às condições de home office. “Tive crise de ansiedade, comuniquei a empresa e o médico do trabalho não estava preparado pra ouvir, simplesmente fui jogado para escanteio, que é o que a Petrobrás faz com seus funcionários que estão com problemas psicológicos”, concluiu o petroleiro, que sugere que seja realizada, ao menos uma vez por mês, uma videoconferência pela empresa para saber como estão os funcionários.
Por se tratar de uma situação muito nova, de acordo com o médico do trabalho, dr. Adilson, a ansiedade é uma consequência comum.
A falta de transparência por parte da Petrobrás em relação ao futuro dos trabalhadores funciona como um gatilho para ansiedade que, de acordo com Diéguez, acaba sendo agravado por conta da crise econômica. Por isso, é necessário que a empresa seja sempre transparente. “É importante que a empresa deixe claro que o emprego de seus funcionários está garantido, mesmo que por um determinado tempo”, admite, explicando que o trabalhador pode até mesmo perder produtividade se a empresa não for suficientemente clara.
Escapes do isolamento
Conciliar o teletrabalho com outras tarefas e praticar exercícios, integrar grupos virtuais e novos conhecimentos podem ser alternativas para evitar a sensação de isolamento e para melhorar a qualidade de vida.
Kopcak, que é diabético, sentiu a necessidade de dar uma maior atenção à saúde. “Vejo vídeo-aulas com a minha esposa, e funciona como distração e serviu para eu emagrecer e controlar a minha glicemia, o que é muito importante, já que faço parte do grupo de risco”, concluiu.
Criar programações, momentos de lazer com as outras pessoas da casa e pensar em planos para o pós-pandemia, para a socióloga Carla Diéguez também pode funcionar como um escape. “Precisamos fazer planos para o futuro e não precisa ser uma super aventura, pode ser um almoço num restaurante legal”, explicou.
Além disso, falar menos sobre trabalho com os outros residentes da casa também pode ser uma boa estratégia.
Para o médico trabalhista, dr. Adilson, estipular horários para trabalho através de uma regulamentação da jornada, a ser aplicada pela empresa tende a facilitar a vida do trabalhador que está nesse modelo. “Uma alternativa, além da implementação de uma regulação do tempo de jornada em casa, é uma participação ativa do Sindicato em busca dessa luta, em contato com a empresa”, finalizou.
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